segunda-feira, 24 de março de 2014

O ciclo militar na América do Sul

[Emílio Garrastazu Médici e Richard Nixon, durante a visita do ditador brasileiro aos EUA, em 1971]

Por Osvaldo Coggiola.
Entre meados das décadas de 1960 e 1980, a América do Sul esteve basicamente dominada por regimes militares, que levaram a cabo brutais repressões, com dezenas de milhares de desaparecidos, torturados e mortos, sob o pretexto de combater a “subversão comunista” supostamente materializada em organizações guerrilheiras. A Revolução Cubana (ou melhor, uma determinada interpretação de sua dinâmica) favoreceu o desenvolvimento de organizações armadas (algumas já existentes antes dela, como no caso da Colômbia) em um quadro de acirramento sem precedentes das lutas de classes no subcontinente. A militarização dos Estados, por outro lado, possuía também fortes raízes na história precedente da América Latina. No período de formação dos Estados Nacionais latino-americanos, a fraqueza social e a mesquinharia política da burguesia agiram como alavancas da intervenção do Exército (ou de setores deste) na arena política. A profissionalização dos Exércitos acentuou duas características incipientes nessa etapa, levadas ao paroxismo nas etapas posteriores do desenvolvimento social e político latino-americano:
a) A consolidação de um espírito e de um funcionamento “de casta” na instituição militar, que só se reforçou com a conquista da sua plena autonomia como pilar independente do Estado – espírito e funcionamento aos quais as novas incursões na arena política convidarão a projetar-se “para fora”
b) O desenvolvimento dependente das Forças Armadas dos países latino-americanos, cujos governos chamaram para a modernização dos seus exércitos missões estrangeiras (francesas no Brasil, alemãs no Chile e na Argentina) – missões que deram moldura definitiva aos exércitos e que organizaram os primeiros “Colégios” e “Escolas” militares, criando um verdadeiro regime de promoção militar independente dos outros organismos do Estado, que consagrou a profissionalização da força armada.
Esse militarismo “dependente” seria um fator central nas futuras intervenções políticas dos militares. A irrupção dos setores plebeus e das “classes médias” na arena política tinha forçado uma relativa democratização dos Estados (maior ou menor segundo cada país) no que Tulio Halperin Donghi chamou de “era radical”. Os governos civis emergentes desse processo não significaram um freio para o desenvolvimento da força independente do militarismo. A “era radical” significara uma democratização relativa da esfera política. Democratização que teve por base o crescimento econômico do período dourado das exportações primárias, situado, para a América Latina em geral, nas primeiras três décadas do século XX; mas que não significou uma alteração básica das relações de propriedade (latifúndio agrário, monopólio da burguesia comercial), que efetivamente sustentavam a república oligárquica. Os países enriqueceram temporariamente, mas a estrutura econômica continuou fundamentalmente inalterada. A interrupção do período de crescimento das exportações (com a crise mundial da década de 1930) produziu um abalo político que revelou as frágeis bases da democracia política. Em contraste com isso, as raízes deitadas pelo poder militar eram bem firmes. Ao aumento do seu poder econômico e militar, deve-se acrescentar a consolidação da sua solidez como instituição.
Quando sobrevém a crise de 1930, que abala o conjunto das sociedades latino-americanas, “o corpo de oficias profissionalizado forma no interior do Estado”, segundo Alain Rouquié, “um núcleo duro no interior de um corpo mole e sem forma”. Reflexão que poucos políticos latino-americanos da época teriam compartilhado, mas que não escapava a um observador exterior contemporâneo aos fatos. Em seu Amérique Latine, publicado em 1930, o francês André Sigfried, dizia:
“Na ausência de um espírito de legalidade efetivo e de instituições civis com virtudes próprias, tem que se constatar que em quase toda a América Latina o Exército é a única força social organizada. O Estado está à disposição dessa força, que protege à sociedade contra a desordem, mas que poderia voltar-se contra aquela. Nem sonhar em cortar os soldos do Exercito ou da polícia, o que equivaleria morte imediata! Esta condição financeira é a decisiva, e é por isso que, para os governos arbitrários, a crise econômica é uma causa direta de afundamento”.
O moderno nacionalismo burguês latino-americano, com uma forte componente militar, foi fruto dessa crise nacional e continental. Não foram poucos os militares que fariam suas, com os objetivos mais variados, as palavras pronunciadas, a 19 de maio de 1944, pelo coronel Juan Domingo Perón:
“Entendo que a organização interna do Exército está concebida com um autêntico sentido orgânico e social, e que é uma cátedra exemplar de disciplina, de camaradagem, de patriotismo, de hierarquia e de respeito. Aí não existem nem postergações injustificadas nem ascensões imerecidas. A hierarquia cumpre-se sem exceções e sem privilégios, com um sentido estrito de seleção e de justiça”.
As velhas classes possuidoras, que experimentaram um retrocesso político durante o período de democratização, viram então no Exercito o único fator de estabilidade do Estado nos momentos de crise social e política, o que determinou a militarização dos estados latino-americanos.
Em todos os países latino-americanos que tinham atingido certo grau de desenvolvimento democrático, a crise econômica iniciada em 1929 pôs em relevo a contradição existente entre a democracia política e a raiz oligárquica do Estado. Os governos dos principais países da América do Sul caíram em 1930. O Exército reapareceu no cenário político, tomando o poder como protagonista independente na maioria dos casos, ou como base de sustentação principal dos grupos políticos em luta (como no caso do Brasil). As formas políticas resultantes desta comoção social variaram em cada pais: encaminhamento em direção de um governo ditatorial (Brasil), restauração da democracia oligárquica baseada na proscrição política (Argentina), ou a instauração pura e simples de governos militares em outros países. Mesmo os países que retomaram posteriormente um desenvolvimento democrático o fizeram através de episódios militares de certa duração, como o Chile do general Ibáñez e até a própria “Suíça da América”, o Uruguai, que conheceu um período de ditadura militar durante a década de 1930. Todos os processos políticos da América Latina, a partir de então, tiveram em comum a tendência crescente para a militarização do Estado. Se em certos países (Argentina, Bolívia, Peru) isso foi perfeitamente visível, pois sua vida política caracterizou-se por um “golpismo” cada vez mais frequente e duradouro, em outros a democracia pareceu reinar – com altos e baixos – até um golpe militar arrancar de raiz essa ilusão e instaurar um governo institucionalmente “mais estável” do que o democrático: foram os casos do Uruguai, do Chile e até do Brasil, com ditaduras militares que sobreviveram durante décadas. Os projetos das “uniões aduaneiras” surgiram durante a década de 1940 (como o “pacto ABC”, Argentina, Brasil, Chile) como um elemento de barganha do nacionalismo latino-americano perante a pressão crescente do imperialismo norte-americano.
* * *
Mas o nacionalismo burguês, até o de forte base militar, foi incapaz, inclusive no seu auge das décadas de 1940 e 1950, de quebrar a espinha dorsal da dominação imperialista do continente, assim como de formular um projeto de unidade continental que saísse do papel. Na década de 1930, além do Brasil, vários países latino-americanos suspenderam o serviço de suas dívidas, facilitando o desenvolvimento e a industrialização em alguns desses países. Já no período de 1945 a 1955, a América Latina remeteu ao exterior o equivalente a 10,5% de suas receitas de exportação. De 1950 a 1969 ingressaram na América Latina 20 bilhões de dólares em forma de investimentos e empréstimos. No mesmo período foram remetidos para o exterior 28 bilhões de dólares, sendo a remessa de lucros das companhias estrangeiras a principal responsável. O atraso econômico relativo e a desunião da América Latina foram a contra-figura do imperialismo norte-americano, cujo primeiro passo histórico fora o de declarar (com o “corolário Roosevelt” da Doutrina Monroe, de 1904) a América Latina como seu “quintal”. Ao longo do século XX as bases do capital imperialista norte-americano foram adquirindo crescentemente um caráter mundial, mas nunca perderam sua base latino-americana, sua verdadeira “plataforma de lançamento”. Durante o zênite econômico do imperialismo ianque noboom econômico do segundo pós-guerra (1950-1965) os fluxos mundiais de capital norte-americano, e os lucros obtidos sobre o mesmo, tiveram a composição que segue:
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INVESTIMENTOS E LUCROS DOS ESTADOS UNIDOS (1950-1965)[Cifras em bilhões de dólares]
 EuropaCanadáAmérica LatinaResto do Mundo
A) Fluxo de investimentos diretos dos EUA8.16.83.85.2
B) Ingresso sobre este capital transferido aos EUA5.15.911.314.3
Líquido (B – A)-2.6-0.97.59.1
A crise do limitado nacionalismo burguês latino-americano expressou-se na emergência da primeira revolução proletária das Américas (na Bolívia, em 1952), e na vitória da primeira revolução socialista, com a radicalização revolucionária, em 1961 (depois da invasão da Baía dos Porcos) da revolução cubana de 1959. No final da década de 1960, oboom econômico mundial do pós-guerra começou a tocar a finados: em 1944, os EUA e os países aliados assinavam o Acordo de Bretton Woods, que regulava o funcionamento do sistema monetário internacional, privilegiando os EUA, através da conversão automática do dólar em ouro. Um quarto de século depois, o Tesouro americano detinha 13,5 mil toneladas de ouro, o equivalente a 12 bilhões de dólares; nesse mesmo momento, os estrangeiros possuíam 75 bilhões de dólares em reservas. Nesse quadro, em 15 de agosto de 1971, o presidente Nixon decretou unilateralmente o fim da conversibilidade do dólar em ouro. A América Latina foi chamada a cumprir seu papel de mantenedora do parasitismo do capital financeiro internacional, em especial norte-americano. Após 1968, no início dos anos 1970, a crise do capitalismo internacional se manifestava, entre outras formas, através de um excepcional excedente de capital monetário, em situação de mercado saturado.
As ditaduras latino-americanas, em um lapso de poucos anos, endividaram o subcontinente por várias gerações. As “novas” ditaduras militares tinham um caráter contra-revolucionário, isto é, haviam surgido para quebrar os processos revolucionários que se desenvolveram, especialmente na América do Sul (Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia) no final da década de 1960 e na primeira metade da década de 1970, quando o nível de organização operária e popular (cordones industriales e JAP [Juntas de Abastecimiento y Precios], no Chile, coordinadoras na Argentina, Assembléia Popular na Bolívia e greve geral no Uruguai) atingira níveis inéditos na história precedente, chegando a colocar elementos de poder dual. A base para a re-colonização da América Latina foram essas ditaduras militares, baseadas no poder independente do militarismo, que deitava suas raízes nas etapas históricas precedentes.
O aumento dos gastos militares deu o índice do crescimento da potência própria da instituição armada. Eles evoluíram (em milhões de dólares de 1960), na Argentina, de 138,6 anuais (em 1938-1941) para mais de 287 milhões (em 1960-1965); de 23,8 milhões para 176,5 milhões, em igual período, na Venezuela; de 15 para mais de 78 milhões na Colômbia; de 60 para mais de 97 milhões (sempre no mesmo período) no Chile; cifras correspondentes a países que conheceram períodos democráticos bastante prolongados. Cada novo golpe militar tinha por resultado duradouro (ou seja, para além da duração do próprio governo militar) uma intervenção cada vez mais profunda do exército na vida social e política da nação. A militarização dos regimes políticos na América Latina desde a década de 1960 não foi uma coincidência. O elo que ligou a ditadura militar instalada no Brasil em 1964 ao golpe militar boliviano poucos meses depois, era produto de uma estratégia continental. A forma, os ritmos e os prazos em que as forças militares alinhadas à política exterior dos Estados Unidos assumiram efetivamente o poder político mesclaram-se, por outro lado, às tradições históricas e conjunturas políticas locais.
A doutrina da segurança nacional teve um papel importante de álibi ideológico na condução de grande parte das ditaduras militares da América Latina e na política de intervenção dos Estados Unidos. Uma das características centrais da doutrina de segurança continental norte-americana após a Segunda Guerra, e em particular após a vitória da Revolução Cubana em 1959, foi combater não apenas as formas de “anti-americanismo” em países da América Latina, mas também a própria neutralidade, que passava a ser vista como adversa aos interesses dos EUA. Desenvolveu-se a concepção de que a política internacional seria uma questão de “política interna” dos EUA e a região mais próxima – a América Latina – deveria ser objeto de uma preocupação e atenção maior. Como parte central destas orientações, o militar latino-americano ganhou destaque na estratégia de defesa continental, como atestou um debate no Senado dos Estados Unidos em 1962, na a fala de um senador:
“Nossos programas deveriam dar maior ênfase ao treinamento, ajuda técnica e educação do pessoal militar. Os Estados Unidos deveriam encorajar a utilização de recursos militares latino-americanos para o apoio de objetivos econômicos e sociais, tanto quanto possível paralelamente ao desempenho de suas missões de segurança.”
Estas ações representavam apenas parte de toda uma reorientação estratégica para a região. O aparelhamento e doutrinação das forças armadas latino-americanas sob direta supervisão dos Estados Unidos, longe de “profissionalizar” os militares, tornou-os cada vez mais politizados. Isto deu às corporações militares vantagens frente a outras instituições políticas nacionais, como coesão, renda relativamente superior às médias nacionais e relações sociais privilegiadas, que preparavam as condições para torná-los em forças auxiliares dos EUA em seus próprios países. Foram criados programas específicos de doutrinação política anticomunista para os militares latino-americanos, que ganharam grande impulso com a administração Kennedy.
O aspecto geopolítico da doutrina de segurança nacional não deve, assim, ser menosprezado. Destacou Octavio Ianni:
“A doutrina de segurança hemisférica implicava interdependência econômica, política e militar. Ou melhor, o caráter da supremacia dos Estados Unidos na América Latina, assim como o caráter dos interesses dos governantes dos países do hemisfério compreendiam a doutrina da segurança nacional. Implicavam os desenvolvimentos políticos, econômicos e militares das relações de dependência destas nações segundo as razões dos governos dos Estados Unidos”.
Segundo Guido Vicario, com a doutrina de segurança nacional “passa-se, em essência, do conceito de que a defesa da nação se dá em suas fronteiras para outro conceito, que compromete a totalidade da vida nacional para garantir esta defesa”. Ela está ligada aos conceitos da geopolítica que buscam uma síntese entre economia, política e estratégia militar; às idéias de segurança hemisférica defendidas por ideólogos do governo dos Estados Unidos e ao combate às ameaças internas da subversão principalmente após a vitória da revolução cubana em 1959.
O fortalecimento e ampliação das atividades a cargo das forças armadas se expandiram ainda mais. Na Bolívia, uma lei de 1963 modificava as atribuições das forças armadas e passava a permitir que o exército exercesse a função de polícia e segurança interna. Esta medida expressava o grande desgaste dos governos do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) em relação aos movimentos operários e populares que tradicionalmente os apoiavam. O exército tornava-se, de maneira crescente, o suporte político e social que começava a faltar aos governos do MNR. As eleições presidenciais de 1964 apresentaram de maneira dramática esta nova situação. Victor Paz Estenssoro candidatou-se a presidência incorporando como candidato a vice o general René Barrientos, depois de afastar Juan Lechín – mais importante líder sindical do país – da mesma pretensão. Era o sinal de que as bases sociais do regime haviam cambiado completamente de posição. O período de governos do MNR alçados com a revolução de abril de 1952 terminou brutalmente com o golpe de Estado de 4 de novembro de 1964 liderado pelo mesmo general René Barrientos, vice-presidente do país e egresso das fileiras do próprio MNR. O golpe, embora fosse uma operação de controle militar, teve amplo apoio civil que refletia a desagregação do governo do MNR. Entre setores militares mais conservadores, o golpe foi visto como um acerto de contas entre civis e militares do MNR, como expressaram as palavras de um autor da época:
“A luta entre partido e exército foi concluída. Venceram os militares recuperando para sua instituição a independência e a hierarquia esquecidas pela revolução. Os membros do poder armado na Nação não puderam marchar encadeados ao Partido e ainda que submetidos ao mesmo por vários anos, logram em 4 de novembro derrubar seus opressores, seus servilizadores e os que pretenderam manter a organização representativa da República como um rebanho de carneiros”.
O governo militar de Barrientos além de atacar as conquistas do regime iniciado em 1952, estreitou ao máximo os laços de dependência com os Estados Unidos, demonstrando que o principal apoio político do governo militar encontrava-se de fato fora das fronteiras nacionais do país. Este apoio tornou-se explícito nas eleições de 3 de julho de 1966, respaldadas pela OEA, destinadas a legitimar a ditadura militar. As mobilizações dos mineiros contra as medidas de Barrientos ocorreram no mesmo período que a guerrilha de Che Guevara agia no país. De março a outubro de 1967 a guerrilha agiu isoladamente na região oriental da Bolívia. Che entrara no país em novembro de 1966 e a CIA alertara o governo boliviano quatro meses depois. A guerrilha, embora isolada no Oriente, interage politicamente com a mobilização dos mineiros. Os mineiros, por exemplo, aprovam na clandestinidade a doação de um dia de trabalho para ajudar a guerrilha. Na mina Siglo XX os mineiros declararam “território livre”. O panorama das lutas sindicais e populares mudara completamente de fisionomia. Esses movimentos colocavam em alerta todo o governo militar. Barrientos reage decretando estado de sítio. Em 3 de junho de 1967 foi decretada uma greve de 24 horas em Catavi e Siglo XX para que se organizasse uma passeata para a cidade de Oruro. Um trem é tomado e lotam-se dez vagões. Interceptados no caminho, os mineiros decidem se dirigir para a mina de Huanuni, onde em assembléia (6 de junho) declaram os distritos mineiros “territórios livres” e arrecadam fundos para a guerrilha. A euforia contagia o movimento, dirigentes clandestinos dos mineiros preparam uma reunião para os dias 25 e 26 de junho para discutir uma pauta de reivindicações. As lutas sociais retomam seu movimento.
O alto comando militar deflagrou um ataque militar que culminou no “massacre de Siglo XX”, com centenas de mineiros mortos. Foi fechada a mina e demitidos todos os 2000 mineiros. O governo decretou a Lei de Segurança de Estado. Desbaratada a resistência dos mineiros, tudo foi concentrado em esmagar os guerrilheiros de Che Guevara isolados no Oriente. As forças da guerrilha contavam com 52 combatentes (ELN –Ejército de Libertación Nacional) dentre os quais poucos lograram sobreviver. Che Guevara foi capturado em 8 de outubro de 1967 e assassinado no dia seguinte, com a participação direta de agentes da CIA (embora o assassinato a sangue frio – Guevara estava ferido, mas poderia se recuperar com atenção médica – fosse executado por oficiais do exército boliviano). O desmantelamento da guerrilha e a morte de Che Guevara tiveram enorme repercussão no país. Toda uma geração de jovens da classe média urbana foi atingida por este fato. O ELN prosseguiu atuando e em 1968 lançou um documento intitulado “Voltaremos às montanhas”. Mas no ano seguinte Inti Peredo, seu principal dirigente, foi capturado e morto sob tortura, o que desarticularia a organização. O drama de Che Guevara e a derrota militar de seu grupo de companheiros expuseram as feridas profundas e impasses em que se debatiam certas organizações de esquerda na América Latina para abrir uma via ao socialismo. Entre os setores de juventude das classes médias, no entanto, a recepção das guerrilhas seria diferente, incidindo sobre a formação de novas organizações políticas.* Nos anos sucessivos, especialmente na década de 1970, uma geração de jovens militantes participaria e seria derrotada, não raro deixando a vida na experiência, no esgotamento da estratégia política foquista, especialmente no Cone Sul do continente: Montoneros e ERP na Argentina, Tupamaros no Uruguai, MIR no Chile… a tática foquista atingiu seu auge em meados dos anos 1970, e provaria, com um custo elevadíssimo em vidas, o fracasso estratégico da substituição da organização e luta de classes pela luta de aparelhos, mesmo quando estes estavam armados de modo sofisticado.
As insurreições nacionais e sociais que se produziram na América Latina desde o fim da Segunda Guerra Mundial concluíram sempre colocando em jogo a própria existência do Exército: assim foi na Bolívia em 1952 com o desmantelamento do Exército e criação de milícias operárias e camponesas; em Cuba, em 1959, com a destruição do Exército-Guarda Pretoriana de Fulgêncio Batista; na Nicarágua, em 1979, com a liquidação da Guarda Nacional “somozista”. O fenômeno militarista consistia, em essência, no desenvolvimento das forças armadas como uma casta independente de todo controle democrático, que concluía submetendo o Estado à sua dominação. A base do fenômeno encontrava-se no escasso desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, o que levou à formação de uma burguesia nacional débil (em relação ao capital financeiro internacional e ao movimento dos explorados da nação) e à presença de uma poderosa pressão externa, dos países centrais do capitalismo mundial, ou países imperialistas.
* * *
A burguesia revelou-se então incapaz de assegurar duradouramente a sua dominação política através de métodos civis (constitucionais ou parlamentares). A debilidade da sociedade civil (ausência de tradição legislativa, de governos provinciais ou estaduais autônomos, tardia incorporação do sufrágio universal) deitava então as suas raízes no caráter tardio e dependente do desenvolvimento capitalista. Sua conseqüência foi a debilidade dos partidos políticos como instrumentos de mobilização da sociedade civil. O Exército encontrou assim o terreno favorável para submeter o Estado ao seu controle e para desenvolver seus próprios interesses de casta. Esse fenômeno pôs em questão os princípios políticos que presidiram a formação do Estado Nacional. O Decreto N° 1 da Junta Militar Chilena (instaurada pelo golpe militar de Augusto Pinochet, a 11 de setembro de 1973) afirmava:
“A Força Pública, formada constitucionalmente pelo Exército, a Marinha, a Força Aérea e a Gendarmeria, representa a organização que o Estado deu-se para a salvação e a defesa da sua integridade física e territorial e da sua identidade histórica e cultural”.
O Exército, segunda essa lógica, deixaria de ser uma instituição do Estado (ou seja, convocado por este), sendo, ao contrário, o Estado uma projeção do Exército. Mas a Junta Militar invocava, nada menos, o principio constitucional que lhe dera origem. O desenvolvimento histórico da contradição já contida no princípio constitucional democrático concluía transformando esse princípio no seu contrário: o órgão criado para defender o Estado democrático substituía o próprio Estado, negando, portanto, a democracia, e reproduzindo o princípio absolutista.
O democratismo limitado à esfera política manifestou-se incapaz de aplicar os princípios democráticos às Forças Armadas, assim como à burocracia em geral. Nesta não regem os princípios eleitorais, tampouco os direitos políticos para as tropas e os suboficiais. Só esse fato já estabelece uma dependência do poder civil em relação à Força Armada, pois naquele a titularidade varia de acordo com o sufrágio, enquanto a esfera militar se renova só pela via hierárquica. A deliberação política seria monopólio dos altos mandos militares, o que lhe é imposto pela sua natureza de reserva do Estado, mas sem ser responsável perante ninguém. Nessas condições, a subordinação do poder militar ao poder civil exige como condição uma elevada estabilidade política e social, isto é, ausência de crise. Em outras condições, a supremacia militar torna-se inevitável, inclusive quando o poder militar não ocupa o centro do cenário. Essa seria a razão de fundo das sistemáticas intervenções políticas dos exércitos latino-americanos, e também da relativamente escassa militarização da política nos países capitalistas centrais, isto apesar do poderio comparativamente muito maior dos seus respectivos exércitos. Nos países capitalistas desenvolvidos os elevados recursos das suas classes dominante permitiram atenuar as lutas de classe (e as crises políticas delas derivadas).
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Têm-se insistido na distinção entre as ditaduras militares “caudilhistas”, típicas da primeira metade do século, e as ditaduras “institucionais” do Exército (próprias da onda golpista das décadas mais recentes), e que no caso deste último não a tomada de poder não se dá através de um líder, mas como instituição. Esses tipos diversos corresponderiam a diversos tipos de crise da sociedade como um todo e, como assinalou Eder Sader, a diferentes etapas da acumulação capitalista nos países latino-americanos. As ditaduras “caudilhistas” possuíam um caráter politicamente preventivo, enquanto as “institucionais” enfrentam mais claramente situações de tipo revolucionário. Mas seria um erro considerar que ambas pertencem a correntes históricas diferentes e, pior ainda, levantar um muro intransponível entre elas. Uma ditadura “institucional” podia desenvolver-se posteriormente como “personalista”, como a ditadura pinochetista no Chile, e vice-versa. Menos acadêmica e mais política foi a observação que se referia ao distinto signo dos diversos regimes militares: uns teriam um caráter “gorila” (ou pró-imperialista) típico, enquanto outros seriam de signo nacionalista, procurariam o apoio das massas populares e se oporiam a pressão estrangeira, como o golpe de junho de 1943 na Argentina (que acabaria levando ao governo “populista” de Juan Perón), o de Velazco Alvarado em 1968 no Peru, os de Ovando Candia e Torres, em 1969-1971 na Bolívia, etc.
Insistem em distinguir decisivamente entre uns e outros regimes aqueles que consideram um dever apoiar os processos militares nacionalistas, considerando-os como progressivos. Nesse caso, chega-se a postular que o Exército poderia emancipar-se totalmente das classes dominantes, executando as tarefas históricas que teriam correspondido a uma burguesia nacionalista, não executadas por esta devido a sua debilidade ou inexistência. A literatura e a crítica nacionalistas hispano-americanas, de direita ou de esquerda, insistiram particularmente nesta teoria. Mas, na verdade, foi impossível separar absolutamente um e outro tipo de processo militar. Em outubro de 1968, uma junta militar liderada pelo general Juan Velasco Alvarado derrubou o presidente Belaúnde Terry e instalou-se no poder. Seu lema, expresso no “Estatuto do Governo Revolucionário”, se resumia a três pontos: tornar a estrutura do Estado mais dinâmica para modernizar o país; dar níveis de vida superiores à população desassistida; e desenvolver no povo e na economia uma mentalidade nacionalista e independente perante as potências estrangeiras. Desde os anos 40, influenciados pela força demonstrada pelo exército norte-americano na Segunda Guerra, os militares peruanos começaram a interferir na política nacional, chegando ao poder em 1945 com um golpe liderado pelo general Manuel Odría. Este promoveu um gradual processo de abertura até 1952, quando foram realizadas eleições livres.
No entanto, os militares continuaram a representar uma “eminência parda” na presidência, interferindo nas decisões presidenciais e no andamento do processo político. Em 1960, o Exército fundou o “Centro de Altos Estudos Militares” (CAEM), destinado a formar militares com consciência crítica sobre os problemas sociais do país. O CAEM representava a politização das forças armadas peruanas e seu desejo mais do que explícito de chegar ao poder na primeira oportunidade. Dois anos depois, essa chance apareceu. Víctor Haya de la Torre, candidato da APRA (partido nacionalista, de caráter populista), venceu as eleições presidenciais, mas não chegou a tomar posse, pois os militares o derrubaram, acusando-o de liderar um suposto levante comunista. Esse governo militar caracterizou-se por iniciar uma “reforma social controlada”: tentou uma reforma agrária em terras improdutivas, sem ferir os interesses dos latifundiários, ao mesmo tempo em que reprimia e prendia líderes sindicais.
Em 1963, pressionados pela oposição e pelos EUA, os militares promoveram novas eleições, com a vitória de Belaúnde Terry. Este, apesar de defender em campanha inclusive a nacionalização do petróleo, não só não cumpriu o prometido, como concedeu novos direitos de exploração dos campos petrolíferos peruanos a empresas norte-americanas a baixos preços e impostos. Foi esse ato, aliado ao aumento da pobreza da maior parte da população e da crescente violência rural pela reforma agrária, que estimularam o golpe de Velasco Alvarado, também formado no CAEM. O primeiro ato de Velasco já foi cercado de polêmica. Na primeira semana de governo, ele nacionalizou a empresa norte-americana International Petroleum Company, que detinha as principais concessões de exploração do óleo no país. Em seguida, numa clara provocação aos EUA, anunciou que não pagaria indenização à empresa enquanto ela não pagasse uma dívida de 690 milhões de dólares de impostos não pagos. O ato cercava-se de um discurso nacionalista e de independência perante os negócios internacionais, mas foi desmistificado pelo próprio presidente. Para tranquilizar os investidores estrangeiros, Velasco foi à televisão dizer que somente nacionalizaria outras firmas internacionais se estas não cumprissem as leis do país e não pagassem os impostos devidamente. Com isso, garantia-se as inversões estrangeiras no Peru e a manutenção dos mercados para onde exportava sua produção.
A nacionalização da International Petroleum Companyrepresentou mais um ato destinado a mostrar à população a força do novo regime e sua preocupação com princípios nacionalistas, do que uma efetiva demonstração de independência perante as grandes potências. Isso é comprovado pela importância do óleo na economia do país: na época, o petróleo representava apenas 10% das exportações peruanas. A indústria pesqueira e agrícola, dominada por consórcios norte-americanos, ficou intocada. Apesar de bramar contra o capital estrangeiro e nacionalizar setores menos importantes, o regime não diminuiu a dependência peruana.
Mas o governo do Peru entrou para a história da América Latina por ser a primeira ditadura militar no continente a promover uma considerável reforma agrária. No final de 1968, Velasco Alvarado decretou a divisão das terras dos latifúndios improdutivos em cooperativas administradas pelos camponeses. Ficou famosa, na expropriação da primeira fazenda, a frase pronunciada por Alvarado: “Camponês, o patrão não comerá mais de tua pobreza”. Tal expressão fora dita, duzentos anos antes, por Tupac Amaru. A iniciativa foi mais demagógica do que efetiva. Apesar de grande quantidade de terras ser dividida, numa reforma agrária radical, o governo não forneceu meios técnicos ou qualquer tipo de ajuda para que os camponeses, que há pouco tempo eram servos de poderosos senhores de terras, se tornassem administradores.
A produtividade das cooperativas não rendeu o esperado, e com o enfraquecimento do regime, nos anos 1970, muitos ex-proprietários entraram na justiça para reaver as terras, alegando desapropriação indevida. Aos poucos a estrutura latifundiária se normalizou, os camponeses, ameaçados pela falência das cooperativas e pressionados pela justiça, voltaram a ser servos nas grandes propriedades. Alguns, no entanto, conseguiram manter um pedaço de terra, promovendo um regime de pequena propriedade. Pressionada pelos interesses econômicos internacionais e mergulhada em suas próprias contradições – atacar o capital estrangeiro enquanto não detinha sua penetração na economia, promover uma reforma agrária sem dar a devida estrutura aos camponeses e pregar um discurso nacionalista ao mesmo tempo em que calava a imprensa e suspendia eleições e partidos políticos –, a ditadura peruana perdeu força ao longo dos anos 70. Velasco Alvarado foi derrubado por setores militares mais conservadores em 1975, assumindo o poder o também general Francisco Bermúdez. Este preparou o terreno para as eleições em 1978, quando a esquerda trotskista, através da FOCEP (Frente Obrero Campesino Estudiantil Popular) realizou uma excelente eleição, elegendo senadores (como o lendário líder camponês Hugo Blanco) e deputados.
O processo nacionalista peruano encabeçado por Velasco Alvarado, transformou-se em tipicamente “gorila” sob a condução de Morales Bermúdez. A ditadura militar “gorila” de Barrientos Ortuño, na Bolívia, ao contrário, foi continuada por outros membros do seu Estado-Maior (Ovando Candia e Juan José Torres) como processo militar nacionalista. O mais importante é que ambos processos têm em comum a militarização do Estado e do processo político. Isto verifica-se em que o nacionalismo militar mostra-se desde o seu inicio inclinado a eliminar todos os elementos de independência política ou sindical do movimento operário (burocratização e integração ao Estado dos sindicatos sob Perón, criação de organismos corporativos contra os sindicatos de classe peruanos, sob Velasco Alvarado). O que acabou ficando em pé do militarismo nacionalista, quando este cedeu o seu lugar ao “gorilismo”, foram os seguintes elementos: a legislação anti-sindical de Perón (que foi usada pelos “gorilas” contra os trabalhadores peronistas), ou os instrumentos corporativos criados por Velasco Alvarado (usados com os mesmos fins pelo seu inimigo político civil e “gorila” Belaúnde Terry).
Por outro lado, se a exceção confirma a norma, não é possível transformar a exceção em norma: os processos militares nacionalistas ou limitadamente anti-imperialistas podem se contar nos dedos da mão se comparados com as inúmeras intervenções tipicamente “gorilas” dos exércitos latino-americanos. Nos anos 1970 teve ampla circulação a teoria segundo a qual os exércitos latino-americanos funcionavam como “exércitos de ocupação” de potências estrangeiras, como se eles fossem corpos estranhos e alheios à sociedade nacional. Esta afirmação menosprezava o caráter global e multiforme da dependência latino-americana (econômica, política, cultural).
A análise baseada na teoria dos “exércitos de ocupação” teve uma ampla operacionalidade política (ela foi a base teórica das guerrilhas “foquistas”, que costumavam se apresentar como o “autêntico exército nacional” em cernes) o que teria sido impossível se não contivesse elementos perfeitamente reais. Estes se referem ao papel especifico do militarismo nos países subdesenvolvidos, que constituiu a estrutura do sistema imperialista privado de colônias de tipo clássico. A grande maioria dos pactos e instituições através dos quais se materializou a dependência política das nações latino-americanas é de ordem militar. Consolidado o processo da independência política, as sobrevivências puramente coloniais cumpriram um papel secundário. O papel preponderante foi assumido pelos institutos políticos dos EUA (como a já mencionada emenda Platt, que instituiu o controle militar de Cuba pelos EUA, ou a emenda Hickenlooper, que os EUA pretenderam utilizar contra as nacionalizações do petróleo peruano em 1968), pelos pactos bilaterais ou pelos tratados regionais, sob patrocínio norte-americano, como o CONDECA na América Central. Essa situação correspondia perfeitamente às características da potência imperialista “sem colônias” (os EUA). Era um método de dominação mais barato, porque evitava a custosa (e arriscada) tarefa de manter permanentemente tropas nos territórios considerados como de “interesse vital” (embora a ocupação direta fosse sempre o último recurso, como o demonstrou a interminável lista de intervenções militares “ianques” em nosso continente, as bases militares nele disseminadas, ou a prolongada ocupação militar da Nicarágua durante a década de 1920).
A passagem do conjunto do continente para a órbita de influência político-militar norte-americana consolidara-se durante a Segunda Guerra Mundial. Na Conferência Interamericana de Chanceleres de Rio de Janeiro (1942), os EUA impuseram a quase todos os países latino-americanos a participação, beligerante ou não, no conflito bélico (em favor dos Aliados): só a Argentina e o Chile resistiram ao diktat ianque, expondo-se a sanções econômicas. Vários países centro-americanos propuseram, na ocasião, que fosse declarada a guerra aos países sul-americanos que não rompessem relações com os países do Eixo. Depois da guerra, a pressão política e militar completou-se com a assinatura (1947) do Tratado Inter-americano de Assistência Recíproca (TIAR), que previa o direito de intervenção militar em qualquer país latino-americano em caso de agressão externa (menciona-se explicitamente a “agressão externa do comunismo”, o que deixa uma margem de arbítrio bastante grande como para permitir uma intervenção militar, da OEA, sob qualquer motivo). A República Dominicana foi vitima em 1965 desse tratado, quando foi invadida pelos “marines” travestidos de soldados da OEA. O general nacionalista Perón, à diferença de seus predecessores “gorilas” de 1942, assinou esse tratado em nome da Argentina.
Os tratados, por outro lado, completaram-se com as mais variadas formas de “integração militar”, que colocaram os exércitos latino-americanos sob controle quase direto dos EUA. Uma das mais conhecidas foram as periódicas manobras navais UNITAS, começadas em 1957 com a presença conjunta das frotas dos EUA, da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Para Vivian Trias essas manobras consagraram o fim da influencia militar britânica na América Latina, e o triunfo completo das pressões militares e políticas norte-americanas para obter a absoluta hegemonia militar na região. O conteúdo dos “programas militares” latino-americanos dos EUA estava perfeitamente claro e explícito nas palavras seguintes de dois altos funcionários da administração norte-americana:
“Que é então a assistência militar? É um programa com cujos fundos são feitas compras àindustria norte-americana, para as forças dos países estrangeiros que, contando com vontade e material humano, carecem de meios de defesa; é um programa que traz a nosso pais entre dez e quinze mil estudantes militares estrangeiros anualmente, expondo-os não somente ao conhecimento militar norte-americano, como também ao modo de vida norte-americano; é um braço da política exterior dos EUA; defende predominantemente nosso interesse nacional”
(General Robert J. Wood)
“Os EUA não podem estar em todo lugar simultaneamente. A balança de forças e as necessárias alternativas com o mundo contemporâneo em transformação só podem ser conquistadas com amigos fiéis, bem equipados e prontos para cumprir com a tarefa que lhes cabe. O Programa de Assistência Militar foi projetado para impulsionar e conquistar tais forças e alternativas, já que ajuda a manter forças militares que complementam nossas próprias forças armadas”
(Robert McNamara, Secretário de Defesa dos EUA, em declaração defendendo o Programa de Assistência Militar para o ano fiscal de 1967).
Como parte de esse Programa foi criada a Escola Militar do Caribe (posteriormente School of Americas) na zona do Canal de Panamá, escola que desde 1961 teve o centro das suas atividades no treino “anti-insurrecional” (ou “contra-insurgente”) dos oficiais latino-americanos nela inscritos. A economia de esforços que este investimento militar significava para os EUA está ilustrada por estas cifras, de 1967: o custo médio de um soldado norte-americano era de 5.400 dólares, o de um das forças armadas “complementares”, 540. O Programa de Assistência Militar (PAM) foi o pilar de sustentação das Forças Armadas numa série de países (Bolívia, Republica Dominicana, Equador, Honduras, Guatemala, Panamá, Paraguai, a Nicarágua somozista) onde os exércitos se transformaram numa espécie de apêndice das Forças Armadas norte-americanas. Segundo John Saxe-Fernandez, as consequências que um tipo de assistência militar desta natureza provocaram na estrutura política latino-americana eram sem precedentes. A tradicional debilidade relativa das estruturas políticas civis que se opõem aos militares no sistema político viu-se aumentada ao grau da virtual impotência.
O impacto de tais programas nos países pobres e atrasados da América Central era, todavia, bem maior. A assistência militar deu a cada membro da Guarda Nacional da Nicarágua, sob a direção de “Tachito” Somoza, uma média de 900 dólares em equipamento e treinamento, para que exercesse o poder e conduzisse a violência contra uma população cuja renda anual per capita era de 250 dólares. No caso da Guatemala, a “ajuda militar” proporcionou ao soldado médio um poder para exercer violência (equipagem e treinamento) avaliado em 538 dólares, contra o guatemalteco médio, cuja renda anual era de 185 dólares. Más o programa de contra-insurreição e ação cívica militar foi mais longe: não somente aumentou em alto grau a superioridade relativa das forças armadas sobre o cidadão médio em qualquer situação de conflito físico, como também forneceu um marco ideológico que justificava e incitava a intervenção militar em esferas usualmente sob controle civil. Neste sentido, as forças armadas latino-americanas tendiam a se transformar em entes determinantes em questões político-econômicas e sociais.
Na década de 1960, o aumento do poder militar estava chegando ao estágio do takeoff, no qual auto-geravam seu próprio poder com um elevado grau de independência, quase uma autonomia, do sistema político respectivo. Na década de 1980, a crise nas relações políticas EUA-América Latina, derivada da guerra das Malvinas e dos conflitos na América Central, acarretou uma reformulação dos métodos da hegemonia militar dos EUA. As circunstâncias políticas obrigaram então o fechamento a School of Americas de Panamá, mas só para diversificar de modo mais eficaz as suas funções em outros territórios (Honduras, Puerto Rico, o Caribe em geral, e Fort Benning nos EUA).
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Cabe, então, caracterizar como “fascistas” os regimes militares latino-americanos das décadas de 1960 e 1970? As diferenças com os regimes da Alemanha nazista ou a Itália mussoliniana eram muitas:
a) Não se tratava de regimes de “partido único”, mas do domínio do Estado por uma casta militar.
b) Não suscitavam, nem dirigiam, como o fez o fascismo, um movimento de massas.
c) O mais importante: não constituíam um nacionalismo agressivo (como o fascismo) e menos ainda defensivo, mas uma espécie de apêndice de uma potência econômica e militar estrangeira.
A casta militar latino-americana não possuía uma ideologia própria, porque enquanto “casta” não constituía o movimento político próprio de nenhuma classe social do país (embora recebesse, de boa ou má vontade, o apoio das classes possuidoras, para as que chegou a ser o último recurso defensivo contra a insurreição social). A “Doutrina da Segurança Nacional” (DSN), na qual alguns viram a ideologia própria dos militares, não passava de um receituário ex post facto, com alguns elementos ideológicos, destinado a justificar o já feito, não a preparar um movimento político futuro. A respeito do caso chileno observou Alain Rouquié:
“Certamente uma DSN foi elaborada após o golpe de estado, e uma Academia de Segurança Nacional foi criada em 1974 para os oficiais, onde ensinavam professores civis da direita democrata-cristã, do Partido Nacional e do grupo fascista ‘Pátria e Liberdade’. Mas a ‘doutrina’ não tem outro objetivo que o de unificar as fileiras militares, fundamentando a posteriori e estrategicamente a intervenção política do Exército, evitando assim os estados de ânimo nas casernas. Mas a Junta Militar não teve nenhuma necessidade, para realizar a redenção política anunciada, de convencer e impulsionar os cidadãos, procurava ao contrário despolitizar e individualizar os produtores e consumidores”.
Toda vez que, ainda levada aos seus extremos a dependência militar, ela não chegou a conferir um estatuto colonial aos países latino-americanos, as manobras políticas regionais constituíram o instrumento privilegiado para a manutenção do status quo. Um aspecto essencial disso foi a utilização das rivalidades regionais – a Inglaterra foi mestre nesse jogo, e os EUA o projetaram em escala continental. A velha rivalidade Brasil-Argentina foi usada, durante as Conferências Interamericanas de 1938 a 1947 (nas quais deu-se forma acabada ao chamado “sistema pan-americano”), apoiando o Brasil, para abrandar a resistência argentina à ofensiva dos EUA: o Rio de Janeiro foi, em 1947, como já foi dito, o teatro da capitulação argentina.
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Em 1958, foi a vez do Brasil (com Juscelino Kubitschek) ter atritos com a política interamericana dos EUA: o governo argentino de Arturo Frondizi foi então o encarregado de quebrar qualquer apoio latino-americano à resistência brasileira, que tinha chegado ao rompimento de relações com o FMI em junho de 1958. Pouco tempo depois, a Ata de Bogotá consumaria a capitulação do Itamaraty. O nacionalismo de direita latino-americano, encorajador dos conflitos regionais, foi instrumento desse tipo de manobra. Certas teorias sobre os “sub-imperialismos” regionais esquecem o marco geral destes conflitos, que só podem ser compreendidos à luz da política mundial. Quando o que está em jogo é o equilíbrio político interno de um país, o intervencionismo externo assumiu formas mais diretas, sempre tendo no Exército o seu pilar. O Colégio Interamericano de Defesa foi criado levando isso em conta. Durante a década de 1950, a Comissão Mista Brasil-EUA não vacilou em criar um conflito entre as Forças Armadas e o poder civil no Brasil, inscrevendo unilateralmente alunos brasileiros (os que, poucos anos depois, assumiriam o poder político) apesar da oposição do Itamaraty. Militarização interna e intervencionismo externo sempre foram aspectos complementares, na América Latina.
Documentos secretos da Presidência de Richard Nixon (1969-1974) revelaram detalhes do apoio da Casa Branca ao governo brasileiro durante o período mais brutal da ditadura militar. Eles incluem a correspondência pessoal entre Nixon e o ditador Emílio Garrastazu Médici (cuja gestão foi de 1969 a 1974), memorandos e transcrições de conversas telefônicas entre autoridades dos dois países. Os registros vão de dezembro de 1969 a julho de 1973 e fazem parte dos arquivos do Conselho de Segurança Nacional de Nixon, que estão nos National Archives, em Washington. Os documentos revelam, entre outras coisas, que em dezembro de 1968 os EUA viram o fechamento do Congresso e a suspensão dos direitos políticos no Brasil como uma reação lógica a “provocações” esquerdistas e um mal necessário para impedir que o Brasil se transformasse numa “outra China”. Mostram ainda que a relação entre Nixon e Médici começou de forma desconfiada e conflituosa e avançou para uma colaboração estreita e frequente, baseada no sentimento anticomunista de ambos.
Para ganharem a confiança e a intimidade de Médici, os EUA desenvolveram uma estratégia para “massagear” o ego brasileiro, dando ao país tratamento de potência emergente e a Médici, de líder influente no mundo. Numa carta enviada a Médici, o presidente norte-americano disse ter-se lembrado de palavras do presidente brasileiro no exato momento em que conversava com o líder chinês Mao Tse-tung, durante a histórica visita de Nixon à China, em 1972. Os documentos mostram também que, pela “solidez ideológica” de Médici, Nixon convidou o Brasil a enviar tropas para supervisionar um cessar-fogo no Vietnã, em 1973 – convite rejeitado pelo Brasil. Como contrapartida, Médici alertava Nixon para movimentos subversivos na América Latina. Em 27 de abril de 1972, escreveu a Nixon para avisar-lhe que o governo socialista chileno de Salvador Allende estava treinando guerrilheiros com o objetivo de implantar na Bolívia um regime marxista. Allende seria derrubado, no ano seguinte, por um golpe militar apoiado pelos EUA.
O conteúdo completo de um arquivo sobre o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1977), aberto pelo Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca em 1974, simplesmente desapareceu, por razões não explicadas. Sobre o AI-5 – o ato institucional de 13 de dezembro de 1968 que fechou o Congresso, cassou mandatos e suspendeu direitos políticos –, há um memorando tratando da situação brasileira escrito a pedido de Henry Kissinger, então conselheiro de Nixon para assuntos de segurança nacional. O autor do documento é o general Vernon Walters, o mesmo agente da CIA que fora adido militar dos EUA no Brasil durante o golpe militar de 1964. Os documentos mostram que Walters foi visto como a maior referência sobre o Brasil na burocracia norte-americana até, pelo menos, 1974:
“Em 1964, um governo hostil foi substituído por um governo amigável e cooperativo, apoiado pelos militares, mas no qual ministros militares eram uma minoria. A oposição logo descobriu que o governo não era repressivo e, depois das eleições de 1966, procurou provocar o governo a tomar ações inconstitucionais. Neste mês ela (a oposição) teve sucesso e o governo fechou o Congresso e instituiu a censura. Os grupos que se opõem ao presente governo são fortemente hostis aos EUA (…). Os militares no Brasil (…) são na verdade o único grupo no país com a força e a organização para combater a subversão que está sendo praticada em escala global”.
Depois de sugerir que os EUA sob Nixon mantivessem o apoio ao governo militar brasileiro, Walters conclui o memorando em tom dramático.
“Não podemos nos permitir erros nessa região. Se o Brasil se perder, não será outra Cuba. Será outra China”.
O acervo mostra que, apesar da afinidade ideológica entre Nixon e Médici, diplomatas e militares brasileiros viam os EUA como um obstáculo à ascensão do Brasil como uma potência emergente. À época, dois conflitos poluíam a relação bilateral. Os EUA contestavam o limite marítimo de 200 milhas imposto pelo governo brasileiro para delimitar a soberania do país. Já Brasília criticava Washington por restringir as importações de café – na época, o produto mais importante da pauta de exportações do Brasil. Numa carta a Nixon, Kissinger explicou que, por causa do tamanho do Brasil, de seu ótimo desempenho econômico na época e da orientação anticomunista de seu governo, seria aconselhável dar tratamento preferencial a Médici. Nixon recebeu de Kissinger listas com os assuntos a serem tratados e com as possíveis reações de Médici a cada um deles. É em uma dessas listas (a que se refere a “assuntos polêmicos”) que consta a única referência à tortura e à repressão no Brasil. Num item curto, os norte-americanos desenvolveram uma resposta padrão para um eventual questionamento da imprensa sobre o tema: “Trata-se de assunto interno brasileiro”.
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A dificuldade, quando analisamos os governos militares das décadas de 1960 a 1980, consiste em determinar os rasgos comuns a regimes e situações políticas diversas. É claro, por exemplo, que os golpes militares de Velasco Alvarado e Ovando Candia, no Peru e na Bolívia de 1968, nacionalistas e “populistas”, diferiam em muito dos regimes repressivos e entreguistas de Pinochet, Costa e Silva ou Videla, no Chile, no Brasil e na Argentina, respectivamente: neste último país foram os “grupos de tarefa” da ditadura militar os que assassinaram o general boliviano Juan José Torres, que tinha encabeçado o governo boliviano em 1970-71, dando continuidade ao processo iniciado por Ovando Candia. Em que pesem as enormes diferenças, alguns pontos em comum de todos os regimes militares são evidentes: dissolução das instituições representativas, falência ou crise aguda dos regimes e partidos políticos tradicionais, militarização da vida política e social em geral. Os regimes militares “progressistas”, por outro lado, foram a exceção e não a regra nesses “anos de chumbo”.
Outro aspecto em comum é o crescente poderio, econômico, social e político, a partir das décadas de 1950-60, da instituição militar. Até a Segunda Guerra Mundial o excedente de capital acumulado nos países industriais avançados criou as crises periódicas do capital, muito especificamente em 1929 e 1937. As vastas demandas de gastos militares pelo Estado absorveram o excedente depois de 1937, mas a crise reapareceu em fins dos anos 1940 nos EUA. Posteriormente, os gastos militares dos EUA, combinados com a corrida espacial, mantiveram uma taxa de crescimento constante, ainda que lenta para toda a economia, e desde 1963 em diante o grande aumento no gasto militar gerou uma taxa de crescimento muito mais rápida, que se estendeu por uma década. O papel de “locomotiva” dos EUA deveu-se a uma série de fatores históricos precisos, que os colocaram já no período de entre guerras no centro do capitalismo mundial, e com a Segunda Guerra Mundial, como pilar hegemônico da ordem mundial: além das numerosas e valiosas vantagens de seu caráter histórico, o desenvolvimento dos EUA gozou da preeminência de um território imensamente grande e de uma riqueza natural incomparável.
A intervenção estatal como garantia do ciclo do capital em seu conjunto foi particularmente marcante na Europa, onde o problema que se apresentou no segundo pós-guerra foi o de reparar as devastações produzidas durante o conflito. Em todo o continente a destruição material havia sido enorme e havia existido muito pouco investimento neto. Ao mesmo tempo havia existido tal progresso nas técnicas e produção industriais durante a guerra, especialmente na América do Norte, que voltar simplesmente aos esquemas pré-bélicos teria deixado a Europa a mercê dos EUA nos aspectos econômicos tradicionais, e da URSS nos aspectos militares. Era particularmente importante – e custoso – modernizar os serviços básicos de transporte e de energia, dos quais dependia a recuperação (eles haviam protagonizado os debates sobre a propriedade pública antes da guerra) e coordená-los a nível nacional. Esses setores foram objeto da primeira onda de nacionalizações européias, que ocorreu depois da guerra. O principal motor, porém, em especial nos EUA, foi o gasto armamentista, ou seja, o gasto improdutivo do Estado, que durante a Segunda Guerra Mundial tinha permitido absorver o desemprego criado pela crise da década de 1930, e posteriormente tirar (com a guerra da Coréia) o país da recessão do final da década de 1940. Os gastos militares somaram, a partir da guerra da Coréia (1950), quantidades nunca antes atingidas. Nessas condições teve lugar a expansão do sistema capitalista internacional. Os gastos militares eram, para o sistema mundial capitalista, a principal causa da expansão e ainda do desaparecimento de uma parte das desproporções que antes limitavam a capacidade de expansão. Os encargos militares davam solução ideal ao problema colocado pela realização da mais-valia: preservavam a taxa de lucro no conjunto da economia e abriam, para as indústrias não-armamentistas, mercados que de outro modo não teriam existido.
A importância do gasto armamentista foi tal que a economista keynesiana Joan Robinson declarava, em 1962, que
“uma sequência de 17 anos sem uma recessão mundial séria é uma experiência inédita para o capitalismo [...] [mas] não se provou que as recessões possam ser evitadas, exceto pelos dispêndios em armamentos, e como, para justificar as armas, a tensão internacional tem de ser mantida, parece que o tratamento é muito pior do que a doença”.
Essa tensão internacional – EUA versus URSS, ou “comunismo versus mundo livre” – forneceria justamente o álibi ideológico para os golpes militares latino-americanos, que afirmaram bastante uniformemente que a democracia era “incapaz de conter o comunismo”. Durante os anos em que foram vigentes as ditaduras militares (entre meados das décadas de 1960 e 1980), a forma orgânica principal do mecanismo de dominação política foi a união pessoal dos representantes do grande empresariado com a camada superior da burocracia estatal, a cúpula das Forças Armadas e as sucessivas “equipes técnicas governamentais”. É preciso considerar, com Norberto Lechner, que o “discurso técnico neutral do autoritarismo não é tanto um encobrimento do poder, como sua expressão”. Nessa modalidade de exercício de poder, “a política se expressa em categorias econômicas e, por conseguinte, nos custa descobri-la enquanto política. Este peculiar processo pode ser considerado como um retorno à economia política liberal, eixo fundamental da resposta neoconservadora”. A ofensiva neoconservadora não apontava para a substituição de “uma autoridade política por outra autoridade política, mas tendia a substituir o poder político por um poder social. Pretendia, concretamente, transladar a determinação para a ordem do mercado. Esta transferência passava por um redimensionamento do espaço público”.
As ditaduras militares sul-americanas foram produto de processos políticos, específicos para cada país, em que as direções democráticas e dos trabalhadores foram postas à prova na sua capacidade de exercerem seu papel diante da alternativa de revolução ou contra-revolução. E também da militarização crescente das economias centrais, sob pretexto da Guerra Fria, que, no entanto, superou os limites temporais desse marco político internacional, chegando até os dias de hoje. Ainda é fecundo o ventre da besta imunda.
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* Ver: Everaldo de Oliveira Andrade. O Partido ObreroRevolucionario na Revolução Boliviana de 1952. Dissertação de Mestrado, FFLCH- USP, 1996; Mariano Baptista Gumucio. Breve Historia Contemporánea de Bolivia (1930-1976). La Paz, Gisbert, 1976; Omar de Barros F°. Bolivia: Vocação e Destino. São Paulo. Versus, 1980; Charles D. Corbett.The Latin America Military as a Socio-Political Force: case studies of Bolivia and Argentina, Miami, Coral Gables, 1972; James Dunkerley. Rebelion en las Venas. La lucha politica en Bolivia (1952-1972), La Paz, Quipus, 1987; Jorge Echazú Alvarado. El Militarismo Boliviano. La Paz, Liberación, 1988; Octavio Ianni. Imperialismo na América Latina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988; Gregorio Iriarte. Los Mineros, sus Luchas, Frustraciones y Esperanzas. La Paz, Puerta del Sol, 1983; Guillermo Lora. Contribución a la Historia Política de Bolivia (Historia del POR). La Paz, Isla, 1978; Luiz Bernardo Pericás. Che Guevara e a Luta Revolucionária na Bolívia. São Paulo, Xamã, 1997.
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Osvaldo Coggiola é professor titular de história contemporânea da Universidade de São Paulo. Nascido na Argentina, é autor, entre outros livros, de Introdução à teoria econômica marxista

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