sábado, 18 de julho de 2015

Combater ideologização em sala de aula é censura? SIM

O centro da conspiração

Por Lincoln Secco*

Não bastasse a fúria legiferante do Congresso que destrói cláusulas pétreas da Constituição, procura constitucionalizar golpes de Estado, promover cultos religiosos em plenário e defender o "direito à homofobia", ainda temos que discutir a censura à escola.

É disso que tratam os projetos de lei nº 867/2015 e nº 1.411/2015, de dois deputados do PSDB, ora em tramitação na Câmara Federal. Eles propõem a "escola sem partido" e criminalizam o que chamam de "assédio ideológico". Naturalmente, os autores dos projetos não se consideram ideólogos. 

Já existem vários projetos do mesmo tipo em Legislativos estaduais e municipais. Fazem parte da onda obscurantista que varre uma parte da sociedade brasileira. Para esta há o centro de uma grande conspiração intocado pela ação saneadora dos meios de comunicação. 

É a escola! Basta ler a justificativa de um dos projetos e encontraremos a razão recôndita: prepara-se no Brasil uma doutrinação ideológica baseada no filósofo italiano Antonio Gramsci e nas teses do 5º Congresso do PT (sic)! 

Como o processo educativo ainda é um encontro de pessoas, é claro que os professores não podem se despir de suas crenças quando ensinam, tampouco as crianças, que trazem para a sala de aula os preconceitos que absorvem em suas famílias ou meios de comunicação. 

Assim, não se espera que um professor religioso de biologia finja não crer em Deus ao ensinar a evolução das espécies. Mas deve tratá-la pelo que é: uma teoria científica. Qualquer professor sabe disso. Igualmente, o educador deve corrigir manifestações racistas que, eventualmente, o aluno traga de casa. 

O nosso problema não é aquilo em que movimentos, como o Escola sem Partido, acreditam. Eles criaram um novo conceito sociológico: o "aparelho ideológico de Estado petista". Só que a escola perdeu centralidade no processo pedagógico. 

A educação nunca foi um processo apenas escolar, mas professores mal pagos em escolas abandonadas e sob estafantes jornadas de trabalho que continuam fora do horário escolar não podem competir com a internet nem com a televisão. 

O próprio PT jamais teve projeto pedagógico e, no poder, submeteu a educação ao superavit primário. A revolução educacional defendida por Florestan Fernandes e Paulo Freire nem sequer foi lembrada. Ainda assim, o Ministério da Educação assegurou princípios éticos, como a solidariedade e autonomia, e estéticos, como a valorização de diferentes culturas. Obviamente, a educação segue também princípios políticos, entre eles a defesa da cidadania e o respeito à democracia. 

Contra quais desses parâmetros os projetos de lei se insurgem? Seriam contra a história da África, só porque foi inserida no currículo pelo governo Lula? Contra o direito a brincar que é um dos princípios definidos pelo Ministério da Educação para a escola infantil? 

Afinal, talvez haja um conteúdo chinês no jogo da amarelinha ou a preparação para a clandestinidade no esconde-esconde! 

Que o leitor entenda aqui a ironia como o último recurso diante da língua simplificada dos neofascistas. Apresentam-se como defensores da liberdade, assim como o golpe de Estado é sempre pela democracia. 

E, quando você discorda, lê nos seus esconderijos virtuais termos como "idiotice", "masturbação sociológica" e a suprema ofensa: "petista" (outrora seria "comunista"). Curiosamente, eles são os frutos da mesma escola que nos doutrina como esquerdistas incorrigíveis. 

* LINCOLN SECCO, 46, é professor livre-docente de história contemporânea na USP.

FONTE: Folha de São Paulo, 18 de julho de 2015. 

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