quarta-feira, 31 de julho de 2013

"Rio, 40 Graus" (filme completo)

O povo do Rio de Janeiro e suas dificuldades



Rio, 40 graus é um filme brasileiro de 1955, com roteiro e direção de Nelson Pereira dos Santos.
É considerada a obra inspiradora do cinema novo, movimento estético e cultural que pretendia mostrar a realidade brasileira. O filme foi censurado pelos militares, que o consideraram uma grande mentira. Segundo o censor e chefe de polícia da época, "a média da temperatura do Rio nunca passou dos 39,6°C". (FONTE: Wikipédia, a enciclopédia livre.)




SINOPSE


Clássico nacional, um quase documentário sobre o modo de vida dos cariocas. Filme inspirado no neo-realismo italiano é grande influência e precursor do cinema novo. Mostra o Rio de Janeiro pela visão de cinco meninos de rua negros e pobres, que vendem amendoim em cinco pontos da cidade. Eles mostram o povo do Rio e suas dificuldades. A tensão diminui no escurecer, quando vão para o ensaio da escola de samba.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Seis questões sobre a urgência da democratização da comunicação*

Por Dênis de Moraes**

Retomo e amplio aqui seis pontos da entrevista que dei à jornalista Najla Passos, publicada pela revista MídiacomDemocracia, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em janeiro de 2013. As questões se tornam ainda mais oportunas neste momento em que se intensificam duas importantes campanhas de entidades da sociedade civil que lutam por um sistema de comunicação democrático no Brasil: “Para expressar a liberdade”, que defende uma nova e abrangente lei geral de comunicações; e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações, cuja finalidade é regulamentar os artigos da Constituição de 1988 que impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa e estabelecem princípios para a radiodifusão sob concessão pública (rádio e televisão). 

1. Por que a luta pela democratização da comunicação é uma necessidade urgente da sociedade brasileira?

A democratização do sistema de comunicação é uma exigência incontornável e inadiável diante da absurda concentração monopólica da mídia em mãos de poucos grupos privados e dinastias familiares. A legislação de radiodifusão brasileira continua sendo uma das mais anacrônicas da América Latina. Até hoje, não foram regulamentados os artigos 220 e 221 da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, que, respectivamente, impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa (art. 220, § 5º) e asseguram preferência, na produção e programação das emissoras de rádio e televisão, a “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, além da “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação” (art. 221, I e II). No caso da radiodifusão sob concessão pública, torna-se essencial uma regulação capaz de estabelecer os requisitos de interesse social para que as empresas concessionárias de rádio e televisão cumpram adequadamente suas atribuições de informar, esclarecer e entreter. São urgentes mecanismos legais para coibir a concentração e a oligopolização, além de assegurar lisura e transparência nos mecanismos de concessão de outorgas de canais. 

2. Qual tem sido a ação do Estado brasileiro no setor estratégico de comunicação?

O imobilismo dos sucessivos governos chega a ser alarmante. As políticas públicas de comunicação, quando existem, são absolutamente tímidas, limitadas, fragmentadas e desencontradas. Não há uma visão estratégica, por parte do poder público, sobre o estratégico campo da comunicação de massa. Isso é grave porque as políticas públicas são indispensáveis para a afirmação do pluralismo, como também para definir o que deve ser público e o que pode ser privado, resguardando o interesse coletivo frente às ambições particulares.

3. Quais as consequências deste imobilismo por parte do poder público?

As consequências são graves. A concentração da mídia não para de acentuar-se. É aguda a concentração na televisão aberta. De acordo com levantamento do projeto Os Donos da Mídia, seis redes privadas (Globo, SBT, Record, Band, Rede TV e CNT) dominam o mercado de televisão no Brasil. Essas redes privadas controlam, em conjunto, 138 dos 668 veículos existentes (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva. A Globo, além de metade da audiência, segue com ampla supremacia na captação de verbas publicitárias e patrocínios. De maneira geral, tem-se a percepção de que os governos se omitem em relação a esse grave problema por receio de contrariar os megagrupos que controlam o setor. Se esse receio não existe, por que nada se faz? Persiste o coronelismo eletrônico (concessões diretas ou indiretas de licenças de rádio e televisão a parlamentares e políticos profissionais). Até quando vamos testemunhar o fechamento de rádios comunitárias, com a apreensão, autorizada pela Anatel ou por mandados judiciais, de equipamentos pela Polícia Federal e o indiciamento dos responsáveis com base em dispositivos dos arcaicos Código Brasileiro de Telecomunicações (1962) e Lei Geral de Telecomunicações (1997)?

4. Na América Latina, o quadro parece bem diferente do brasileiro, pois governos progressistas têm tomado medidas importantes para atacar os monopólios e democratizar a comunicação em seus países. Quais as mais relevantes?

A defesa do direito social e humano à comunicação constitui um relevante avanço de perspectiva em países latino-americanos com governos progressistas. A participação protagônica do Estado nas questões comunicacionais é ponto consensual. Durante 30 anos, o neoliberalismo tentou nos convencer de que o mercado seria capaz de distribuir informações e conhecimentos de maneira equânime. Um engodo, já que o mercado é elitista e está estratificado, o que marginaliza os setores populares de maneira dramática. Então, numa região marcada por desequilíbrios e profundas desigualdades, o Estado precisa intervir para garantir a diversidade cultural, a soberania nacional e o acesso e o usufruto social das tecnologias. Desde a última década, a comunicação ingressou nas agendas públicas como um dos temas prioritários. Da atitude de comprometimento assumida por presidentes progressistas, como Cristina Kirchner, Rafael Correa, o saudoso Hugo Chávez e Evo Morales, resultaram legislações antimonopólicas, como, por exemplo, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (a chamada Ley de Medios), a Lei Orgânica de Comunicação do Equador, a Lei de Radiodifusão Comunitária do Uruguai e a Lei de Comunicação Popular da Venezuela. São leis avançadas e inclusivas, que renovam marcos regulatórios para a outorga de canais de rádio e televisão, apoiam meios alternativos e comunitários, fomentam o audiovisual independente e a integração cultural em bases cooperativas. Em suma, invertem, beneficamente, as prioridades em favor da liberdade de expressão e da cidadania, desfazendo privilégios e discriminações acumulados ao longo de décadas pelo capital privado.

5. O descompasso entre o Brasil e países vizinhos fica mais evidente...

O descompasso é gritante. Basta olharmos para os países vizinhos e verificarmos como o nosso país ficou para trás em termos de providências governamentais em prol da diversidade informativa e cultural. Os governos daqueles países não retrocedem, mesmo diante das sórdidas campanhas opositoras movidas por grupos monopólicos de mídia e elites reacionárias cujas vantagens e conveniências estão sendo afetadas pelas medidas democratizadoras. No Brasil, a menos de um ano e meio do término do mandato de Dilma Rousseff, vai se reduzindo muito a expectativa de que a presidenta rompa com a inércia de seus antecessores e demonstre vontade política para promover mudanças significativas no atual sistema de comunicação, a partir de consultas e discussões com os setores da sociedade civil envolvidos. Se isso acontecer, a era Lula completará 16 anos de convivência com a concentração monopólica da mídia e suas sérias consequências.

6. Qual o papel dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação, neste cenário?


Não é por falta de diagnósticos e proposições consequentes que não se renova o sistema de mídia do Brasil. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009 com a expressiva participação de delegados escolhidos por entidades da sociedade civil, pelo empresariado e pelo próprio governo, foi um marco histórico em termos de esclarecimento e discussão pública das questões comunicacionais, tendo sido precedida por uma série de conferências estaduais e municipais. A Confecom definiu os temas prioritários que devem ser enfrentados pelo poder público para a democratização da comunicação no país. E, no entanto, três anos e meio depois, a imensa maioria das 633 proposições da Conferência não foi implementada.

Nos últimos meses, vem crescendo a mobilização de entidades da sociedade civil em torno de duas iniciativas convergentes na luta pela democratização da comunicação no Brasil: a campanha “Para expressar a liberdade” (http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/) e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações (http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/index.php/2013-04-30-15-58-11). São propostas fundamentais que têm como pressuposto a necessidade de se pôr fim à concentração monopólica da mídia. Visam esclarecer, sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para a importância de construirmos um sistema de comunicação descentralizado e plural, com equilíbrio entre os três setores envolvidos: o estatal/público, o privado lucrativo e o social/comunitário não lucrativo. Essas iniciativas merecem o mais amplo respaldo popular.

* Desenvolvo questões abordadas neste artigo nos meus livros Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação,em parceria com Ignacio Ramonet e Pascual Serrano (São Paulo, Boitempo/Faperj, 2013), e Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação (Rio de Janeiro, Mauad/Faperj, 2011).

** Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO, Argentina, 2005). Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do CNPq e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Autor de mais de 25 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba.  Foi contemplado em 2010 com o Premio Internacional de Ensayo Pensar a Contracorriente pelo Ministerio de Cultura de Cuba e pelo Instituto Cubano del Libro


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Ato de racismo: a extrema-direita em ação

A ministra da Integração da Itália, Cécile Kyenge, de origem congolesa, foi vítima na última sexta-feira (26/07) de novo ato de racismo ao ser atingida por duas bananas lançadas por militantes do movimento Força Nova, de extrema-direita, enquanto discursava para aliados políticos.


domingo, 28 de julho de 2013

Piscinão de Guaratiba: as maracutaias envolvendo a Jornada Mundial da Juventude


"Campus Fidei" foi montado sobre aterro clandestino, diz Ministério Público


O "Campus Fidei", terreno de 1,32 milhão de metros quadrados em Guaratiba, na zona oeste do Rio, onde aconteceriam a vigília e a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), foi montado sobre um aterro clandestino, segundo o Ministério Público Estadual.

O terreno tem entre seus proprietários o empresário Jacob Barata Filho, de acordo com a promotora Christiane Monnerat, que apura o caso.

Ele é filho de Jacob Barata, conhecido no Rio como o "rei dos ônibus" por ser proprietário da maioria das linhas de coletivos da cidade.

A área, de manguezal, não poderia ser aterrada por ser de proteção ambiental. Além disso, o Ministério Público suspeita que foram utilizados entulho de obras e lixo hospitalar para o aterro.

Inquérito aberto na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, da Polícia Civil, investiga as responsabilidades sobre o aterro clandestino e também o fato de o Inea (Instituto Estadual do Meio Ambiente) ter concedido, em 2010, licença para que a empresa Vila Mar, dona do terreno, construísse um empreendimento habitacional.

Essa semana, proprietários da empresa e fiscais do Inea serão chamados a depor.

"É inacreditável que o poder público quisesse colocar o papa para celebrar uma missa sobre um aterro clandestino em uma área de proteção ambiental. Aquela estrutura não poderia ter sido montada ali", afirma a promotora Christiane Monnerat.

Duas perícias já foram feitas no terreno pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli, da Polícia Civil.

De acordo com a promotora, na primeira perícia foi comprovado o uso de entulho. A vistoria foi feita em janeiro, quando o local já tinha sido escolhido para receber a Jornada.

Ontem foi feita nova perícia para verificar quais mudanças ocorreram no terreno após as obras para a Jornada.


Ainda será necessária uma terceira perícia, com o uso de retroescavadeiras, para se verificar se houve de fato uso de lixo hospitalar no aterro.

Em nota, a assessoria da Jornada Mundial da Juventude informou que o terreno foi escolhido por ser uma área que permitia a peregrinação e "para não onerar os moradores de Copacabana".

Informou ainda que o terreno foi "preparado com carinho, de acordo com as normas legais".

Em nota, o Inea informou que as intervenções na área têm licença em vigor.
A Folha não conseguiu contato com o empresário Jacob Barata nem com sócios da Vila Mar.

Na quinta, a prefeitura e o Comitê Organizador da JMJ anunciaram a transferência da vigília e da missa de encerramento para Copacabana sob alegação de que as chuvas inviabilizaram a realização do evento lá.

Prefeito do Rio anuncia "bairro popular" em Guaratiba


Em meio à missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), afirmou via Twitter que o "campo da fé", em Guaratiba, será transformado em um bairro popular.

No local, seriam realizadas as atividades finais da Jornada, mas as fortes chuvas obrigaram a transferência dos atos para a praia de Copacabana. Desde então, a Igreja e a prefeitura têm sido bastante criticados por conta da falha na organização.

A igreja não afirmou até agora quanto foi gasto em Guaratiba. A prefeitura diz não ter colocado recursos dentro do "campo da fé", mas admite ter feito obras no entorno para facilitar o acesso das pessoas.

No Twitter, o prefeito do Rio afirmou: "Conversei com Dom Orani e com papa Francisco essa noite sobre a ideia de transformarmos o "campo da fé" em Guaratiba em um bairro popular. O fato é que a Igreja investiu muitos recursos ali e isso não poderia ser desperdiçado. Só os donos da área se beneficiariam".

Ainda segundo Paes, a prefeitura vai desapropriar a área pela via judicial e vai fazer concurso público para a criação de um bairro popular. "O papa ficou muito feliz. Além de tudo, é uma região da cidade em que muitas pessoas vivem em situação inaceitável. Já fizemos ali o BRT TRANSOESTE e o bairro terá toda infraestrutura". O local deve ser chamado de "campo da fé do papa Francisco".

FONTE: Folha de São Paulo

sábado, 27 de julho de 2013

Encontro entre Fidel Castro e Nicolás Maduro (Veja as fotos)

Neste sábado (27/7), o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, se reuniu com o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, por ocasião dos 60 anos do Assalto ao Quartel Moncada, comemorados ontem. Durante a conversa com Fidel, Maduro o presenteou com um quadro pintado pelo Comandante da Revolução Bolivariana, Hugo Chávez, durante os dias de seu tratamento médico em Havana, assim como um livro de Ignacio Ramonet, intitulado "Mi primera vida", que contém uma longa entrevista concedida por Chávez ao intelectual francês. Na reunião, Fidel e Maduro conversaram sobre o assalto ao Quartel Moncada, sua significação histórica e sobre a figura do Comandante Chávez. Fidel falou também de suas preocupações com as mudanças climáticas no planeta e suas consequências para a Humanidade. Também abordou a questão alimentar.









FONTE: telesur


Fascismo em nome de Deus

Por DRAUZIO VARELLA

Um Estado laico tem direito de submeter a sociedade inteira a uma minoria de fanáticos?

Há manhãs em que fico revoltado ao ler os jornais.

Aconteceu segunda-feira passada [22/7] quando vi a manchete de "O Globo": "Pressão religiosa", com o subtítulo: "À espera do papa, Dilma enfrenta lobby para vetar o projeto para vítimas de estupro que Igreja associa a aborto".

Esse projeto de lei, que tramita desde 1999, acaba de ser aprovado em plenário pela Câmara e pelo Senado e encaminhado à Presidência da República, que tem até 1º de agosto para sancioná-lo.

Se não houver veto, todos os hospitais públicos serão obrigados a atender em caráter emergencial e multidisciplinar as vítimas de violência sexual.

Na verdade, o direito à assistência em casos de estupro está previsto na Constituição. O SUS dispõe de protocolos aprovados pelo Ministério da Saúde especificamente para esse tipo de crime, que recomendam antibióticos para evitar doenças sexualmente transmissíveis, antivirais contra o HIV, cuidados ginecológicos e assistência psicológica e social.

O problema é que os hospitais públicos e muitos de meus colegas, médicos, simplesmente se omitem nesses casos, de forma que o atendimento acaba restrito às unidades especializadas, quase nunca acessíveis às mulheres pobres.

O Hospital Pérola Byington é uma das poucas unidades da Secretaria da Saúde de São Paulo encarregadas dessa função. Lá, desde a fundação do Ambulatório de Violência Sexual, em 1994, foram admitidas 27 mil crianças, adolescentes e mulheres adultas.

Em média, procuram o hospital diariamente 15 vítimas de estupro, número que provavelmente representa 10% do total de ocorrências, porque antes há que enfrentar as humilhações das delegacias para lavrar o boletim de ocorrência.

As que não desistem ainda precisam passar pelo Instituto Médico Legal, para só então chegar ao ambulatório do SUS, calvário que em quase todas as cidades exige percorrer dezenas de quilômetros, porque faltam serviços especializados mesmo em municípios grandes. No Pérola Byington, no Estado mais rico da federação, mais da metade das pacientes vem da Grande São Paulo e de municípios do interior.

Em entrevista à jornalista Juliana Conte, o médico Jefferson Drezzet, coordenador desse ambulatório, afirmou: "Mesmo estando claro que o atendimento imediato é medida legítima, na prática ele não acontece. Criar uma lei que garanta às mulheres um direito já adquirido é apenas reconhecer que, embora as normas do SUS já existam, o acesso a elas só será assegurado por meio de uma força maior. Precisar de lei que obrigue os serviços de saúde a cumprir suas funções é uma tristeza".

Agora, vamos ao ponto crucial: um dos artigos do projeto determina que a rede pública precisa garantir, além do tratamento de lesões físicas e o apoio psicológico, também a "profilaxia da gravidez". Segundo a deputada Iara Bernardi, autora do projeto de lei, essa expressão significa assegurar acesso a medicamentos como a pílula do dia seguinte. A palavra aborto sequer é mencionada.

Na semana passada, o secretário-geral da Presidência recebeu em audiência um grupo de padres e leigos de um movimento intitulado Pró-Vida, que se opõe ao projeto por considerá-lo favorável ao aborto.

Pró-Vida é o movimento que teve mais de 19 milhões de panfletos apreendidos pela Polícia Federal, na eleição de 2010, por associar à aprovação do aborto a então candidata Dilma Rousseff.

Na audiência, o documento entregue pelo vice-presidente do movimento foi enfático: "As consequências chegarão à militância pró-vida causando grande atrito e desgaste para Vossa Excelência, senhora presidente, que prometeu em sua campanha eleitoral nada fazer para instaurar o aborto em nosso país".

Quem são, e quantos são, esses arautos da moral e dos bons costumes? De onde lhes vem a autoridade para ameaçar em público a presidente da República?

Um Estado laico tem direito de submeter a sociedade inteira a uma minoria de fanáticos decididos a impor suas idiossincrasias e intolerâncias em nome de Deus? Em que documento está registrada a palavra do Criador que os nomeia detentores exclusivos da verdade? Quanto sofrimento humano será necessário para aplacar-lhes a insensibilidade social e a sanha punitiva?

FONTE: Folha de São Paulo, 27 de julho de 2013.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Cuba comemora 60 anos do início da revolução

Oito chefes de estado de países latino-americanos acompanham festejo com o presidente cubano, Raúl Castro

Acompanhado por chefes de Estado de oito países latino-americanos, o presidente de Cuba, Raúl Castro, liderou nesta sexta-feira (26), na cidade de Santiago, um ato em comemoração pelo 60º aniversário do assalto ao quartel Moncada, considerado o início da revolução no país.
Castro, irmão mais novo de Fidel, assumiu o governo do país em 2006 e têm colocado em vigor uma série de reformas sociais e econômicas, dentre elas o relaxamento das restrições para viagens e a abertura limitada para pequenos negócios e cooperativas privadas.
O evento principal de celebração começou às 7h15 locais (8h15 de Brasília) no antigo Quartel Moncada, que em 26 de julho de 1953 foi alvo da primeira, e fracassada, ação armada de Fidel Castro contra o ditador Fulgencio Bastista. Esse levante, que incluiu além disso o quartel Carlos Manuel de Céspedes, na cidade de Bayamo, e que contou também com a participação do atual presidente, é uma das datas emblemáticas do calendário político cubano ao lado do triunfo revolucionário de 1º de janeiro de 1959, e é celebrado na ilha como o "Dia da Rebeldia Nacional".
Os 60 anos do "26 de julho", como ficou conhecido depois o movimento guerrilheiro de Fidel Castro, reuniu os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro; Bolívia, Evo Morales; Nicarágua, Daniel Ortega; o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño; assim como os primeiros-ministros e líderes de quatro países do Caribe insulano: Antígua e Barbuda, Dominica, São Vicente e Granadinas e Santa Lúcia. Uma das presenças mais simbólicas neste ato é a do presidente do Uruguai, José Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro que passou quatorze anos na prisão durante a ditadura de seu país.

Discursos
Durante seus discursos, os líderes prometeram solidariedade a Cuba, protestaram contra o "imperialismo" estadunidense e o embargo econômico de Washington, que já dura 51 anos, fizeram elogios ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e disseram que a revolução cubana inspirou levantes armados e políticos em seus próprios países.
"As bandeiras da rebelião de Moncada continuam pertinentes", disse Maduro, cujo país fornece bilhões de dólares por ano em petróleo subsidiado para Cuba. "Cuba, Fidel, Raúl, a revolução cubana, inspiram os povos das nossas Américas e do mundo, acendendo a inextinguível chama da revolução", declarou Ortega.
Cerca de 10.000 pessoas, segundo a imprensa oficial cubana, assistiram ao ato realizado no Quartel Moncada. (com informações do CubaDebate.cu)

Dia Nacional da Rebeldia Cubana

60º Aniversário do Assalto ao Quartel Moncada!

 

A experiência de Moncada marcou a história de todo um continente, refletiu na história da humanidade e segue até hoje sendo trilhada pelo povo cubano.

 

“O Moncada nos ensinou a converter os reveses em vitórias. Não foi a única amarga prova da adversidade, mas já nada pode conter a luta vitoriosa de nosso povo. Trincheiras de ideias foram mais poderosas que trincheiras de pedras. Mostrou-nos o valor de uma doutrina, a força das ideias e nos deixou a lição permanente da perseverança e a perseverança nos propósitos justos. Nossos mortos heroicos não caíram em vão. Eles mostraram o dever de seguir adiante, eles acenderam nas almas a inspiração inextinguível, eles nos acompanharam nos cárceres e no desterro, eles combateram junto conosco durante toda a guerra. Vemos que renascem nas novas gerações que crescem ao calor fraternal e humano da Revolução”. (Fidel Castro. Ato central em comemoração do XX aniversário do ataque ao Quartel Moncada, 26 de julho de 1973).

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ao contrário do "pequeno príncipe", um terço dos bebês britânicos viverá na pobreza

Projeção é que o atual montante de 2,4 milhões de crianças vivendo na pobreza aumente para 3,4 milhões em 2020

Mais um entre cerca de dois mil nascidos no Reino Unido nesta segunda-feira (22/07). O furor em torno do filho do príncipe William, herdeiro do trono britânico, trouxe à tona um dado preocupante sobre a situação das crianças no país. De acordo com uma pesquisa governamental, um em cada três bebês que nascem no Reino Unido – cerca de quatro milhões de pessoas – irá viver na pobreza. Para a sorte do pequeno príncipe, que veio ao mundo já com título de nobreza, ele não faz parte dessa fatia desfavorecida.

De acordo com reportagem do The Independent, que cita estudo do Instituto Nacional de Estatística (ONS, na sigla em inglês), a projeção é que o atual montante de 2,4 milhões de crianças vivendo na pobreza aumente para 3,4 milhões em 2020. Além disso, as más condições às quais essas crianças serão expostas faz com que somente uma em cada quatro possa ter chances de viver até os 100. No Reino Unido, pobreza infantil é viver com menos de 60% da renda média nacional, ou o equivalente a 250 libras.

O jornal The Guardian ressalta que o cenário já foi mais crítico, durante o governo de Margaret Thatcher, morta nesse ano. Na época, 3,4 milhões de crianças eram pobres e as administrações trabalhistas conseguiram baixar esse número para 2,8 milhões em 13 anos. Agora o trabalho parece estar regredindo, resenha o Guardian. Já segundo estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o crescimento da pobreza em países desenvolvidos é preocupante desde o começo da crise. Somente em terras britânicas, 15% das crianças vivem em pobreza extrema.

Alimentação

Dados da Trussell Trust, a maior organização de bancos alimentares no Reino Unido, revelam outra face da pobreza no país. De acordo com a instituição, a situação de carência alimentar se agravou acentuadamente com as medidas de austeridade levadas a cabo com a recessão econômica.

Entre abril de 2012 e março de 2013, pelo menos 346.992 pessoas recorreram pelo menos uma vez ao dia ao centro em busca de produtos não perecíveis. Segundo eles, se trata de um aumento de 170% em comparação com igual período do ano anterior, em que foram socorridas um total de 128 697 pessoas. Esse período “foi muito mais difícil do que muitos esperavam. Ajudamos mais 100 mil pessoas do que tínhamos previsto”, afirmou o presidente da Trussell Trust, Chris Mould. No período 2010-2011, a organização cuidou de 61.468 pessoas, contra 40.898 no anterior (2009-2010).

FONTE: Opera Mundi

terça-feira, 23 de julho de 2013

A situação da cultura diante dos protestos de rua

Por Roberto Schwarz.
Apresentação preparada para o primeiro encontro do Cultura Atravessa, dia 08 de julho de 2013.

Caros amigos, vou ser breve. É uma grande alegria estar aqui com vocês, tentando tomar pé numa situação que é nova. Até onde sei, há tempos que não aconteciam reuniões como esta, o que torna o prazer maior ainda. Há uma frase de Brecht, acho que no Galileu, que diz que a liberdade é como um cachorro: basta alguém dizer o nome dela, que ela vem logo pulando.
Como muitos aqui, não tenho opinião firmada sobre o rumo que as coisas vão tomar. Não sei se o transporte público, a educação e a saúde – para ficar nas calamidades mais citadas – vão melhorar, nem sei quem vai ser o beneficiário dos protestos. Será o PT, o PSDB, o PMDB, o PSB etc., ou um movimento novo, ou, ainda, um aventureiro? Muita coisa pode acontecer, inclusive nada, e neste sentido devemos estar preparados para resultados decepcionantes. Entretanto, seja como for, para nós artistas e intelectuais é fato que algo de importante ocorreu e que a nossa situação mudou. Essa em todo caso é a minha impressão, mas naturalmente posso estar enganado.
Foi tudo muito rápido. Em duas semanas o Brasil que diziam que havia dado certo, que derrubou a inflação, que incluiu os excluídos, que está acabando com a pobreza extrema, que é um exemplo internacional, foi substituído por outro país muito pior, em que o transporte popular, a educação e a saúde são um desastre, em que a classe política é uma vergonha, sem falar na corrupção. Qual das duas versões estará certa? É claro que todos estes defeitos já existiam antes, mas eles não pareciam o principal; e é claro que aqueles méritos do Brasil novo continuam a existir agora, mas parece que já não dão a tônica. A viravolta, que foi impressionante, com certeza teve um lado midiático, de propaganda eleitoral, visando 2014. Ainda assim, ela é histórica, e vai fazer diferença, particularmente no âmbito da cultura. O espírito crítico, que esteve fora de moda, para não dizer excluído da pauta, tem agora a oportunidade de renascer.
Salvo engano meu, o nosso espírito crítico foi posto para dormir há mais ou menos 20 anos, no começo da década de 90, quando o Brasil entrou para a era da globalização e tomou conhecimento da nova hegemonia do capital, muito mais completa do que tudo que se havia visto anteriormente. Não que durante esse período não houvesse artistas ou intelectuais inconformistas, tentando dar forma artística ou conceitual à sua insatisfação, à sua percepção de que as coisas não são o que parecem. Mas a crítica não encontrava ressonância e ficava parecendo como que ranhetice ou má-vontade isolada, pessoal, coisa de gerações antigas. Na época, explicando que não cabia chamar o seu governo de neo-liberal, Fernando Henrique Cardoso dizia que, ideologias à parte, ele simplesmente fazia o necessário para adaptar o Brasil à ordem da globalização, para a qual não havia alternativa. Em inglês, TINA, as iniciais de there is no alternative. O que se opusesse a isso seria “nhenhenhém” ou “fracassomania”, vocês se recordam dessas expressões dele, que buscavam ironizar os pontos de vista contrários. A bem da verdade, é preciso reconhecer aliás que essa ironia funcionava, pois diante do gigantismo da nova ordem mundial e das perspectivas que ela abria, a resistência crítica parecia mesmo um pouco anêmica, sem pé no curso real das coisas. E ainda a bem da verdade, é preciso reconhecer também que os governos Lula e Dilma, embora com mais acento social, não diferiam de Fernando Henrique neste ponto, na visão cor de rosa do capitalismo, que seria a grande solução, e não um tremendo problema por sua vez.

Enfim, para retomar tudo isso num plano mais genérico e menos pessoal, digamos que o Brasil passou 20 anos imerso no otimismo quanto à nova ordem capitalista, a qual de fato lhe permitiu avançar muito, ao mesmo tempo que criava problemas crescentes, aqui e mundo afora. A cegueira para estas contradições, alimentada pela ideologia marqueteira oficial, pesava como um tapa-olho sobre a inteligência do país, que perdeu contato com o avesso das coisas, sem o qual não existe vida do espírito. Pois bem, a energia dos protestos recentes, de cuja dimensão popular ainda sabemos pouco, suspendeu o véu e reequilibrou o jogo. Talvez ela devolva à nossa cultura o senso da realidade e o nervo crítico, sem falar no humor, que nos seus momentos altos esta sempre teve.
Roberto Schwarz  é crítico e membro do Comitê editorial da revista Margem esquerda: ensaios marxistas, editada pela Boitempo Editorial.

ONG católica recusa postura do papa em relação a aborto

No Brasil, 65% das mulheres que já realizaram um aborto se declaram católicas. Para Rosângela Talib, coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, "a Igreja poderia ter um papel informativo importante" em relação a métodos contraceptivos. O papa Francisco e a Jornada Mundial da Juventude, no entanto, distribuirão um Manual de Bioética que considera a pílula do dia seguinte e o DIU como "atos de morte".
"Você arrumou um namorado, não tomou as precauções, agora você quer se livrar dessa criança... é uma vida que está aí dentro. Eu sei que muita gente acha que Deus não existe, duvidam da existência de Deus, mas pra mim um bebê é a prova mais concreta de que Deus existe." Assim terminou o discurso do Doutor César - médico interpretado por Antônio Fagundes na novela da Globo "Amor à Vida" - quando uma paciente o procurou para realizar um aborto. A novela não apresentou nenhuma outra personagem que se contrapusesse ao médico. Sua posição de moralização da conduta da mulher e identificação entre feto e bebê se estabeleceu como a única aceitável.

A curetagem (procedimento cirúrgico realizado após um aborto) foi a cirurgia mais realizada pelo SUS, segundo pesquisa. Também, o aborto inseguro é a quinta maior causa de mortalidade materna no país. 

O Brasil passa por um momento muito delicado em que a visão de mundo do Doutor César se perpetua e embasa projetos conservadores que violentam o estado laico de direito. 

Estatuto do Nascituro (que atenta contra os direitos mais básicos de preservação da saúde da mulher, de pesquisa científica e de liberdade de expressão) é defendido por setores da sociedade que possuem muitos representantes no Congresso, enquanto o PLC 3/2013, que visa a obrigatoriedade do primeiro atendimento aos casos de violência sexual em todos os hospitais, sofre duras críticas por parte de setores católicos e protestantes.

Por sua vez, o papa Franscisco e a Jornada Mundial da Juventude distribuirão aos fiéis um Manual de Bioética que considera a pílula do dia seguinte e o DIU como métodos abortivos.

Em entrevista à Carta Maior, Rosângela Talib, coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, mostra que há resistência a essa postura da Igreja entre entidades católicas: Rosângela vê a legalização do aborto como uma questão de saúde pública e que a diminuição do número de abortos não passa por um acirramento da moralização do sexo, e sim pela ampla distribuição e informação acerca dos métodos anticoncepcionais.

Carta Maior: Rosângela, conte um pouco mais sobre a Católicas pelo Direito de Decidir.

Rosângela Talib: Nós somos uma organização não-governamental fundada no Brasil em 1993. A primeira organização surgiu nos Estados Unidos, e hoje há uma rede de Católicas pelo Direito de Decidir presente em vários países da América Latina, na Espanha e outros países da Europa. Nosso objetivo central é ser uma outra voz dentro do catolicismo, principalmente no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Através de publicações, oficinas e seminários, tentamos mostrar que é possível ser católico e divergir da posição hegemônica imposta pela hierarquia da Igreja. Somos favoráveis à autonomia das mulheres para decidirem em relação ao seu corpo e sua vida reprodutiva, assim como à expressão diversa da sexualidade, não apenas a hétero-normativa.

Além disso, nos consideramos uma organização feminista e trabalhamos em coalizão com várias outras organizações feministas. Nossa diferença em relação a elas é exatamente o discurso católico. O Brasil é um país permeado pelos valores do catolicismo. Nossa contribuição é justamente desvelar a possibilidade do exercício de um catolicismo divergente daquele da hierarquia da Igreja. 

CM: Os inscritos na Jornada Mundial da Juventude receberão um "manual de bioética" em que a pílula do dia seguinte e o DIU são considerados métodos abortivos. Qual é a sua opinião em relação a este material?

RT: Os jovens peregrinos não receberão apenas esse manual, mas também um bonequinho de um feto de 12 semanas. É um "movimento pela vida" que tenta fazer com que os jovens creiam que o aborto é um homicídio, não importa em que caso: mesmo que a gravidez ofereça riscos à vida da mulher ou tenha decorrido de um estupro. Existe na vinda do papa um forte apelo para que os jovens permaneçam virgens até o casamento e não façam uso senão dos métodos contraceptivos "naturais" permitidos pela Igreja. O Vaticano mais de uma vez deu declarações de que a camisinha não é um método anticoncepcional adequado e nós consideramos isso uma grande irresponsabilidade.

Mesmo defendendo a possibilidade das mulheres decidirem, tudo o que gostaríamos é que nenhuma mulher tivesse de passar pela experiência do aborto, pois nenhuma delas passa por isso incólume. Para diminuir o número de abortamentos é necessário que todas as formas de contracepção sejam amplamente divulgadas. Uma pesquisa da UNB revelou que 64% das mulheres que realizaram o aborto eram casadas, 65% delas eram católicas e 81% delas já tinham filhos, mas as pessoas costumam dizer que "há tantos métodos, tanta informação por aí, as mulheres engravidam porque querem" - não é bem isso que vemos na realidade. 

As mulheres acabam abortando porque os parceiros as abandonam logo depois que elas engravidam. Eu costumo dizer que os homens são os primeiros a abortar e sobre eles não paira nenhuma penalidade. Além disso, muitas não tem a informação necessária para utilizar os métodos contraceptivos da forma correta. 

Conversando com uma agente de saúde eu soube do caso de uma mulher que, após ganhar peso por tomar a pílula anticoncepcional, decidiu distribuir aos filhos achando que aquilo poderia servir como uma espécie de vitamina. Esse tipo de situação ocorre pois não basta disponibilizar os métodos, também é necessário que as mulheres saibam como eles funcionam no seu organismo. 

Achamos que a Igreja poderia ter um papel informativo importante em termos da utilização destes métodos - a Igreja precisa se abrir para os novos tempos, para os novos valores, não se pode continuar a pautar a sexualidade como algo ruim que deve ser exercida somente para um fim procriativo. 

CM: O projeto de lei 3/2013, que prevê a obrigatoriedade do primeiro atendimento à mulher que sofreu violência sexual em todos os hospitais, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, e agora poderá ser sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. No entanto, a "bancada religiosa" e diversas entidades religiosas estão pressionando a presidenta Dilma para que ela vete o projeto, se não integralmente, pelo menos no artigo que refere-se justamente ao oferecimento da pílula do dia seguinte, o artigo da chamada "profilaxia da gravidez". Gostaria que a senhora falasse sobre o projeto e sobre a resistência que ele tem enfrentado.

RT: Antes de falar sobre isso, é necessário apresentar um breve histórico: o aborto é permitido desde 1940 em caso de risco para a mãe e no caso de estupro. A questão é que, se ele é permitido no código penal, também seria necessária uma regulamentação dizendo quem o fará, onde será feito, como será feito - o que nunca ocorreu. A única coisa que o governo fez foi uma norma técnica em 1998 - quando José Serra era Ministro da Saúde - e em 2005 essa norma foi revisada e republicada. Além disso, o STF recentemente permitiu o aborto no caso de bebês anencéfalos. Mas essa norma não possui a mesma força de uma lei, a norma torna apenas facultativo aos estados e aos municípios oferecer este tipo de atendimento. O projeto de lei que está sendo combatido pela bancada religiosa é a possibilidade de uma primeira regulamentação de um direito que existe há mais de 70 anos. 

O projeto visa que todos os hospitais devem oferecer o primeiro atendimento às vítimas de violência sexual, o que inclui, além da profilaxia das DST's, a profilaxia da gravidez, que nada mais é do que a pílula do dia seguinte. Este método não é considerado abortivo pela Organização Mundial de Saúde, mas a bancada religiosa não o aceita e não quer que exista uma lei que obrigue os hospitais a oferecê-lo a todas as mulheres.

Outra coisa que querem que a presidenta vete é o inciso que prevê que a mulher tenha acesso às informações sobre os procedimentos legais e todos os seus direitos, porque eles acreditam que, caso ela engravide por conta do estupro, ao ter todas as informações, ela procurará um serviço que realize o aborto legal. Isso é um absurdo! O direito à informação é um direito humano e todas as mulheres devem saber o que é legal para realizarem suas escolhas. 

Em 2005 fizemos um dossiê sobre os serviços de abortamento legal existentes no país. Nossa surpresa é que muitos nunca tinham feito nenhum aborto, declarando que não havia demanda. Com os índices de violência sexual que nós temos no país, como não havia demanda? Então encomendamos uma pesquisa ao Ibope sobre o conhecimento da população acerca da legislação. 60% não sabia que existia o direito ao aborto em caso de estupro e, dentre aquelas que conheciam este direito, 95% não conhecia qual serviço de saúde na sua cidade ou no seu estado realizavam esse procedimento. É uma política pública que de pública não tem nada, pois, se a mulher a desconhece, não vai acessar. É obrigação do Estado informar as mulheres dos seus direitos e o PL 3/2013 ajudará nisso, inclusive há disponível na internet um abaixo-assinado pedindo que a presidenta Dilma sancione o projeto

CM: Quais efeitos uma lei que proibe o aborto gera na sociedade? 

RT: Os países onde o aborto é legalizado são aqueles com a menor incidência de abortamentos, e por quê? Em primeiro lugar porque, ao ter acesso a serviços de saúde adequados, as informações e métodos contraceptivos são amplamente oferecidos. Em segundo lugar, porque, no caso da realização do aborto, a mulher sai do hospital com todas as orientações e métodos, o que diminui a reincidência. O que a proibição faz: levar as mulheres à clandestinidade. O que vemos no Brasil é que nem a proibição, seja pela Igreja ou pela lei, impede que as mulheres realizem o aborto, que é hoje a quinta maior causa de mortalidade materna no país.

E as que mais sofrem as consequências do aborto inseguro são as mulheres negras e pobres, como apontam diversas pesquisas. As mulheres que podem viajam ao exterior para realizar o procedimento ou pagam clínicas particulares clandestinas. Além das questões religiosas que permeiam o debate, há a questão da saúde pública. Nós cremos que a legalização do aborto é uma questão de saúde pública pois as mulheres que recorrem ao aborto inseguro morrem ou acabam tendo sequelas gravíssimas.

Uma amiga que trabalha no Hospital Jabaquara me contou que, um dia desses, uma mulher chegou ao pronto socorro com o útero inteiro queimado. Ela havia colocado chumbinho de rato na vagina para tentar abortar, teve uma infecção generalizada e tiveram de tirar seu útero.

Esse tipo de situação ocorre porque setores conservadores insistem em dificultar as informações acerca dos métodos anticoncepcionais e porque a lei proibe que a mulher possa realizar o aborto em um serviço de saúde adequado.


FONTE: Carta Maior