quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Para que todos tomem ciência

Grande parte de textos de revistas científicas se origina de pesquisas financiadas com recursos públicos
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Ao estabelecer em março de 2014 a sua Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) buscou garantir à sociedade a consulta livre a sua produção científica, alinhando-se ao movimento global de acesso aberto (open access). Com início no fim da década de 1980, esse movimento foi uma reação à chamada “crise dos periódicos”. Os constantes aumentos nos preços de assinaturas de revistas científicas praticados por editoras comerciais inviabilizavam a aquisição de coleções por bibliotecas de universidades e instituições de ensino e pesquisa.

Como se veem compelidas a comprar dessas editoras, pois elas detêm o controle do único veículo aceito pela comunidade científica mundial para publicação de textos, configura-se um negócio peculiar em que um ente privado se apropria de um bem (o artigo científico), agrega algum valor a ele e cobra preços exorbitantes para sua utilização. Grande parte desses textos se origina de pesquisas financiadas com recursos públicos. O acesso aberto rompe essa lógica, auxiliado pelas tecnologias da informação e comunicação e pela internet, que propiciam modelos de publicação a baixo custo e ampla circulação. 

As políticas de acesso aberto vêm gerando tensão no setor de publicações científicas. Trata-se de um mercado concentrado, no qual apenas três grupos editoriais — Reed Elsevier, Springer e Wiley — detêm mais de 40% das revistas científicas publicadas. Até há bem pouco tempo, eles tinham pouco interesse na publicação científica do Brasil. Esta atitude mudou, e a maioria já abriu um escritório em nosso país ou comprou uma editora nacional. Um dos obstáculos a essa expansão de editoras comerciais internacionais no mercado editorial brasileiro é o SciELO, inovador portal de revistas científicas brasileiras, pioneiro no uso do acesso aberto no Brasil e um dos responsáveis pelo aumento da visibilidade da nossa produção científica em nível nacional e internacional. Recentemente, um bibliotecário acadêmico americano, simpático aos editores comerciais e crítico feroz do movimento de acesso aberto, publicou um artigo comparando o SciELO a uma “favela de publicações”, e as editoras comerciais a “bairros agradáveis”. Seu desrespeito com a publicação científica na América Latina foi repudiado pelo SciELO e pela comunidade científica com respostas que soaram como uma renovação do apoio generalizado ao acesso aberto nessa região.

No que se refere à Fiocruz, para execução da sua política de acesso aberto, ela aperfeiçoou em 2014 o repositório digital Arca, criado para disseminar e preservar a sua produção intelectual. Ele conta hoje com 4.698 artigos científicos, 2.224 dissertações de mestrado e 867 teses de doutorado. Em 2015, a Fiocruz lançou o seu Portal de Periódicos, reunindo as sete revistas científicas que edita: “Cadernos de saúde pública”; “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz”; “História, ciências, saúde — Manguinhos”; “Trabalho, educação e saúde”; “Revista Eletrônica de comunicação, informação & inovação em saúde”; “Vigilância sanitária em debate”; e “Revista Fitos”. Em dois espaços digitais, o leitor tem acesso gratuito a significativa parcela de literatura científica da área de saúde pública produzida no Brasil e no exterior. 
Hoje, o engajamento da comunidade científica e de governos, que editam leis em prol do acesso aberto, ocorre em todo o mundo. No Brasil, iniciativas como as da Fiocruz e do SciELO precisam do apoio das agências públicas de fomento à pesquisa, criando políticas para publicação em acesso aberto de artigos oriundos de pesquisa financiada com seus recursos.

* Paulo Guanaes é editor-executivo da revista “Trabalho, educação e saúde” e Hooman Momen é editor científico da revista “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz”

FONTE: O Globo

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