domingo, 30 de outubro de 2016

Anita Prestes lança livro sobre o pai, Luiz Carlos Prestes, na III Bienal do Livro de Brasília (entrevista concedida ao Correio Braziliense)

A escritora nasceu em privilegiado ninho político, sendo filha de Luiz Carlos Prestes e de Olga Benario

Levando em conta que cada momento histórico tem características particulares, a escritora Anita Leocadia Prestes é precavida o suficiente para não tecer comparações quando o tema cerca a atual crise política nacional. Nascida em privilegiado ninho político — filha de Luiz Carlos Prestes e de Olga Benario –, Anita registra muitas certezas na obra Luiz Carlos Prestes – Um comunista brasileiro, com lançamento às 11h de hoje, no Auditório Manoel de Barros do Estádio Nacional Mané Garrincha, com sessão de autógrafos prevista para depois de um debate no local. O evento integra a III Bienal Brasil do Livro e da Leitura.

Pesquisas em atas de reuniões do Partido Comunista, manuscritos em correspondências pessoais, dados de autocrítica e os bastidores da relação do pai com o partidão, levaram a autora, presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes e professora do programa de pós-graduação em História Comparada da UFRJ, a certezas, numa conjuntura que a coloca em evidência ainda mais ressaltada, dada a indicação ao Prêmio Jabuti.

Assistente privilegiada do pai, com mais de 30 anos aplicados numa carreira e proximidade invejáveis, Anita Leocadia, aos 79 anos, refuta qualquer descrença paterna no Brasil, mesmo com legados duros para o revolucionário destratado tanto a ponto da abraçar a clandestinidade. “Prestes possuía o otimismo da vontade, considerando que nosso povo encontraria o seu caminho da emancipação social e nacional”, pontua a escritora, ao Correio.

Preservar a história dos pais, por meio do instituto mencionado, leva a doutora em história social ao reforço da militância de ex-exilada que se especializou em economia e filosofia na antiga União Soviética. “No site do instituto, abordamos temas atuais do ponto de vista das posições marxistas”, explica. Longe do esfacelamento do bem comum proposto na sociedade absorta em consumo e individualidade, Anita Leocadia não pestaneja, ao defender visões pessoais. “As ideias comunistas têm uma base científica revelada por Karl Marx em sua obra, principalmente em seu livro O capital. Portanto, continuam válidas e devem ser divulgadas e aplicadas de maneira criativa e não como dogmas”, observa.

Entrevista // Anita Leocadia Prestes

Luiz Carlos Prestes teve imperfeições? Qual foi o maior pecado estratégico, no campo político?

Quando convencido do fracasso de uma determinada posição política, Prestes jamais vacilou em rever os erros políticos cometidos por ele e pelo PCB, partido do qual foi secretário-geral durante quase 40 anos. A partir dos anos 1970, Prestes passou a considerar que os principais erros cometidos pela direção do PCB foram de caráter estratégico, ou seja, a orientação política, que se mostrou errônea, de postular que no Brasil seria necessária uma revolução nacional libertadora como primeira etapa para a realização da revolução socialista.

O audiovisual se enamorou das reproduções das figuras dos seus pais. Quando a senhora assiste às produções, o que percebe de mais fantasioso e em que qualidade as obras se aproximaram da realidade?

Penso que, entre os filmes existentes sobre meus pais, o melhor ainda é o filme Olga, pois manteve algum compromisso com a verdade. O que não se deu, por exemplo, com o filme O Velho, que não passa de uma falsificação da história ao denegrir a imagem dos meus pais e dos comunistas.

Getúlio Vargas, sob algum prisma na ação do governo, é digno de alguma ínfima admiração?

Não penso que Getúlio Vargas mereça admiração dos trabalhadores, dos explorados e dos oprimidos. Creio que é necessário analisar sua atuação política dentro do contexto da época. Ele representou os interesses de determinados setores das classes dominantes do Brasil no período em que viveu.

Ao criar o livro, uma segura fonte de referência para qualquer brasileiro, qual o maior desafio?

Como digo na apresentação da obra, não tive a pretensão de produzir a biografia definitiva de Luiz Carlos Prestes, porque na história e na historiografia não existe nada definitivo. Novos documentos podem surgir e transformar a interpretação dos fatos. Também não há a pretensão de revelar a grande e única verdade sobre o célebre Cavaleiro da Esperança. Como toda biografia, é um recorte da vida do biografado.



sábado, 29 de outubro de 2016

Biografia de Luiz Carlos Prestes é finalista do Prêmio Jabuti 2016

Escrita pela historiadora Anita Leocadia Prestes, filha do líder comunista, obra envolveu memória, mas também extensa pesquisa em arquivos

Por Luiza Villaméa

A historiadora Anita Leocadia Prestes nasceu na prisão de Barnimstrasse, em Berlim, onde sua mãe, Olga Benário, estava presa depois de ser deportada pelo governo Getulio Vargas, grávida, para a Alemanha nazista. Judia de origem alemã, Olga tinha vindo para o Brasil para atuar como segurança do líder comunista Luiz Carlos Prestes, com quem acabou se casando, antes de participar da chamada Intentona Comunista. Anita nasceu em novembro de 1936 e escapou da morte em um campo de concentração nazista devido a uma campanha internacional por sua libertação. Olga não teve a mesma sorte.

Oitenta anos depois, a biografia que Anita escreveu do pai, Luiz Carlos Prestes – Um Comunista Brasileiro, publicada pela Boitempo Editorial, acaba de ser indicada como finalista da edição 2016 do Prêmio Jabuti, o maior prêmio de literatura do Brasil. Em novembro do ano passado, Anita concedeu uma longa entrevista para a edição 100 da Brasileiros, sobre a própria trajetória, a dos pais e a biografia que acabara de publicar. Leia a entrevista na íntegra:




Brasileiros – Quais as suas primeiras lembranças de infância?

Anita Leocadia Prestes – São do México. Do período anterior, não tenho a menor lembrança. Nasci na prisão de Barnimstrasse, em Berlim, onde minha mãe estava presa, depois de extraditada pelo governo Getúlio Vargas. Ela chegou em um navio cargueiro alemão. Estava no oitavo mês de gravidez. Chegou em outubro, eu nasci em novembro. Foi um mês de viagem. O navio tinha saído do Rio no dia 23 de setembro de 1936.

Não houve como interceptar o navio?
Na França e na Espanha, portuários amigos se prepararam para tentar resgatá-la, mas o capitão tinha recebido ordem de não parar em nenhum porto. Levava Olga e Sabo (como era conhecida Elise Saborowski Ewert), as duas alemãs, judias, extraditadas para a Alemanha nazista. Um advogado francês foi mandado a Hamburgo, onde elas desembarcaram, mas não conseguiu nem chegar perto. Voltou para Paris dizendo que o esquema de segurança era assustador.

Por que Paris?
Paris era o centro de uma campanha mundial, dirigida por minha avó paterna, Leocadia Prestes, pela libertação dos presos políticos no Brasil. Prestes era o nome principal. Como minha mãe foi extraditada para a Alemanha nazista, a campanha era também pela libertação dela e minha. Mandavam cartas do mundo inteiro, inclusive dos Estados Unidos. Eu era uma criancinha, emocionava a opinião pública. Com Olga, ficava mais difícil. Ela era uma comunista conhecida, com a cabeça a prêmio na Alemanha.

Ela tinha comandado uma ação armada.
Na prisão de Moabit, em Berlim, para libertar o filósofo Otto Braun, anos antes. Já o meu caso era de uma criança que corria o risco de ser mandada para um orfanato nazista. Lá, a criança perdia o nome e virava um número. Como a família iria localizar, se sobrevivesse?

Verdade que Olga só poderia ficar com você enquanto estivesse amamentando?
E até nisso a campanha foi importante. Com os recursos arrecadados, todo mês a minha avó e a minha tia mandavam um enorme pacote com alimentos para ela. Alimentos que não precisavam de ir ao fogo, como solúveis, chocolates, biscoitos. A Gestapo roubava uma parte, mas entregava outra. Com isso, a alimentação dela melhorou muito e ela teve leite. Depois, com a pressão da opinião pública, a Gestapo chegou à conclusão de que o melhor era se livrar de mim.

Como foi isso?
Fui entregue a minha avó e a minha tia quando tinha 14 meses, no dia 21 de janeiro de 1938. Fomos de trem para Paris, onde ficamos até outubro. Com o perigo da guerra, viajamos de navio para o México, que estava dando asilo político a todo mundo que precisava. Eu não tinha completado dois anos.

O que você lembra do México?
Lembro bem que na parede da sala tinha duas fotos grandes, do meu pai e da minha mãe. Todos me ensinavam quem era o pai, quem era a mãe, porque eles estavam presos, porque estavam ausentes. As cartas que chegavam eram lidas na minha presença. Havia muita solidariedade. Eu ganhava muitos brinquedos. Claro, tinha também o sofrimento da minha avó, com o filho preso no Brasil. Lembro da angústia dela, esperando carta. Frequentemente não tinha notícia nenhuma. Ou vinham notícias alarmantes, de que ele tinha sido assassinado.

Por quanto tempo ele ficou isolado?
O tempo todo. Durante alguns períodos, não havia nem correspondência. A primeira carta que ele recebeu foi em março de 1937, um ano depois de ter sido preso. Foi quando soube do meu nascimento. Ele supunha que eu tivesse nascido, mas não sabia em que condições nem o que tinha acontecido com a minha mãe. Começou aí uma correspondência, mas muito irregular. Volta e meia a polícia proibia as cartas. Ele ficou nove anos preso.

Prestes acreditava que o tratamento que recebia podia ser vingança de Filinto Müller, o chefe da polícia, que anos antes tinha sido expulso da Coluna?
Sem dúvida. Filinto Müller era um su­­jeito vingativo, mas a principal responsabilidade era de Vargas. Aliás, o meu pai sempre falava isso. Que a extradição da minha mãe foi uma maneira de torturá-lo. A responsabilidade foi também do Supremo Tribunal Federal, que negou o habeas corpus pedido pelo advogado. Mas, voltando a sua pergunta inicial, minhas primeiras lembranças são do México, com meus pais muito presentes, mesmo presos em outros países. Não tive grandes traumas. Embora houvesse um clima de tensão, eu compreendia e aceitava. Inclusive o tempo todo me lembravam que existiam outras crianças em situação muito pior, passando fome, no meio de uma guerra.

Isso por iniciativa de dona Leocadia?
Dela e da minha tia Lygia. Elas me criaram muito nesse estado de espírito. Depois, minha avó morreu. Eu tinha só 6 anos. Quem passou a ser a minha mãe na prática foi a Lygia. Com ela passei inclusive quatro meses em Cuba, participando da Campanha Prestes, que continuava em 1943. Lá o regime era bastante democrático, embora o presidente fosse Fulgencio Batista, que depois virou ditador. Junto com Lygia, participei de muitos comícios. Era superfestejada.

Quando você se encontrou com Prestes pela primeira vez?
Dois anos depois. Cheguei com minha tia no Aeroporto Santos Dumont, em 28 de outubro de 1945. Isso eu lembro bem. Já estava com quase 9 anos. Tinha uma grande manifestação. O partido estava legal. Chamava-se então Partido Comunista do Brasil. Os companheiros tomaram conta do aeroporto. Foi permitido que o meu pai chegasse até a escada do avião. Os cordões de isolamento tinham sido rompidos. A massa invadiu a pista. Sei que fiquei muito assustada. Fiquei com meu pai, atravessando aquela massa. Todo mundo queria me agarrar, me beijar. Uma loucura.

Naquela época, você fazia ideia do que tinha sido a Coluna Prestes?
Fazia, até porque o meu pai escrevia. Ele sempre falava sobre a Coluna, das andanças pelo interior do Brasil, e em particular do rio Araguaia, que achava um dos lugares mais bonitos do mundo. Dizia que algum dia nós iríamos de Jipe até o Araguaia, para ele me mostrar o rio, mas isso nunca aconteceu. Ficou só no plano.

E a biografia dele, quando você decidiu escrever?
Esse trabalho começou há mais de 30 anos, quando resolvi estudar História. Antes disso, tinha me formado em Química em 1964 e feito estágio na fábrica de borracha da Petrobras, em Duque de Caxias. Com o golpe, todo mundo que era de esquerda foi posto para fora e não arrumava outro emprego. Fiquei no trabalho político, no Rio. Depois, fui para o trabalho clandestino do partido em São Paulo. No início dos anos 1970, como a repressão estava muito violenta, fui para a União Soviética. Lá, fiz uma tese de Economia Política. Integrei o Comitê Central do PCB, o Partido Comunista Brasileiro. Quando voltei do exílio, uma das preocupações era que meu pai estava com mais de 80 anos e não queria escrever suas memórias. Mas tinha uma memória espetacular.

Ele falava do passado?
Ele era um cara que gostava muito de conversar, de contar as histórias da Coluna, não só para mim, mas para quem quisesse ouvir. Fizemos muitas gravações. Na qualidade de historiadora, não me limitei só a ele. Três anos atrás, fui a Moscou, para pesquisar nos arquivos da Internacional Comunista. Trabalhei por períodos, até chegar em 1990, quando ele morreu. Ele viveu 92 anos, sendo 70 de atuação política intensa, no Brasil e no Exterior. Descobri também uma fonte interessantíssima, que é o arquivo do ex-presidente Artur Bernardes.


Contra o qual a Coluna se levantou.
Nesse arquivo tem documentos superinteressantes, como os telegramas dos comandantes militares governistas para o ministro da Guerra, que eram repassados para Artur Bernardes. O ministro também escrevia relatórios: “É impossível combater uma tropa que foge o tempo todo”. Isso porque a Coluna evitava o confronto direto. Fazia guerra de movimento. Já os governistas tinham aprendido com os franceses as normas da guerra de posição. Abriam trincheiras, se instalavam e ficavam esperando o ataque. Já a Coluna estava interessada em driblar, não em atacar.

De onde Prestes tirou a ideia de guerra de movimento?
Da prática, da experiência no Sul. Ele sempre falava nas guerras a cavalo entre oligarcas gaúchos. Daí encontrou a saída, por exemplo, para o chamado Cerco de São Luís, no começo da Coluna. A desproporção era muito grande. O governo estava com 14 mil homens bem armados. Reunida sob o comando de Prestes, a Coluna tinha 1,5 mil homens, mal armados. Um fuzil para cada dois. Um confronto direto seria morte certa. Mas a Coluna tinha as potreadas, pequenos grupos de soldados que se destacavam do grosso da tropa em busca de informações sobre o inimigo e sobre o terreno. Com essas informações, o comando traçava o plano de operações. Enfim, naquela ocasião eram sete colunas governistas, cada uma com dois mil homens, que marchavam para cercar a cidade de São Luís e liquidar os rebeldes. Só que eles conseguiram passar entre duas colunas sem serem vistos e seguir para o Norte. Quando as tropas governistas entraram em São Luís, não tinha nenhum rebelde.

Prestes proibiu a presença de mulheres entre os combatentes, mas elas não obedeceram. Qual o papel das mulheres na Coluna?
Foi logo no início, quando atravessaram o rio Uruguai, na fronteira com Santa Catarina. Ele deu ordens para as mulheres não atravessarem. Tinha medo que elas perturbassem a Coluna. Quando ele chegou do outro lado do rio, pois foi o último a atravessar, elas estavam todas lá. Eram 30 mulheres do Rio Grande, que depois se juntaram com as de São Paulo. Dava ao todo umas 50 mulheres. Mais tarde, Prestes reconheceu que foram muito úteis na Coluna, não só para cozinhar. Elas combatiam com um heroísmo enorme. Uma delas, a gaúcha Santa Rosa, teve um filho pelo caminho, com o inimigo vindo atrás. Não dava para parar. Então, ela teve o filho, montou o cavalo e continuou a marcha.

Qual lição Prestes tirou dessa marcha?
A lição principal foi ter conhecido a situação do povo brasileiro. Ele era engenheiro militar, chegou a capitão do Exército. Sempre dizia que eles, oficiais formados em escolas militares no Rio de Janeiro, ficaram profundamente impressionados com a miséria que existia no interior do Brasil. E ele chegou à conclusão de que o programa liberal dos tenentes não iria resolver nada. Que o problema era social, muito mais grave.

Como ele analisava a situação?
Na época, ele não tinha a menor noção de marxismo, comunismo, nada disso. Politicamente, esses militares eram muito atrasados. Cheios de boas intenções, mas conhecimento, que é bom, muito pouco. Ele sempre sublinhava isso. Quando eles se internaram na Bolívia, em fevereiro de 1927, estava havendo uma certa abertura democrática no Brasil. O estado de sítio e a censura à imprensa tinham sido levantados.

O que aconteceu?
Jornalistas dos principais jornais do Brasil foram a Gaiba, na Bolívia, onde estava a Coluna. Eles fizeram reportagens imensas. Um dos jornalistas levou os primeiros livros marxistas para Prestes. As condições eram muito adversas para o estudo. Eles trabalhavam de sol a sol, abrindo estrada de rodagem. Meu pai morava em uma espécie de cabana, construída por ele mesmo. À noite, começou a ler alguma coisa. Depois, esteve na Bolívia Astrogildo Pereira, o secretário-geral do PCB.

É quando Prestes vira comunista?
Não. Foi só uma conversa amistosa, sem maiores compromissos. Prestes tinha muito interesse sobre a União Soviética, que era um negócio muito misterioso. Astrogildo Pereira tinha estado lá, contou muita coisa. E levou uma maleta de livros marxistas para ele. Prestes ficou ainda mais um ano na Bolívia, para ganhar dinheiro e assegurar a volta dos soldados para casa. Só depois é que ele foi para o exílio em Buenos Aires.

Já era chamado de Cavaleiro da Esperança?
Ele estava na miséria, mas com muito prestígio. E começou a ser chamado de Cavaleiro da Esperança. Uma quantidade enorme de políticos brasileiros foi a Buenos Aires para tentar conquistá-lo para a Aliança Liberal. Ele ficou cercado por essa gente, mas tinha que trabalhar para sobreviver. Ao mesmo tempo, estudava marxismo. Em Buenos Aires ficava o bureau sul-americano da Internacional Comunista.

Ele mantinha vínculos com os comunistas brasileiros?
Pelo contrário. Os comunistas dessa época eram muito sectários. Achavam que ele era um líder pequeno burguês. Estavam no período do chamado obreirismo. Até Astrogildo Pereira, fundador do partido, tinha sido afastado, porque era intelectual. Isso só vai mudar em 1934. Ainda assim, em Buenos Aires, desde 1929 Prestes fazia todo um esforço para conquistar seus companheiros tenentes para as posições comunistas. Sem sucesso. Eles aderiram à Aliança Liberal e deixaram passar a ideia de que Prestes também apoiava o movimento. Como naquela época não existiam os meios de comunicação de hoje, Prestes ficou falando sozinho em Buenos Aires.

Ficou por isso mesmo?
Em maio de 1930, ele convocou as principais lideranças tenentistas para Buenos Aires, para informar que lançaria um manifesto assumindo posições comunistas. Ninguém aceitou. Os tenentes tentaram convencê-lo a aderir ao movimento mais tarde conhecido como Revolução de 1930. Naquele momento, o poder foi oferecido a Prestes de bandeja. Na época, ele era a maior liderança do País. Poderia ocupar o lugar de Getúlio, que não tinha tanto prestígio naquele tempo. Só vai adquirir depois. Mas Prestes entendeu que não havia um movimento popular organizado para lhe dar sustentação e que ele teria de fazer a política das oligarquias. Até hoje grande parte dos historiadores não entende isso. Prestes cometeu erros na vida, que ele mesmo reconheceu, mas isso foi acertado.

Quais erros ele reconhecia?
Erros cometidos à frente do partido, como em 1935. Ele reconhecia que na época consideraram erradamente que havia uma situação revolucionária no Brasil. Houve erros, mas houve acertos também. Foi importante criar a Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter 100 mil pessoas inscritas, e lutar contra o fascismo, o integralismo, o imperialismo e o latifúndio. As bandeiras eram essas. Não eram bandeiras comunistas. Eram de liberdades democráticas, progressistas.

No livro, a responsabilidade sobre os erros de 1935 recai sobre Miranda (codinome de Antônio Maciel Bonfim).
Miranda foi altamente responsável. Ele era o secretário-geral do partido e convenceu os soviéticos de que havia condições para fazer uma revolução no Brasil. Ele informava errado o próprio Prestes, que estava fora do Brasil havia muitos anos. Depois do exílio em Buenos Aires, Prestes ficou no Uruguai, onde havia o bureau latino-americano da Internacional Comunista. Em Montevidéu, foi convidado para ir para Moscou, como engenheiro, mas com a possibilidade de aprofundar os estudos do marxismo. Enfim, no final de 1934, quando sua volta ao Brasil é decidida, ele estava muito mal informado. Tinha saído do País em 1927, sendo que nos três anos anteriores esteve embrenhado no mato, com a Coluna.

Ele confiou então nos informes de Miranda?
Pelos relatos de Miranda, o Brasil estava às vésperas de uma revolução. Trabalhei em uma documentação interessante, as atas de uma conferência dos partidos comunistas latino-americanos realizada em Moscou em outubro de 1934. Nessas reuniões, as informações que Miranda deu são incríveis. Disse que bastaria uma palavra de Prestes para que as tropas do Exército brasileiro se levantassem e apoiassem a revolução. Um negócio totalmente sem sentido. Naquela época, os comunistas acreditavam muito no secretário-geral. Era algo assim mitológico.

Quem era Miranda?
Ele era sargento do Exército e tinha sido professor na Bahia. Falava muito bem francês. Parece que tinha facilidade para aprender línguas. Em Moscou ele impressionou por causa disso. Dimitri Manuilski, o chefe da Internacional, falava francês.

Prestes também.
Naquela época, estudava-se francês. Prestes e dona Leocadia eram pessoas cultas, que tinham estudado francês desde a infância. O Miranda não sei onde ele estudou, mas ele falava bem. Isso impressionou. E tinha cara dura para contar todas aquelas mentiras. Então a responsabilidade dele foi muito grande. Havia ainda um agravante. Prestes teve que vir clandestino para o Brasil, porque havia uma ordem de prisão preventiva contra ele. Ele voltou para o País, mas ficou muito isolado.

Ele tinha mais contato com os estrangeiros, que vieram preparar…
Vieram ajudar. Não vieram preparar. Vieram o quê? Uns dez comunistas estrangeiros para dar apoio. Todo mundo pensando que havia aquelas condições que o Miranda tinha descrito. Mas não havia tais condições. Naquele início dos anos 1930, tinha ocorrido uma reestruturação do Exército, dirigida pelo general Góes Monteiro. O Exército era outro.

Como Miranda chegou a secretário-geral?
Como sargento, ele tinha participado de vários movimentos. Esteve preso no início dos anos 1930. Antes de 1935, participou de um curso de marxismo dado no Brasil por uma dirigente russa conhecida como Inês Guralski. Pelo visto, era muito bom de bico, pois se destacou nesse curso e acabou sendo eleito secretário-geral. Naquela época, o partido era muito limitado, muito atrasado. Depois de 1935, ele foi preso, falou muito na prisão e se desmoralizou bastante. Também foi muito torturado.

Em algum momento, Prestes reviu a ordem de justiçamento de Elvira Caloni, a Garota, a namorada de Miranda?
Na época, ele negou peremptoriamente, embora existissem cartas assinadas por ele nesse sentido. Em 1940, quando foi instaurado um processo sobre a morte dela, ele continuou negando. Hoje, passados tantos anos, vendo as cartas, a gente sabe que são verdadeiras. E foi um erro. Foi um erro não só dele. Foi um erro do partido.

Ele chegou a conversar com você sobre isso?
Conversamos algumas vezes. Ele considerava que tinha sido errado. Sem dúvida que foi errado, mas naquele momento era a guerra. E ele tinha a experiência da Coluna. Ela estava traindo, fazendo o trabalho do inimigo. Se era traidora, estava prejudicando.

Havia um espião no próprio grupo organizado pela Internacional Comunista.
Teve o famoso Gruber (Franz Paul Gruber, codinome do alemão Joahnn de Graaf). Um cara super-hábil, especialista em explosivo, com curso na União Soviética. Foi ele que colocou o explosivos no cofre que tinha na casa de meu pai, que explodiria se alguém mexesse. Mas o cofre não explodiu. É evidente que Gruber sabotou. Mais do que isso, ele passava informação, por meio da empresa Light, que chegava a Getúlio. Trabalhava para o Intelligence Service, o Serviço Secreto da Inglaterra. É uma história rocambolesca, mas hoje em dia está mais do que provado que ele era espião.

Dez anos depois do levante, Prestes apoiou Getúlio. Como ele pôde apoiar um regime tão cruel, que torturou, que mandou Olga para a Alemanha nazista?
Essa história é mal contada. Não foi quando ele saiu da prisão, em 1945. Foram vários anos antes, quando Getúlio e alguns assessores perceberam que os acontecimentos não marchavam para a vitória do nazifascismo, como eles pensavam no início. Getúlio começou então a promover uma certa abertura dentro do próprio Estado Novo. A situação mundial estava mudando, havia uma pressão muito grande do governo americano para que o Brasil se afastasse da Alemanha. Havia também um movimento popular muito forte a favor da luta contra o nazifascismo. Os comunistas participaram ativamente desse movimento. Na medida em que Getúlio Vargas tomou medidas nesse sentido, Prestes achou importante apoiá-lo. Essa foi a posição.

Houve um acordo?
Não. Nenhum documento assinado. Prestes nunca apertou a mão de Getúlio. Nada disso. A posição dele não era pessoal. Muitas vezes, eu ouvi Prestes dizer que, se fosse do ponto de vista pessoal, ele sairia da prisão para dar um tiro em Getúlio. Mas ele era um dirigente político. Em 1943, ainda preso, tinha sido eleito secretário-geral do partido. Precisou tomar uma posição política. Não se tratava de perdoar Vargas. Existe uma foto de 1947, muito explorada pela direita, em que os dois estão no mesmo palanque. Isso porque os partidos que lideravam apoiavam um determinado candidato. Os dois estiveram no mesmo palanque, mas não se falaram.

O fato de você ser filha dele ajudou ou dificultou ao fazer a biografia?
Não sei. Muita gente vai dizer que é obra da filha elogiando o pai. Paciência. Tenho de correr o risco. Não afirmo nada nesse livro que não esteja calcado em documentos. Por outro lado, o fato de ser filha facilitou porque tive uma fonte à disposição durante um período muito grande de minha vida. Cheguei a conhecer bem o pensamento dele, a maneira de ele agir.



Você se considera uma guardiã do legado de Prestes?
Dizer guardiã é meio exagerado, mas tenho uma certa responsabilidade de contribuir para isso. Outros companheiros também trabalham nessa direção. Não estou sozinha, mas acho que tenho essa responsabilidade.

Na adolescência, você estudou em Moscou. Por quê?
O partido achou que eu corria muito risco aqui. Saí daqui no final de 1950. Era época da Guerra Fria, governo Dutra, muitos comunistas sendo presos, assassinados. Havia ameaças. A mim não me diziam, mas minhas tias recebiam cartas anônimas com ameaças. Então o partido achou melhor eu ir para a União Soviética. Cheguei lá com 14 anos.

Só quando voltou, com quase 21 anos, você ficou sabendo que Prestes tinha se casado, tinha outra família. Como foi?
Nem eu nem minhas tias sabíamos. Prestes contava tudo, dentro das possibilidades, mas ele estava clandestino. Essa família era clandestina. Estava em um aparelho do partido. Então, não era conveniente falar, ainda mais por carta. Quando cheguei, ele apresentou essa família, mas, lamentavelmente, dona Maria, desde o primeiro dia, foi extremamente hostil em relação a mim e às minhas tias.

Por isso você não se relaciona com seus sete irmãos?
Aconteceram muitas coisas. Meu pai nunca quis voltar para o Exército. Nem quando estava doente, no final da vida. A situação financeira era difícil, mas ele jamais aceitou. Jamais. Depois que ele morreu, dona Maria pediu para ele ser promovido. E o Exército fez uma manobra muito interessante, uma maneira de integrar o Prestes no sistema.

Qual?
Ele foi promovido post mortem a coronel. O general da Coluna foi promovido a coronel de pijama. Resultado: pensão para a mulher e as filhas mulheres. Um belo dia eu recebi uma convocação, pois tinha direito a uma parte desses proventos. Fiz uma declaração dizendo que eu não aceitava de jeito nenhum. Mais adiante, acho que já em 2004, ela recorreu para ele ser promovido a general. Deram a pensão de general. Ele seria furiosamente contra. Depois, publicaram na capa de uma revista de História uma foto dele de calção de banho. Quando ia à praia, ele colocava calção de banho. Mas era um homem extremamente contido, não aceitaria de maneira nenhuma aparecer de público de calção de banho.

Você também não aceita? Aquela foto é tão bonita.
Prestes seria totalmente contra. Eu me lembro como ele ficou indignado com Figueiredo (o ex-presidente João Figueiredo), que apareceu no jornal de calção e sem camisa. Ficou indignado: “Esse homem nu”. Ele não ficava em casa sem camisa de jeito nenhum.

Há quem diga que você é que é intransigente.
Eu sou intransigente com o que acho errado. Ele era uma pessoa que prezava muito a privacidade. Tem de respeitar. Não sou contra colocar maiô, mas tudo tem hora.

Voltando à política, em 1964, o partido estava forte. Por que não apresentou nenhuma reação ao golpe?
Forte não era. Tinha lideranças sindicais. Não tinha capacidade para organizar as forças sociais e políticas para dar apoio a Jango e às reformas de base. E não tinha sustentação para apoiá-lo na hora do golpe da direita. Não havia golpe de esquerda. A única coisa razoável a ser feita era recuar. Foi o que se fez. Senão seria uma matança generalizada. 


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Uma oportunidade única em meio a uma conjuntura muito difícil

Por Marcelo Badaró Mattos


O segundo turno das eleições municipais do Rio de Janeiro está exemplificando com uma riqueza incrível a complexidade das contradições postas pela relação entre disputa político eleitoral nos marcos da democracia representativa e a dinâmica da luta de classes no plano nacional.

O quadro geral das eleições municipais no país não deixa muita margem para dúvida: derrota profunda do PT; crescimento do espaço político da direita conservadora; ampliação (embora ainda limitada) do peso eleitoral dos fascistas e aspirantes a tal; pequeníssimo espaço para a esquerda socialista (aqui entendida como a oposição de esquerda aos governos do PT e aliados). Em suma, avanço conservador e pontos para a coalização golpista que assumiu o governo federal.

No que diz respeito ao pequeníssimo espaço aberto pela esquerda socialista, a disputa mais decisiva – pelo peso no quadro nacional da antiga capital e pelo que está ali em disputa – é a do Rio de Janeiro, em que Marcelo Freixo/Luciana Boiteux, do PSOL, enfrentam o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e senador pelo PRB Marcelo Crivella, tendo por vice um indicado do ex-governador Garotinho, Fernando Mac Dowell (PR).

Embora as pesquisas eleitorais ainda apontem vantagem para Crivella, a tendência de sua candidatura é de queda, enquanto Freixo experimenta crescimento nas intenções de voto. O mais significativo é que, embora Crivella represente nitidamente a alternativa conservadora, que predominou no cenário eleitoral nacional e Freixo seja o representante da exceção – uma candidatura de esquerda na disputa – os principais porta-vozes das classes dominantes partiram para o ataque contra Crivella e ameaçam seriamente sua vitória eleitoral.

Diante da crise vivida pela maior parte dos conglomerados de mídia no Brasil, as empresas da família Roberto Marinho tendem a reinar absolutas e a ampliar sua fatia monopolista no mercado das comunicações nacionais. Há apenas uma concorrente séria em expansão nesse setor. Trata-se justamente da rede de empresas de comunicação ligadas a Edir Macedo, tio de Crivella e “sócio majoritário” da Universal. Por isso mesmo, ter à frente da cidade sede do conglomerado Globo um representante direto da concorrente mais ameaçadora é intolerável para o grupo dos Marinho. Seu ataque à candidatura Crivella tem um sentido claro de disputa de mercado entre grandes conglomerados capitalistas, sendo o Estado – nas suas várias dimensões institucionais – um instrumento fundamental para a garantia de lucros num setor fortemente atrelado às verbas publicitárias oficiais e às regras legais que disciplinam a concessão pública no setor. No caso da prefeitura do Rio de Janeiro, a questão é ainda mais séria, pois o acordo entre os Marinho e a máfia pemedebista que comandou estado e município no último período é bem mais amplo, envolvendo por exemplo o controle de aparelhos culturais (os novos museus da cidade) e o fornecimento de pacotes educacionais para a rede pública de educação.[1] Negócios bilionários estão em jogo.

O veto a Crivella pela Globo não representa exatamente um apoio a Freixo, embora possa ser entendido como uma recomendação de “voto útil”. Afinal, não pode restar qualquer dúvida de que, caso seja eleito, Freixo será alvo – desde o primeiro minuto após o anúncio do resultado das urnas – da mais dura campanha de oposição pública pelos veículos dos Marinho. Isso independe dele, de seus discursos ou de suas propostas, mas será decorrência direta do que representa uma vitória de esquerda socialista no Rio de Janeiro na atual conjuntura nacional. Nesse caso, estaríamos diante de uma ameaça aos negócios – menor, pois pela via de uma possível revisão de contratos, mas sem a gestão direta de um concorrente à frente da prefeitura -, assim como de um possível enclave de esquerda que tenderá a fortalecer as resistências ao projeto nacional maior das classes dominantes, com o qual as organizações Globo estão afinadas.

Neste fim de semana, o Grupo Abril/Civita se somou à Globo para tentar desmontar Crivella, através da revista Veja, veículo de (des)informação mais paradigmático do pensamento conservador no Brasil. Comportando-se os Civita, quase sempre, como porta-vozes do tucanato paulista, temos a certeza de que uma capa da Veja contra Crivella representa um posicionamento político de dimensões nacionais. Na semana em que Cunha foi encarcerado por Moro (por sinal, dividindo com Crivella a(s) capa(s) da revista), Veja indica que o PSDB se prepara para ampliar seu papel no governo federal e não tem interesse em ver fortalecido qualquer projeto de poder (o da Universal, assim como o do PMDB) daqueles a quem quer destinar o papel de coadjuvantes.

Enquanto isso, a arquidiocese do Rio de Janeiro orienta os párocos a instruírem seus “fiéis”, nas missas e demais cerimônias religiosas, a não votarem nos que se apresentam como rivais da Igreja católica. Se os bispos da Universal e os prelados de Roma podem ser aliados eventuais – como na defesa do ensino religioso confessional nas escolas públicas e em pautas conservadoras no congresso nacional – também nesse caso a disputa entre instituições religiosas que concorrem pelos mesmos fiéis havia de prevalecer na orientação da cúpula católica.[2]

Tendo em vista uma perspectiva de classe mais geral para orientar a análise, o segundo turno das eleições municipais do Rio de Janeiro entre Crivella e Freixo – PRB e PSOL – é um resultado claramente desfavorável em meio a um quadro geral de vitória eleitoral da classe dominante. Não é preciso gastar muita tinta, ou caracteres, para explicar porque não interessa à minoria dominante a vitória de um candidato à esquerda no quadro atual. Já Crivella, que nos sermões/discursos agora amplamente divulgados nas redes sociais assume explicitamente o projeto de poder da Universal, é um incômodo, por representar o aliado subalterno que ameaça elevar-se a um primeiro plano. Se o discurso pró-empreendedorismo, a valorização da nova “meritocracia” (refratária até mesmo à lógica liberal tradicional da equidade nas oportunidades)  e o apelo à paz social, inerentes à pregação neopentecostal entre a classe trabalhadora, são instrumentais à lógica da dominação de classes, o protagonismo político dos representantes diretos da igreja parece ser algo além do tolerável. Afinal, vivemos um período em que os mediadores da paz social com representatividade de base efetiva nos grupos sociais subalternos – como o PT – estão sendo descartados em nome do exercício direto do poder de classe pelos “legítimos representantes” burgueses.

Em resumo, o quadro do Rio de Janeiro neste segundo turno das eleições municipais é nacionalmente indigesto para o projeto político dominante e, por isso mesmo, eivado de contradições que, positivamente do ponto de vista dos que se alinham ao projeto socialista, abrem possibilidades de avanço, em meio a uma conjuntura geral de muitas dificuldades.

Assim, na medida mesmo em que crescem as chances concretas de vitória eleitoral da chapa Freixo/Luciana, cresce também a responsabilidade do PSOL e seus aliados em posicionar-se frente aos desafios que se apresentam.

Em 02 de outubro, a passagem de Freixo ao segundo turno foi conquistada por uma campanha alimentada pelas formas organizativas, movimentos e forças sociais que efetivamente se posicionaram à esquerda das representações políticas dominantes no Rio de Janeiro (a velha direita representada pelo PMDB) e daqueles que durante mais de uma década estiveram ao seu lado nos governos estadual e municipal (o PT e seus aliados do PCdoB, em seu esforço para representarem os interesses dominantes).

Uma vitória no segundo turno dependerá de votos que estão distantes da convicção política de esquerda que caracterizava os cerca de 20% de eleitores que respaldaram Freixo/Luciana na primeira rodada. Parte desses votos pode vir de um trabalho militante de convencimento e esclarecimento do eleitorado, agora que os dois candidatos têm o mesmo espaço no horário eleitoral gratuito e tendo em vista que a militância de esquerda pode chegar (e tem chegado) a espaços mais amplos, avançando sobre uma parcela dos muitos votos nulos e brancos do primeiro turno. Mesmo assim, a maioria de votos válidos só será conquistada se a rejeição a Crivella empurrar uma parcela dos votos conservadores para o voto nulo e convencer um outro setor de que Freixo é a alternativa de “voto útil” contra o projeto de poder da Universal.

Na última semana da campanha eleitoral, o que se coloca é a possibilidade concreta de uma vitória da esquerda, a partir de uma base sólida (porém minoritária em termos de votos) construída nas lutas de resistência da classe trabalhadora, combinada a fissuras localizadas do projeto nacional da classe dominante brasileira. A questão central é: diante dessa possibilidade, como atuar? Maneirar no discurso de esquerda e assumir compromissos com o “ajuste fiscal” para tentar ganhar confiança de setores da classe dominante que possam influenciar o eleitorado conservador, ou manter o tom de autonomia e o posicionamento de classe (que marcou a campanha até aqui)?

A resposta depende da convicção de princípios, mas também demanda uma análise mais ampla da política nacional. Não há espaço hoje para a tentativa de substituir o PT por uma outra alternativa – mesmo mais séria, ou honesta – de conciliação de classes. E não há espaço porque as classes dominantes já se decidiram a dispensar o PT e a política de conciliação de classes, ao menos na conjuntura atual, optando por aplicar a receita da “austeridade” de forma direta contra a classe trabalhadora. Por outro lado, para disputar a base eleitoral do PT pela esquerda, é preciso se diferenciar justamente do discurso de Crivella, de que vai “cuidar do povo”.

Na prática de uma gestão municipal, por outro lado, os limites para uma política de esquerda que se proponha a atuar nos marcos legais definidos (como é o caso) são muito rígidos, em decorrência da conjuntura de crise econômica, cujo impacto local se agrava com a lei de responsabilidade fiscal (Lei Complementar No 101/2000), em processo de radicalização pelo projeto de lei apresentado por Dilma (inicialmente numerado como PL 257), aprovado pela Câmara e aguardando votação no Senado. A aprovação da PEC 241 agravará ainda mais o quadro.

Garantir a execução de um programa como o de Freixo/Luciana, que propõe ampliar os investimentos em educação e saúde públicas (incluindo concursos e planos de carreira para os servidores) e estabelecer controles mais rígidos sobre os lucros abusivos do transporte coletivo e da especulação imobiliária, significará enfrentar-se com interesses de classe poderosos e incrustados no governo municipal (como os dos Marinho na Educação e Cultura, os dos empreiteiros da “cidade olímpica” e os da turma do Barata nas empresas de transporte). Diante do quadro federal de ajuste fiscal como resposta (e agravante) da crise, isso só será viável com uma política tributária que institua a progressividade no imposto sobre a propriedade urbana e através de uma revisão dos contratos e isenções fiscais que resguarde de fato o interesse público.

Também desse ponto de vista, a conjuntura não dá margem para acordos pontuais com frações da classe dominante. Um mandato municipal só viabilizará um programa de esquerda, mesmo que moderado, enfrentando-se contra interesses dominantes que estão fortemente alicerçados no aparato do Estado – em agências do governo, na Câmara dos vereadores, etc. – e serão defendidos com vigor pelas grandes empresas de comunicação. Para tanto precisará do apoio contínuo daqueles movimentos, organizações e militantes que, nos dois turnos, foram às ruas conquistar votos para Freixo.

Diante da ameaça de retrocesso representada por Crivella, a eleição de Freixo/Luciana será, sob qualquer condições, uma vitória indiscutível. A oportunidade, porém, é mais ampla: é possível uma vitória política, em que a candidatura socialista ganhe o mandato municipal mantendo a coerência programática, sem qualquer concessão aos representantes dos dominantes, que afinal de contas lhe farão oposição de todo modo.

Há uma frase de Freixo que diz muito sobre o drama atual: “Quem diz que governa para todo mundo mente para alguém”. Precisamos e podemos realmente vencer. Está nas nossas mãos definir de que jeito vai ser.

[1]
                [1] Ver a esse respeito o elucidativo relatório sobre os contratos entre a prefeitura e a Fundação Roberto Marinho no último período, “Quem são os donos da educação e da cultura no Rio de Janeiro”, 2016. Disponível em http://www.coronelismoeletronico.com.br/wp-content/uploads/2016/02/relatórioFRMFINAL-8.pdf, último acesso em 21/10/2016.

[2]
                [2] Por óbvio que tanto setores progressistas do clero católico e das denominações protestantes quanto parte significativa dos adeptos das igrejas cristãs se posicionam politicamente e votam a partir de outros critérios que não as recomendações dos eclesiásticos.

FONTE: NOS (Nova Organização Socialista)

Para o MPRJ, isenções fiscais são a causa do caos financeiro no Estado do Rio

Por Nelson Lima Neto

A política de conceder isenções fiscais a empresas e produtos para atrair investimentos é, segundo o Ministério Público (MP) estadual, o fator chave para a crise vivida pelo Estado do Rio. Ontem, o promotor Vinícius Leal Cavallero detalhou a ação civil pública do órgão contra o governo. Para ele, o caos instalado tem um culpado.

— Hoje, pelo que vimos ao analisarmos os dados a respeito das isenções (já concedidas), é certo afirmar que a política de benefícios fiscais é a causadora da crise no Rio de Janeiro. Se o governo do estado não tem condições de pagar seus servidores, colocar remédio nos hospitais ou dar segurança de qualidade, a culpa é da isenções — cravou o promotor.

A ação civil pública assinada por Vinícius e por outros três promotores foi aceita pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). A partir de agora, o governo terá 60 dias para enviar todos os dados a respeito das isenções. Com esses números em mãos, o MP vai identificar equívocos.

— Na nossa visão, não são poucas as irregularidades. Há diferenças sobre números fornecidos pelas empresas e pelo próprio governo. Além disso, há áreas que ganharam benefícios altamente questionáveis — disse Vinícius.

O promotor aproveitou para apontar algumas das suspeitas de irregularidade.

— O preceito para se conceder um benefício são os retornos social e econômico. Quando se oferece uma isenção a termas, por exemplo, é algo a ser questionado — lembrou o promotor, ao se referir às termas Montecarlo e Solarium.

O governo do estado divulgou uma posição em que defendeu a política de isenções fiscais por “descentralizar e diversificar a economia do estado, além da geração de emprego e renda”. Ainda segundo o governo, entre 2010 e 2015, as isenções foram de R$ 33,2 bilhões. O Estado do Rio vai recorrer da decisão.

FONTE: Jornal Extra, 28/10/2016

Não há imperialismo menos mau, todos significam exploração, rapina, saque, guerra, morte

Entrevista especial com Pavel Blanco, Primeiro Secretario do Partido Comunista de México, para a internationalcommunist press 

Versión en español: "No hay imperialismo menos malo, todos significan explotación, rapiña, saqueo, guerra, muerte", entrevista especial con Pavel Blanco, Secretario General de Partido Comunista de México. ICP, 20 de Augosto 2016(http://icp.sol.org.tr/node/287)

Por internationalcommunist press

Importante entrevista do 1º Secretário do PCM, em que aborda as difíceis condições de luta no seu país - incluindo a violência paramilitar - a situação dos trabalhadores mexicanos nos EUA, o carácter inseparável da luta antimonopolista e anti-imperialista, o esforço de, dia a dia, construir o partido revolucionário.

CP: Nos últimos anos a violência no México, seja a relacionada com os grupos narcotraficantes ou seja a que parte da clara actividade paramilitar, contra as forças, organizações e pessoas progressistas e sobretudo comunistas, vem aumentando de forma óbvia. O seu Partido, o PCM, sofreu também ataques por parte destas forças paramilitares; quais são as causas objectivas desta onda de violência e quais são e serão as consequências desta situação no quadro da luta de classes na perspectiva da classe operária? E ainda, qual é a relação desta situação com o imperialismo estado-unidense, que nunca deixou de marcar presença no México?

Pavel Blanco: Em primeiro lugar uma saudação muito fraterna a este meio informativo do Partido Comunista de Turquia, com o qual estamos irmanados e com quem compartilhamos trincheiras comuns para o reagrupamento revolucionário do movimento comunista internacional. Aproveitamos para reiterar a nossa solidariedade face aos acontecimentos políticos que convulsionam a luta de classes nesse país.
No México pode demonstrar-se literalmente aquilo que Marx exprimia acerca do capitalismo jorrar lodo e sangue por todos os seus poros. A onda de violência que nos atinge, com mais de 200.000 mortos em 10 anos, não é uma falha do sistema mas a consequência lógica do capitalismo que é barbárie, terror, incerteza, fome, morte. A chamada guerra do narcotráfico, na qual o Estado mexicano está directamente envolvido, é um processo de rearrumação de mercados, rotas, parceiros, para o controlo desse negócio, que além do mais se branqueia rapidamente com os investimentos financeiros, imobiliários e também produtivos, e referimo-nos não só à agro-indústria, mas também a ramos como a metalomecânica, a siderurgia, e a indústria extractiva. É pois um processo de ampliação da acumulação, um novo ramo da economia que tem rapidamente reflexos na política, com dinheiros que compram partidos, candidatos, ou funcionários já eleitos, presidentes de municípios, deputados, senadores, governadores, e que influem fortemente na Presidência da República.
E nesta direcção é necessário semear o terror, desmobilizar, imobilizar, para evitar qualquer possibilidade de protesto e oposição ao desapossamento de terras e territórios, evitar a organização sindical ou popular para impedir os processos de sobreexploração.
E muito significativo que seja impulsionado um deslocamento de população que dizima cidades como Ciudad Juárez ou deixa desertos povoados e territórios, como em Tamaulipas e, paradoxalmente, depois de os habitantes terem sido expulsos e terem arrematado as suas habitações e terrenos, nessas zonas terem sido encontrados novos poços petrolíferos ou zonas mineiras.
As organizações populares sofrem tal terrorismo de Estado, como o sofrem as expressões classistas dos trabalhadores da educação, a Federación de Estudiantes Campesinos Socialista de México (à qual pertencem os 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa) e evidentemente o PCM, já que cinco camaradas, entre os quais Raymundo Velázquez que era o Secretario Político nessa região, foram assassinados em Guerrero por se oporem à presença de mineiras canadianas, ou o camarada Enrique López, membro do nosso Comité Central, actualmente desaparecido em Tamaulipas; além de vários presos, bem como camaradas sujeitos a processos judiciais. Queremos esclarecer que consideramos isto como consequência de ter uma posição específica na luta de classes, ou seja de lutar pela Revolução, porque só aqueles que não fazem nada estão fora da possibilidade de sofrer golpes.
É verdade que o centro imperialista norte-americano tem grandes interesses, e que foi quem promoveu desde finais dos anos 70 as operações do narco no México, em concertação com grupos colombianos, para financiar a luta contra a insurgência em Nicarágua e outros países da América Central, isso não é segredo, mas também há que sublinhar a presença de capitais chineses, que se apropriaram do importante porto de Lázaro Cárdenas Michoacán, onde é conhecido que intercambiam aço por químicos necessários para o processamento da matéria-prima em droga.
Queremos deter-nos nesta questão que é teórica e prática: no México, e poderíamos assegurar que em quase toda a América Latina, identifica-se o imperialismo com o imperialismo norte-americano, o que gera graves problemas estratégicos e erros políticos constantes. No PCM fazemos a avaliação de que o imperialismo é a fase actual do capitalismo e que se caracteriza por ser um capitalismo dos monopólios, o que significa que para nós o imperialismo não é apenas algo exterior, mas também interior. Fala-se do imperialismo norte-americano e esquece-se o combate contra o centro imperialista da UE, ou contra o acordo inter-imperialista que Rússia e China articulam, e chega-se a ver com simpatia outros acordos inter-estatais entre economias capitalistas, como o MERCOSUR. Para nós a luta anti-imperialista não é anti norte americanismo, mas antimonopolismo, e passa por confrontar os monopólios do nosso país e qualquer centro imperialista, não há imperialismo menos mau, todos significam exploração, rapina, saque, guerra, morte.

ICP: Há milhões de cidadãos do México e descendentes de Mexicanos nos Estados unidos, a sua imensa maioria é parte da classe trabalhadora do referido país. Os Estados Unidos nunca foram um exemplo de integração e aceitação mas nos últimos anos a xenofobia aumenta de forma importante nos Estados Unidos, e os Mexicanos como maior grupo imigrante dos Estados Unidos encontram-se sob uma forte repressão. Que opinião têm acerca da presença e papel dos trabalhadores Mexicanos na luta da classe operária nos EUA e do carácter de classe da xenofobia nos EUA?

PB: Há cerca de 20 milhões de trabalhadores mexicanos ou de origem mexicana nos EUA, e aumentam dia após dia e ano após ano; é nosso dever contribuir para a sua consciencialização e organização; durante o processo da Revolução democrático-burguesa do século anterior os trabalhadores mexicanos nos EUA foram um bastião da luta anti ditatorial que apoiava política e financeiramente as forças revolucionárias do nosso país; o fenómeno migratório disparou com a Segunda Guerra Mundial e, conforme a necessidade de mão de obra, a fronteira norte-americana e os mecanismos anti-imigrantes flexibilizam-se ou endurecem; de tempos a tempos recrudesce a xenofobia, o racismo, não só contra os trabalhadores de origem mexicana, mas contra os de todas as nacionalidades que por razões económicas arriscam a sua vida para aí procurar trabalho.
É um dever do PCM, que estamos a cumprir, lutar por organizar os trabalhadores mexicanos para apoiar o processo revolucionário no nosso país e também para intervir na luta de classes, pelos seus direitos e reivindicações juntamente com os trabalhadores norte-americanos e de outras nacionalidades que são explorados nos EUA. Isso passa por contar com estrutura partidária nas fronteiras, o que vamos avançando, e por começar a ter células do PCM entre os trabalhadores mexicanos nos EUA.
É claro que o carácter de classe do racismo é um dos pilares ideológicos da dominação imperialista, que ataca todos os trabalhadores.

ICP: Donald Trump já é oficialmente o candidato republicano às eleições presidenciais, é conhecido pela sua retórica anti imigração, anti operária e muito claramente racista, em particular em relação aos Mexicanos. O que é que espera os trabalhadores Mexicanos nos EUA se Donald Trump é eleito, e a mesma pergunta também para a classe operária nativa no México? 

PB: Ganhe a senhora Clinton, ou ganhe Trump, perdem os trabalhadores norte-americanos e os de outras nacionalidades que integram a mão de obra imigrante. Trump parece um espantalho que está destinado a expressar: “vote pelo mal menor, vote pelos democratas”; o que consideramos uma posição muito perigosa; democratas ou republicanos, os partidos burgueses dos EUA praticam uma política que é funcional para o imperialismo. Já vimos derrubar-se o mito de que era um sistema só para brancos, e a administração Obama revelou-se tão belicista, tão agressiva, que não tem nada a invejar ao seu predecessor Bush; estamos seguros que veremos derrubar-se o mito de que com uma mulher à frente dos EUA o mundo iria melhor: ilusões, puras ilusões.
Nem a Clinton, nem Trump, e lamentamos a equivocada política do PC dos EUA, que navega com a bandeira oportunista de escolher o mal menor. Qualquer que ganhe será um inimigo jurado dos trabalhadores dos EUA e dos povos do Mundo.

ICP: A violência e a repressão aumentam, mas também vemos que a resistência das forças progressistas e dos comunistas crescem igualmente em números e em força no México e que há um visível potencial revolucionário na realidade Mexicana. Quais são os desafios, as oportunidades e o potencial da política revolucionária no México?

PB: Assim é, a luta de classes intensifica-se, e o conflito socio classista está presente, é evidente. O antagonismo capital/trabalho marca os ritmos, sobretudo com as chamadas reformas estruturais que o Estado mexicano aplicou, consistindo em medidas para desvalorizar o trabalho e procurar a estabilidade do sistema a meio da crise económica.
Nós consideramos maduras as condições para um processo revolucionário, que segundo as nossas apreciações terá uma natureza anticapitalista, antimonopolista e pelo socialismo-comunismo. Consideramos que é de momento um grande obstáculo o desencontro entre as bases objectivas, os limites do capitalismo e as condições subjectivas que estão em atraso; por isso desde o V Congresso do PCM estamos a trabalhar em duas direcções para resolver esta questão: construir um forte movimento operário e sindical classista e o próprio desenvolvimento partidário nas principais zonas estratégicas da economia.
Estamos conscientes de que sem um partido comunista forte nenhum processo revolucionário terá possibilidades de triunfar.
Há outras forças revolucionárias ou anticapitalistas em México, mas nenhuma coloca o centro da sua actividade no proletariado; no PCM insistimos em que será a classe operária o epicentro da transformação revolucionaria, é essa a nossa vantagem.
Umas palavras sobre um ingrediente necessário dos processos revolucionários: a unidade. Nós não a vemos como a simples soma de organizações, mas como unidade de classe; para isso trabalhamos, lutando cada dia em cada local de trabalho.

FONTE: ODiario.Info

sábado, 22 de outubro de 2016

"Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro" indicado ao prêmio Jabuti 2016 na categoria biografia

Câmara Brasileira do Livro anuncia finalistas do prêmio Jabuti

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou na noite desta sexta-feira (21) os finalistas da 58ª edição do prêmio Jabuti, tradicional honraria brasileira de literatura. Ao todo, as 27 categorias da premiação receberam mais de 2.400 inscrições.

Entre os indicados deste ano está o nome da historiadora Anita Leocadia Prestes, concorrendo na categoria biografia com a obra Luiz Carlos Prestes; um comunista brasileiro (Boitempo Editorial).

A segunda fase do prêmio —que atribui notas às obras finalistas da primeira fase e escolhe os vencedores em primeiro, segundo e terceiro lugares em cada categoria— acontece no dia 11 de novembro. Os escolhidos serão laureados na cerimônia de premiação, em 24 de novembro, no Auditório Ibirapuera.

Indicado pelo conselho curador do prêmio, o júri do Jabuti é composto por Antonio Carlos de Morais Sartini, Marisa Lajolo, Luís Carlos de Menezes, Frederico Barbosa e Pedro Almeida.

A lista completa dos indicados está no site do Prêmio Jabuti


domingo, 16 de outubro de 2016

Entrevista com Roberto Leher: eleições, educação e universidade pública

O Blog JUNHO conversou com o professor Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que falou sobre a atual conjuntura política e os desafios da universidade pública.

Blog Junho – As eleições municipais, neste primeiro turno realizado em 02 de outubro, podem ser lidas de diversas formas. Alguns elementos a destacar: o retrocesso eleitoral do PT; a expressiva votação de candidatos de direita que flertam com o fascismo, como os filhos de Bolsonaro para prefeito e vereador; a vitória no primeiro turno dos representantes da coalizão dirigente no país nos anos 1990, em São Paulo e Salvador, com um crescimento da votação do PSDB pelo país; um percentual muito elevado de votos nulos e brancos pelo país, revelando uma crescente descrença da população no jogo político-institucional; em suma, apesar das diferentes leituras possíveis sobre esses indicadores, não parece ser um quadro muito animador. Como você o avalia?

Roberto Leher – É importante considerar o contexto da eleição, realizada apenas um mês após o impeachment de Dilma Rousseff, por meio de um processo claramente desvinculado do crime de responsabilidade, justificado, por muitos parlamentares, como uma manifestação em virtude do “conjunto da obra” do governo Dilma, algo não previsto na Constituição. É possível afirmar que, grosso modo, o bloco de poder em rearranjo foi exitoso. A coalizão que apoiou o afastamento conquistou a grande maioria dos votos e prefeituras. Isso não significa vitória pessoal ou apoio popular ao novo presidente (perto de 70% da população afirma que não confia). O PMDB foi derrotado flagrantemente em cidades que se manifestaram vivamente em prol do fim do governo Dilma, como o Rio de Janeiro e São Paulo, embora tenha mantido aproximadamente o mesmo – e expressivo – número de prefeituras de 2012.

O PSDB saiu fortalecido em São Paulo ao vencer a eleição no primeiro turno com um candidato empresário que se notabilizou por um programa de TV que submetia os perdedores ao bordão: “você está despedido!”, tendo ampliado significativamente as prefeituras. O DEM, com o neocarlismo, mostrou força em Salvador, embora tenha seguido em processo de desidratação, perdendo uma quantidade relevante de prefeituras no país. Novas agremiações que gravitam em torno da direita igualmente saíram fortalecidas, como o PSD. Do ponto de vista quantitativo, o maior derrotado foi o PT. Em relação a 2012 perdeu 10 milhões de votos e 242 prefeituras, tendo menos cidades do que o PSB, uma agremiação que atualmente virou força auxiliar de partidos de centro-direita e é parte da nova coalizão conservadora.

As eleições de 2016 serão conhecidas como as de maior absenteísmo. Não basta contabilizar somente o exame do número de prefeituras por partido para examinar com rigor o quadro político advindo das urnas. O movimento da direita contra tudo o que é público e, fazendo sua política contra a política (conforme a fórmula de Gramsci de que a pequena política pode ser uma forma da grande política), ganhou ressonância nos meios de comunicação populares, a exemplo do programa de rádio Band News com Ricardo Boechat. As manifestações de ódio no facebook, baseadas em mentiras toscas, têm como objetivo alimentar valores dessa direita profunda. Ademais, o desmonte da imagem do PT que, nos anos 1980 e 1990, recebeu crescente apoio de setores organizados da classe trabalhadora e, após as denúncias de corrupção e prisões de seus principais dirigentes, foi apresentado pela mídia como uma quadrilha (Petralhas) foi utilizado como o principal combustível dessa ofensiva contra a cultura e o envolvimento político organizado.

Toda essa operação provocou importante absenteísmo eleitoral. Cerca de 17% dos eleitores deixaram de comparecer às urnas no primeiro turno. Somando o não comparecimento com os votos brancos e nulos, o total de pessoas que recusou indicar o seu voto em algum dos candidatos supera o voto do primeiro e do segundo colocados em 22 grandes cidades, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda é preciso uma análise mais fina desse fenômeno, mas os primeiros indícios confirmam que foram os setores mais explorados e expropriados que deixaram de escolher candidatos, beneficiando, desse modo, o novo bloco de poder em sua ofensiva contra os direitos sociais.

É importante observar a votação para vereador. Em diversas cidades, extrema direita e esquerda socialista lideraram a lista dos mais votados, confirmando que as forças organizadas foram relevantes.

A extrema direita demonstra que ocorrem mudanças na sociedade civil muito preocupantes, associando fundamentalismo religioso e doutrinas que aprofundam politicamente o neoliberalismo exacerbado, o individualismo possessivo, a homofobia, o racismo e o irracionalismo, iniciativas que contaram com o apoio financeiro e ideológico de fundações nacionais e estrangeiras de direita. Isso com fortes imbricações na sociedade política, com ramificações no Executivo, no Legislativo (vide a composição da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados) e, de modo especialmente perigoso, no Judiciário, visto que setores deste poder atuam claramente como partido. E os setores dominantes tradicionais, representados pelos partidos da ordem, PSDB, PMDB, DEM etc., tiveram que se compor com essa nova direita, como foi possível constatar na votação do impeachment e nas votações de medidas que desmontam os direitos sociais no país, a exemplo da PEC 241/16, a mais destrutiva delas, junto com as contrarreformas trabalhista e da previdência.

Retomando a questão das maiores votações para vereadores. É certo que um dos Bolsonaros foi eleito o vereador mais votado do Rio de Janeiro, mas seguido de perto por Tarcísio de Carvalho e Marielle Franco do PSOL. Em Porto Alegre, Fernanda Melchionna do PSOL foi a mais votada e, em Belo Horizonte, Aurea Carolina, também do PSOL, foi igualmente a mais votada. Em São Paulo, a bancada feminina cresceu de 5 para 11 mulheres, sendo que duas são militantes feministas: Juliana Cardoso (PT) e Sâmia Bomfim (PSOL). O exame mais detido das votações nas capitais confirma que a esquerda social demonstrou vigor em frentes específicas, localizadas, agregando movimentos de hip-hop, a primavera feminista, movimentos sociais como o MST e o MTST, entre outros.

Blog Junho – Nas capitais, a esquerda passou ao segundo turno em Belém e no Rio de Janeiro, com as candidaturas do PSOL. O governo federal busca alterar a legislação para implantar a mais dura política de austeridade, sob o pseudônimo de “ajuste fiscal”. Se aprovadas, as medidas propostas significariam para os entes da federação: cortes nos orçamentos de educação e saúde, congelamento dos quadros de pessoal com a suspensão dos concursos públicos, transferência da gestão de serviços públicos para Organizações Sociais e outros entes privados e retirada de direitos dos servidores. Diante desse quadro, quais os principais desafios que prefeitos da esquerda socialista eventualmente eleitos teriam que enfrentar para, no seu âmbito (fundamentalmente o da escola fundamental), garantir políticas comprometidas com uma educação pública, gratuita, de qualidade, laica e referenciada nos interesses da maioria trabalhadora da população?

Roberto Leher – Excelente questão. A eleição de Freixo, no Rio, e de Edmilson, em Belém, conformam uma situação de evidente positividade para o país, visto que expressam perspectivas laicas, democráticas, solidárias que poderiam contribuir para reverter um quadro difícil para os trabalhadores e, podemos dizer, para uma civiltà democrática e comprometida com os valores socialistas da igualdade, da justiça social e do reconhecimento da plena humanidade de todas/os as/os que possuem um rosto humano. Significaria, também, a luminosidade de cidades que recusaram o conservadorismo arcaico, o sufocamento objetivo da laicidade, em virtude de alianças de candidatos com correntes religiosas cujos líderes se esmeram em difundir manifestações de ódio, como está ocorrendo no Rio de Janeiro.

O exercício da autonomia municipal, assegurada pela Constituição, terá de ser ousado e protagônico. O contexto geral do país será de desmonte dos pilares sociais assegurados pela Constituição, como a vinculação de verbas para educação e a saúde. Ou seja, os municípios serão atingidos por esse ajuste fiscal feroz pois as transferências constitucionais e do Fundeb serão fortemente golpeadas.

A despeito dessas adversidades, as políticas educacionais poderão manter viva a concepção de escola pública como espaço de liberdade, de cultura, de ciência e tecnologia livres de particularismos antirrepublicanos. Projetos como Escola Sem Partido serão recusados e as escolas municipais poderão seguir contando com a capacidade criativa de seus estudantes, técnicos e administrativos e professores. E a interlocução dialógica com os movimentos culturais, científicos poderá ser vibrante. Seria maravilhoso aprofundar a relação da universidade pública com o ensino fundamental. Seria, de fato, um processo muito apaixonante para todos aqueles dedicados à causa da educação pública, laica, democrática e capaz de desenvolver a imaginação criadora das/ dos estudantes. O mesmo poderia ser dito sobre a saúde pública.

Blog Junho – Que papel as Universidades Públicas podem cumprir para, na contramão da “onda conservadora”, resistir a esse quadro de ataques aos serviços públicos e colaborar com governos municipais comprometidos com a defesa da educação pública que eventualmente venham a ser eleitos?

Roberto Leher – As universidades públicas podem desempenhar um papel crucial em diversos domínios. A UFRJ, por exemplo, está constituindo um “Complexo de Formação de Professores” muito promissor, em que a pesquisa desenvolvida na instituição pode oxigenar os currículos em diálogo verdadeiro com as escolas, não como rua de mão única, mas como um lugar compartilhado de produção de conhecimento. Será decisivo para conceber a escola pública como um lugar de ciência, de arte, de tecnologia e de cultura. Não é possível formar professores como intelectuais produtores de cultura sem o ‘fazimento’ do ensino nas escolas.

Igualmente, seria possível redimensionar o Sistema Único de Saúde, tanto na formação de profissionais, como na organização de um verdadeiro sistema de saúde. Os hospitais universitários estão muito subdimensionados nas cidades. Não apenas seria possível integrar a alta complexidade com as redes municipais, ampliando transplantes etc., como poderíamos avançar na atualização dos preceitos da reforma sanitária, enfrentando as doenças negligenciadas. Isso fortaleceria sumamente as universidades e, também, o aparato de saúde municipal. As prefeituras poderiam ser suportes importantes para o desenvolvimento de insumos para o SUS, como o que pretendemos fazer com a Fiocruz, por meio de uma parceria já efetivada, articulando universidades e centros públicos de saúde. Recentemente, constituímos na UFRJ a rede Zika de pesquisa em arboviroses. Com boa ciência podemos ter boas políticas públicas de saúde. Podemos integrar pesquisa clínica e pesquisa básica, em benefício da população.

O mesmo pode ser dito sobre políticas urbanas, mobilidade, habitação, saneamento, agricultura, direitos humanos, meio ambiente, inclusive as consequências das mudanças climáticas globais, e cultura, abrindo espaços para iniciativas fora da indústria cultural. Nunca tivemos uma interação intensa da cidade com a universidade. Seria muito estimulante e promissora essa oportunidade. As universidades públicas desejam interagir com os problemas das cidades, pois isso contribuiria para a realização da função social das universidades: é preciso antecipar problemas futuros, pensar em soluções em diálogo com a sociedade, processos que resultariam no fortalecimento das próprias instituições. Que esse futuro seja forjado!


sábado, 15 de outubro de 2016

Anita Prestes na III Bienal do Livro de Brasília (Debate e lançamento do livro "Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro")

III Bienal do Livro de Brasília
Estádio Nacional Mané Garrincha
21 a 30 de outubro de 2016


dia 29/10 - 11h

Auditório Manoel de Barros | Piso 2
LANÇAMENTO DO LIVRO “Luiz Carlos Prestes: Um comunista brasileiro” (Boitempo Editorial) Anita Leocadia Prestes (RJ). Sessão de autógrafos após o debate.



quarta-feira, 12 de outubro de 2016

PEC condena país a "atraso intelectual de 20 anos", diz cientista da USP

Renomado cientista brasileiro, Paulo Artaxo, físico da USP e um dos cientistas mais influentes do mundo, vê futuro desolador para a área com a PEC 241

Gabriel Francisco Ribeiro
Do UOL, em São Paulo

Paulo Artaxo

A aprovação em primeiro turno na Câmara da PEC 241 (Proposta de Emenda à Constituição), que visa limitar gastos públicos em áreas como saúde e educação, gera preocupação também em renomados cientistas brasileiros. Para a classe, o projeto afetará a produção intelectual nacional.

Um dos críticos é Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP) e membro do painel climático da ONU que foi um dos três brasileiros presentes em lista da Reuters de 2015 dos cientistas mais influentes do mundo. Artaxo, que tem como campo de estudo a Amazônia e mudanças climáticas na região, diz que enxerga um futuro desolador para a ciência no Brasil em caso de aprovação da emenda.

A preocupação de Artaxo vai além. O pesquisador nacional lembra que a diminuição dos recursos é só um dos aspectos que envolve a PEC. O pior, para ele, é a filosofia do governo Temer para a área.

"É toda uma filosofia do atual governo de não valorizar a educação desde os níveis mais fundamentais, de não valorizar o desenvolvimento científico e tecnológico. Isto é uma questão estratégica e fundamental para o país que o atual governo não só não quer apoiar nos próximos anos como também está alterando a Constituição para um atraso nos próximos 20 anos. É muito sério para as gerações futuras", opina Artaxo.

Para o cientista, o Brasil conseguiu uma posição de liderança no cenário mundial em várias áreas da ciência graças aos investimentos feitos na última década, apesar de ter sofrido corte de verba nos últimos anos com a crise. Mas, para Artaxo, nada se compara com o que a PEC pode provocar - o físico está na Suécia em um novo projeto e diz que a emenda é criticada até por lá.

"Quando você congela o orçamento das universidades por 20 anos, obviamente vai ter um impacto muito negativo em todo o sistema educacional brasileiro. Não só nas universidades, mas também nelas. Universidades que estão em 2016 com problemas sérios para manter as atividades vão piorar muito mais", explica.

Antes da aprovação da PEC, a ABC (Academia Brasileira de Ciências) e a SBPC (Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência) encaminharam uma carta a todos os deputados em que pedem a manutenção de recursos para educação, ciência, tecnologia e inovação "em conformidade com as necessidades dessas áreas" e em que avisam que tirar recursos destas áreas não melhora a crise.

Quem segue a mesma tendência é Flávio Kapczinski, cientista brasileiro da área de psiquiatra e que está na pré-lista das mentes mais influentes de 2016 elaborada pela Reuters. Kapczinski prefere não avaliar a PEC por desconhecer o tamanho da redução, mas pede que recursos não sejam tirados. 

"O governo precisa manter um olhar bem atento para que não se desconstrua algo que se construiu a duras penas. O meu partido é o partido da ciência. Se houver redução, será preocupante. Espero que não ocorra diminuição nos orçamentos de ciência e tecnologia, que já estão em uma situação limite", diz. 

Nos últimos dias, a PEC já foi alvo de críticas de especialistas na área de saúde, outro setor sensível que será afetado pelo congelamento de gastos. Até mesmo o médico Drauzio Varella gravou vídeo criticando a emenda.

Entenda a PEC

A PEC propõe limitar o crescimento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. Na prática, a medida congela os gastos do governo, já que a reposição da inflação apenas mantém o mesmo poder de compra do Orçamento.

O principal objetivo da proposta é conter o avanço da dívida pública. A ideia é que ao arrecadar, com impostos, mais do que gasta, o governo consiga reduzir o total da dívida.

A equipe econômica do governo também aposta na provação da medida como uma forma de reconquistar a credibilidade do mercado, o que atrairia investimentos e favoreceria o crescimento da economia.

O principal questionamento à medida é a mudança nas regras dos gastos com saúde e educação. Hoje, essas áreas recebem um percentual mínimo calculado com base nas receitas do governo -- e isso está na Constituição. Ou seja, se a economia cresce, aumentam os investimentos nas duas áreas.