domingo, 3 de maio de 2015

Registro da escrita

Novo método facilita a transformação de documentos manuscritos históricos em arquivos digitais
Por MARCOS DE OLIVEIRA | Revista Pesquisa Fapesp, edição 230 | ABRIL 2015

Carta do século XIX sobre Mesa Cartesiana
A dificuldade em manusear documentos históricos raros e manuscritos para análise dos textos levou um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) a desenvolver um método de fotografia que facilita a transcrição e compreensão de fenômenos linguísticos de uma época. “Existem documentos e livros antigos para os quais o método tradicional de obtenção da imagem por escaneamento pode prejudicar ou até destruir o original porque é preciso, muitas vezes, dobrá-los ou desencaderná-los para uso no escâner”, diz o professor Jorge Viana Santos, do Laboratório de Pesquisa em Linguística de Corpus (Lapelinc) da Uesb. O objeto de estudo dos pesquisadores são livros e documentos cartoriais manuscritos do século XIX que já tiveram grande manuseio e cujo estado é bem frágil. “Diferentemente da fotografia, no escaneamento o documento é que se adapta ao aparelho e não o contrário”, diz. Para a digitalização de documentos impressos, já existem softwares bem difundidos que levam o nome de reconhecimento óptico de caractere (OCR na sigla em inglês) e podem ler o documento a partir de escâneres e transformá-lo em digital. Em documentos manuscritos não existe essa possibilidade.
O método criado pelo professor Santos em colaboração com a professora Cristiane Namiuti Tempon, também da Uesb, começa com a captura da imagem em uma câmera fotográfica. Para isso, o documento é assentado em uma espécie de placa plana de plástico de cor cinza e quadriculada milimetricamente, característica que serve para informar no computador a exata medida do papel. Denominada pelo grupo de Mesa Cartesiana, sobre ela também são colocadas escalas de tom de cores, informações catalográficas, paginação e sequência. A página do documento pode tanto ser apresentada no computador com todas essas informações como também de forma recortada, apenas a parte manuscrita.
Detalhes na tela


… e transcrição em caracteres para estudo do português da época
A transposição do documento do mundo físico, intermediado pela fotografia, para a formatação digital, é feita por umsoftware desenvolvido também no Lapelinc. Ele permite interpretar esses dados e recuperar numa tela de computador os tons e cores originais de um documento. Assim, o método faz a transposição de documentos manuscritos históricos para a formação de conjuntos de textos eletrônicos com aspecto próprio para pesquisa científica.

As vantagens do Método Lapelinc se expandem também na facilidade de aumentar o texto original na tela do computador para verificar detalhes ou tirar dúvidas em relação à escrita. Com o documento digital é possível fazer várias consultas sem deteriorar o material histórico. Segundo Santos, o novo método contribui para a análise dos paleógrafos, especialistas que leem o texto para estudos de linguagem e fazem a transcrição e adaptação ao português atual se for o caso. A linguística decorpus (texto para análise) necessita do original em caracteres para a compilação decorpora (conjunto de corpus) para análise linguística automática. “Nosso método permite montar o corpus eletrônico que forma um banco de dados no qual é possível identificar cada palavra e etiquetá-la, facilitando o trabalho do linguista na busca pelo seu objeto de estudo; pode-se, assim, etiquetar substantivos e verbos, por exemplo”, diz Santos. “O historiador pode ler na linguagem de hoje, mas o linguista quer saber como o texto foi concebido naquela época para determinar o padrão e a evolução da linguagem.”
O trabalho de estrutura do Método Lapelinc começou em 2008 e ainda não terminou, faltando a finalização do software para fazer a transcrição e a edição do texto. Todo o sistema criado na Uesb também pode ser útil em outras instituições acadêmicas e até em empresas. “Fazemos pesquisa e um apoio externo ou comercial não muda nosso trabalho, mas o protótipo pode levar a um produto, porque o método é passível de uma patente. No momento estamos finalizando seu desenvolvimento”, explica Santos. O trabalho teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) e da própria universidade.
Artigo científico
Santos, J. V. e Brito, G. S. Fotografia técnica de documentos para formação de corpora digitais eletrônicos: o método desenvolvido no LapelincLetras & Letras. v. 30, n. 2, p. 421-30. jul./dez. 2014.

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