sexta-feira, 12 de junho de 2015

Luta de classes em tempos de consumo questiona modelos políticos

André Singer, Ruy Braga e Domenico Losurdo debateram a complexidade da dominação social contemporânea

Para André Singer, projeto lulista passa por momento grave, mas ele lembra que "o jogo não terminou". Professor Ruy Braga cita desgaste em "estratégia de pacificação" 

 por Vitor Nuzzi, da RBA


São Paulo – A atualidade do conceito de luta de classes e o papel dos partidos, dos movimentos sociais e dos sindicatos foi tema de debate realizado ontem (10) à noite, que desaguou em questionamento sobre modelos políticos e econômicos, inclusive o chamado lulismo. Os professores Domenico Losurdo, André Singer e Ruy Braga falaram sobre distribuição da riqueza, luta social e novas e antigas formas de organização. Sobre quem tentou mudar o mundo, e as dificuldades para transformá-lo.

Losurdo, 73 anos, é professor de História da Filosofia na Universidade de Urbino, pequena cidade na região central da Itália. Está lançando no Brasil o livro A Luta de Classes - Uma História Política e Filosófica, pela editora Boitempo, que ao lado do Sesc promove em São Paulo um ciclo de debates sob o tema Cidades Rebeldes. Ele sustenta que as lutas de classes (enfatiza o termo "lutas", no plural, usado no Manifesto Comunista) nunca terminaram de fato e podem ser abordadas em três situações: internacional, local e familiar. Não se trata apenas de conflito entre capital e trabalho. Estão também presentes na exploração de uma nação por outra, no colonialismo, e mesmo na opressão da mulher pelo homem, afirma ao autor, citando Karl Marx e Friedrich Engels.

"Nada é simples e linear, fenômenos de sociedades cada vez mais diversificadas ou mesmo fragmentadas se entrelaçam, como nacionalismos, libertação nacional, anseios de conquistas tecnológicas e mesmo messianismo em diversas formas", comenta no livro o historiador Jose Luiz Del Roio. Em sua palestra, Losurdo falou sobre os processos de transformação social, a importância das revoluções anticoloniais, o movimento feminista e a defesa do Estado de bem-estar, "que se tenta desmantelar", e a predominância de grupos econômicos.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), André Singer destacou a importância do movimento operário para o aparecimento de partidos de massas, em um universo antes dominado por interesses paroquiais. "Foi a classe trabalhadora que percebeu a brecha aberta da democracia." E o partido surgido desse meio cresceu com a missão de organizar politicamente sua classe e para produzir mudanças sociais, em busca da igualdade. Quase no final do debate, uma pergunta vinda da plateia provocou o pensador político: como se expressou a luta de classe no lulismo?

Para Singer, ex-porta-voz do governo na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, o "projeto lulista" se caracteriza por mudanças no país sem confronto entre capital e trabalho, ou fazendo com que esse conflito fosse "para o fundo da cena", o que ocorreu durante certo tempo. "Até aproximadamente 2013, essa fórmula funcionou", disse o professor, destacando avanços na busca de inclusão social e redução da desigualdade. "Até que as condições materiais não permitiram que essa fórmula vigorasse", acrescentou, citando as manifestações de junho daquele ano e remetendo ao momento atual, em tempos de "ajuste" promovido pelo governo. Segundo ele, neste momento "a classe trabalhadora está tentando resistir a uma política de ajuste que a prejudica fundamentalmente".

Espoliação

 

Com isso, o conflito capital-trabalho volta para "a frente da cena", observa. "É possível que a gente esteja passando por outra forma de regulação capitalista. É um momento grave para esse projeto lulista, mas esse jogo não terminou. Realmente não sabemos qual vai ser o resultado."

Professor do Departamento de Sociologia da USP, Ruy Braga avalia que o país passo por um momento de tentativa de "pacificação social" por meio do consumo, e hoje vive um período de transição, "apoiado sobre a exploração do trabalho assalariado barato, que favorece diferentes setores da economia". Aquele modelo encontrou limites, afirma, citando (com dados do Dieese) como exemplo o aumento do número de greves, de 840 em 2012 para 1.900 no ano seguinte. "Transitamos para um modelo de acumulação fundamentalmente vertebrado por estratégias sociais de espoliação, que tendem a se tornar mais agudas, mais explícitas."

Seriam três, basicamente, as "estratégias de espoliação": pela degradação, com subtração de direitos (por exemplo, o projeto de lei sobre terceirização e as medidas provisórias com restrições ao acesso a direitos trabalhistas e previdenciários), o maior endividamento das famílias e por meio da privatização de áreas no campo ou de terras urbanas. Braga identifica uma "agenda" de protestos pelo mundo, o que inclui o Brasil. "Enfrentaremos mais greves, manifestações, protestos protagonizados por trabalhadores precarizados", diz, citando movimentos como os do sem-teto.

FONTE: RBA - Rede Brasil Atual

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