sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Documentos desclassificados revelam que os EUA “apoiaram activamente” os massacres na Indonésia nos anos 1960

Documentos agora desclassificados ilustram a conivência dos EUA com o massacre anticomunista dos anos 60 na Indonésia [estimado em 500.000 mortes]. Se tivessem sido igualmente desclassificados os documentos da CIA da mesma altura, muito provavelmente seria mais do que conivência o que ficaria à vista. Pode colocar-se a pergunta: quantos milhões de assassínios no último meio século figurarão no cadastro de tais defensores da “democracia” e dos “direitos humanos”? E até quando?

Um suposto membro da PKI (Partido Comunista Indonésio) após sua prisão pelas forças de segurança indonésias.
Outubro de 1965.
Foto: National Security Archive

Documentos recentemente desclassificados revelam não apenas o «conhecimento detalhado» por parte do governo dos EUA dos assassínios em massa de membros do Partido Comunista Indonésio (PKI) levados a cabo pelo exército indonésio, mas também o seu «apoio activo» a esse massacre.

Os documentos, divulgados quinta-feira pelo National Security Archive na Universidade George Washington em Washington, DC mostram que, segundo essa instituição independente de investigação e arquivo, funcionários dos EUA “apoiaram activamente as acções do exército visando a destruição do movimento operário de esquerda no país.»

Os 39 novos documentos, parte de um acervo de cerca de 30.000 páginas de registos diários recolhidos da Embaixada dos EUA na capital Indonésia entre 1964-1968, foram desclassificadas e digitalizadas em colaboração com o National Declassification Center. A iniciativa verificou-se na sequência de numerosas solicitações de grupos defensores dos direitos humanos norte-americanos e indonésios.

Os ficheiros incluem cartas do Departamento de Estado, telegramas, relatórios de situação e comunicações confidenciais entre consulados dos EUA e a sua embaixada. Entretanto, o acervo não inclui quaisquer documentos da CIA, que permanecem classificados. A Human Rights Watch apelou a que fossem desclassificados todos os documentos que ainda o não foram.

Os novos materiais mostraram que diplomatas dos EUA na Embaixada de Jacarta e os seus interlocutores do Departamento de Estado em Washington mantiveram um registo de quais os dirigentes do PKI que iam sendo executados no decurso de um dos mais turbulentos períodos da história da Indonésia depois da sua independência da Holanda em 1949.

É particularmente chocante o memorando da conversa entre o Segundo Secretário da Embaixada Robert Rich e o Assistente do Procurador-Geral Adnan Buyung Nasution, em 23 de Outubro de 1965. É uma das primeiras vezes em que os assassínios sistemáticos são mencionados a Washington. O telegrama refere a cooperação por parte dos EUA no sentido de manter a imprensa internacional à margem de qualquer referência às mortes de modo a não alertar o Presidente Sukarno.

«Os militares tinham já executado muitos Comunistas mas este facto deve ser cuidadosamente retido» enquanto eles «continuam a carregar em cima dos Comunistas de modo a quebrar a espinha ao poder do PKI,» escreveu Nasution.

No memorando, Nasution manifesta-se «chocado» por os massacres terem começado a ser referidos na rádio da Malásia e alertou para que Sukarno não deveria tomar conhecimento da repressão das forças armadas pelos meios de comunicação estrangeiros.

Rich assegurou a Nasution que o governo dos EUA está «inteiramente consciente da natureza sensível dos acontecimentos em curso e está a realizar todos os esforços no sentido de que não fosse estimulada a especulação por parte da imprensa.»

Um telegrama de 1965 do consulado dos EUA em Surabaia dirigido à embaixada em Jacarta dizia: «Continuamos a receber informação de PKI sendo massacrados por milícias Ansor [uma milícia muçulmana] em muitas zonas do leste de Java. A matança de PKI prossegue em aldeias próximo de Surabaia e os feridos libertos de Surabaia recusam regressar a suas casas. Segundo o chefe dos caminhos-de-ferro do leste de Java, 5 estações foram encerradas por os trabalhadores terem medo de vir para o trabalho uma vez que alguns deles foram assassinados.»

A embaixada dos EUA em Jacarta enviou uma mensagem carimbada “Secreto” para Washington DC em Novembro de 1965 dizendo: «Entretanto, tanto nas províncias como em Jacarta, a repressão do PKI prosseguiu, tendo como principal problema onde alojar e como alimentar os prisioneiros. Muitas províncias parecem ter resolvido o problema com êxito executando os seus prisioneiros PKI, ou matando-os antes da sua captura.»

Outro telegrama “Secreto” enviado a Washington DC em Dezembro de 1965 pela PrimeiraSecretária da Embaixada Mary Louise Trent regista o «notável êxito do exército» nas suas acções no sentido de acumular poder.

«[A violência anti-PKI] resultou até agora numa estimativa de 100.000 mortes PKI. Uma fonte de confiança balinesa informou a Embaixada de que as mortes PKI na Ilha de Bali atingem um total de cerca de 10.000 e incluem familiares e até mesmo parentes afastados do governador cripto-comunista Sutedja,» dizia.

Os ficheiros documentam um período em que as tensões entre o exército indonésio e o Partido Comunista Indonésio explodiram, resultando numa gigantesca “purga” que massacrou centenas de milhares dos seus cidadãos.

Depois de assumir o poder sobre os militares indonésios em Setembro de 1965, o General Suharto desencadeou um massacre apoiado pelo exército da muito numerosa mas na sua maioria desarmada militância do PKI, invocando razões de «contaminação política.» Viria mais tarde a desbancar, em 1967, o primeiro Presidente indonésio, Sukarno.

Segundo um estudo da Universidade de Yale, Suharto ordenou uma «limpeza absolutamente essencial, até à raiz» de adeptos e simpatizantes do PKI, de que resultou em cada noite o assassínio de «50 a 100 membros do PKI» por grupos civis anticomunistas com a bênção do exército. A embaixada australiana em Jacarta estimou que, a certa altura, havia «cerca de 1.500 assassínios diários» e relatórios confidenciais de duas agências ocidentais concordavam acerca de «um total de perto de 400.000 mortos.» Contudo, um embaixador adjunto dos EUA pensava que o número total poderia ser muito superior.

O grupo de investigadores da NSA estima que perto de 500.000 alegados apoiantes PKI foram mortos entre Outubro de 1965 e Março de 1966, e que cerca de 1 milhão mais foram aprisionados. Suharto exerceu o poder na Indonésia até 1997.

FONTE: ODiario.info


Nenhum comentário:

Postar um comentário