terça-feira, 8 de setembro de 2015

Pão, terra e liberdade na Cidade Imperial: a luta antifascista em Petrópolis no ano de 1935

80 anos da Aliança Nacional Libertadora (ANL)
Lançamento da 2a edição do livro Pão, terra e liberdade na Cidade Imperial, de Paulo Henrique Machado
 



Leia abaixo a resenha publicada na revista eletrônica Gramsci e o Brasil, em abril de 2009.

A luta antifascista em Petrópolis

Por Marcos César de Oliveira Pinheiro

Machado, Paulo Henrique. Pão, terra e liberdade na Cidade Imperial: a luta antifascista em Petrópolis no ano de 1935. Petrópolis: Paulo Henrique Machado, 2008. 112p.

Muito já se falou acerca da Cidade Imperial, da sua tradição ligada à família real brasileira, em particular a figura de D. Pedro II, de seu clima aprazível, das suas belezas naturais e suas características aristocráticas, das mansões e palácios que compõem o seu centro histórico. Em grande medida, a história do desenvolvimento político, social e econômico da cidade foi retratada como a história do empreendedorismo das pessoas ilustres que nasceram, viveram ou passaram por Petrópolis. Criou-se a imagem de uma cidade tranquila e pacata, de um povo ordeiro e disciplinado no trabalho, incapaz de subverter a ordem estabelecida. Partindo da proposição de que as classes sociais, o conflito de classes e a consciência de classe existem e desempenham um papel na história, Paulo Henrique Machado mergulhou no rico passado da sua cidade, permeado por personalidades e fatos históricos, e fez emergir a luta dos trabalhadores petropolitanos por “Pão, terra e liberdade”.

O próprio título do livro demonstra uma Petrópolis viva e dinâmica, em que os conflitos sociais inerentes a essa sociedade não estão silenciados. O autor analisa a sociedade petropolitana como locus da luta de classes, a arena privilegiada da luta pela hegemonia. Ele vai além da linearidade harmoniosa da “história oficial” de Petrópolis e apresenta sua dimensão conflitual, em especial o embate “cidade operária” versus “cidade imperial”, e as relações de força presentes no momento estudado. O livro reflete uma linha de investigação, influenciada pelo historiador inglês E. P. Thompson, que tem uma preocupação em construir explicações a partir de um intenso trabalho empírico, somado a uma atitude de pesquisa que enfatiza as formas de participação dos trabalhadores nos processos sociais dos quais são parte integrante.

Em Pão, terra e liberdade na Cidade Imperial, Paulo Henrique desenvolve um estudo sobre a Aliança Nacional Libertadora (ANL) na cidade de Petrópolis, no ano de 1935. A construção da narrativa obedece a uma lógica que vai delineando as forças sociais presentes na polarização política em Petrópolis naquele ano: 1) análise da formação da cidade e os primórdios da organização do movimento operário até o ano de 1930; 2) caracterização dos principais grupos autoritários de direita do período em questão, da presença do pensamento católico conservador e da permanência da estrutura monárquica na cidade; 3) análise da luta antifascista em Petrópolis e o papel do movimento operário nesse contexto.

A criação da ANL, em março de 1935, foi uma resposta ao avanço do fascismo em nível internacional e do integralismo em âmbito nacional. Era uma frente pouco homogênea quanto à composição política. Comunistas, socialistas, “tenentes”, sindicalistas, intelectuais de renome, organizações democráticas e populares de diferentes colorações ideológicas e políticas faziam parte dela. Em torno do lema “Pão, terra e liberdade” levantavam-se as bandeiras da luta contra o imperialismo, o latifúndio e a ameaça fascista que pairava sobre o mundo.

No âmbito historiográfico, não há unanimidade na análise da Aliança Nacional Libertadora. Ainda persiste a tese das “ordens de Moscou”, em que a ANL seria uma mera extensão do PCB, atribuindo-se-lhe o simples propósito de estabelecer o comunismo no Brasil, sob a direção de Moscou. Trata-se de explicar importantes episódios da vida nacional por motivações situadas exclusivamente fora do Brasil. Os críticos dessa perspectiva argumentam que, mesmo privilegiando os fatores externos, não é possível entender os acontecimentos de 1935 sem considerar a sociedade brasileira da época, a tradição tenentista, o PCB e, muito menos, a Aliança Nacional Libertadora. Contudo, também não existe unanimidade entre os críticos da tese das “ordens de Moscou”. De um lado, aqueles que adotam a idéia do caráter tenentista da ANL; de outro, os que afirmam não haver uma continuidade dos acontecimentos de 1935 em relação ao movimento tenentista da década anterior.

O livro Pão, terra e liberdade segue a linha da última vertente. Embora reconheça a presença de militantes oriundos do chamado tenentismo, o autor afirma que, no caso de Petrópolis, “o papel de liderança da ANL foi exercido pelo movimento operário, sem a atuação de militares no diretório municipal”. Esse é o ponto alto do livro. A pesquisa realizada pelo historiador Paulo Henrique Machado demonstra não existir “o envolvimento de militares, de baixa ou de alta patente, na organização da ANL”. O autor prossegue afirmando que “o único setor mais organizado era o dos operários têxteis, cuja sede era utilizada pela ANL”.

O operariado petropolitano mostrou-se altamente combativo no ano de 1935, realizando greves e passeatas. Não se furtou ao enfrentamento com as forças conservadoras da cidade. Petrópolis virou referência nacional pelo vigor dos movimentos que sustentaram as bandeiras antifascistas em ambiente extremamente hostil. Em carta ao secretário-geral da ANL, Roberto Sisson, Luiz Carlos Prestes dizia que “lutas como a de Petrópolis precisam ser preparadas e levadas a efeito em todo o Brasil. Depois de uns vinte Petrópolis a insurreição será inevitavelmente vitoriosa”. Entre as greves realizadas naquele ano, uma teve enorme repercussão nacional. Após a morte do operário têxtil Leonardo Candu, em confronto com os integralistas, os trabalhadores desencadearam uma greve geral na cidade durante mais de uma semana. O movimento, organizado pela ANL e pela Central Sindical Unitária do Brasil (CSUB), recebeu manifestações de solidariedade de todo o país. O jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, batizou Petrópolis de “Cidade Libertadora”. Leonardo Candu transformou-se em mártir da ANL e do movimento antifascista no Brasil.

Segundo Paulo Henrique, um dos principais núcleos da ANL se formou na região porque houve uma conjugação das bandeiras de luta dos operários — como melhores salários e redução da jornada de trabalho — com o combate ao integralismo, ao imperialismo e ao latifúndio. O movimento antifascista, capitaneado pelo movimento operário, levantou também a bandeira contra a manutenção dos privilégios por parte de descendentes da família imperial em Petrópolis (o laudêmio — compensação devida ao senhorio e cobrada ainda hoje sobre qualquer transação imobiliária efetuada em algumas áreas do município), identificados como mais um elemento conservador na cidade. Então, “a luta antifascista se somou à insatisfação dos trabalhadores, contribuindo para o amadurecimento de uma consciência de classe que ficaria ainda mais clara nos acontecimentos de junho” [o assassinato de Leonardo Candu e a greve geral em seguida].

Outro aspecto relevante nesta obra é o destaque para a presença de um conjunto de forças retrógradas na cidade: o conservadorismo católico, representado por Alceu Amoroso Lima; a família imperial, que cobrava o laudêmio; os partidos nazista e fascista bem organizados; e milícias integralistas. O autor afirma que “um dos fatores que contribuíram para a vitalidade da ANL foi a existência de uma direita organizada na cidade”. Isso parece significar que a polarização política da década de 1930, em nível internacional, se apresentou de maneira exacerbada em Petrópolis, levando a uma radicalização de posições e à ocorrência de sérios conflitos entre integralistas e aliancistas.

As forças de direita eram bastante ativas no município de Petrópolis. Em março de 1935, foi realizado o II Congresso Nacional Integralista, que reuniu mais de mil delegados de todo o país vestindo suas camisas verdes. Entre 1935 e 1938, a Secção Petrópolis do N.S.D.A.P (Partido Nacional-Socialista Alemão) permaneceu realizando eventos, como revelam as reproduções fotográficas apresentadas no livro. Em abril de 1935, os nazistas petropolitanos receberam a visita do deputado alemão Arthur Kolb, na ocasião das comemorações do aniversário de Adolf Hitler. O Partido Fascista era constantemente assistido pelo cônsul italiano. Em 1938, o Fascio da cidade recebeu a visita de Bruno Mussolini, filho do Duce italiano. A Igreja Católica se articulou com os movimentos de direita da cidade. Representante do conservadorismo católico, Alceu Amoroso Lima caracterizou a ANL como a “frente única do mal” e propôs a “união das direitas” para resguardar a Igreja, a nacionalidade e a família, mesmo propósito da Ação Integralista Brasileira (AIB), cujo lema era “Deus, Pátria e Família”. Os descendentes da família imperial em Petrópolis também constituíram o que Amoroso Lima chamou de “frente única do bem”, uma vez que estavam interessados em manter o seu status quo na cidade.

Portanto, como é apontado pelo autor do livro, em Petrópolis, “a ANL possuía algumas particularidades, como a liderança do movimento operário, além de ter se tornado uma reação contra os privilégios dos descendentes da família real na cidade, contra o conservadorismo católico e contra a atuação dos partidos fascistas e nazistas”.

Apesar de alguns problemas na adequação da dissertação de mestrado ao formato de livro, o que não prejudica o essencial da obra, Pão, terra e liberdade na Cidade Imperial, ancorado em pesquisa inovadora e original, dá contribuição relevante à historiografia, tanto em relação à história de Petrópolis quanto àquela dos movimentos sociais e da esquerda no Brasil.

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