terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Para entender o sistema político em Cuba


O texto abaixo, "O sistema político em Cuba: uma democracia autêntica", de autoria de Anita Prestes, é uma descrição sintética do funcionamento do sistema político de Cuba, mostrando a articulação dos aspectos históricos e culturais dos cubanos aos procedimentos de representação direta implantados pela Revolução. Trata-se de um ponto de referência para contrapor-se à mídia a serviço do imperialismo, que investe na promoção da blogueira Yoani Sánchez e na depreciação da abertura da nova legislatura do Parlamento cubano e da reeleição do "ditador" Raúl Castro para presidente do Conselho de Estado de Cuba.





O sistema político em Cuba: uma democracia autêntica

Cuba constitui um sistema de poder popular único, autóctone, que não é cópia de nenhum outro

“O governo do povo, pelo povo e para o povo”
(Abraham Lincoln)

Anita Leocadia Prestes*

Ao estudar o sistema político vigente em Cuba, é necessário lembrar que seus antecedentes remontam ao ano de 1869, quando o povo da pequena ilha caribenha lutava de armas na mão pela independência do jugo colonial espanhol. Seus representantes se reuniram na parte do território já liberado e constituíram a Assembléia Legislativa, que aprovou a primeira Constituição da República de Cuba em armas. Era assim estabelecida a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e abolida a escravidão até então existente. Essa primeira Assembléia Constituinte elegeu o Parlamento cubano daquela época e também, de forma democrática, seu Presidente, assim como o Presidente da República de Cuba em armas, designando ainda o Chefe do Exército que levaria adiante a luta pela independência.
Cuba socialista reconheceu a importância de tal herança e, inspirada também nos ensinamentos do grande pensador e líder revolucionário José Marti, chegou a criar um sistema político que constitui um Sistema de Poder Popular único, autóctone, que não é cópia de nenhum outro. Em Cuba não existem os chamados três poderes (executivo, legislativo e judiciário), característicos do sistema político burguês. Há um só poder – o poder popular. Como o povo exerce o poder? Segundo a Constituição, o povo o exerce quando aprova a Constituição e elege seus representantes e, em outros momentos, mediante as Assembléias do Poder Popular e outros órgãos que são eleitos por estas Assembléias, como é o caso do Conselho de Estado, órgão da Assembléia Nacional. Portanto, o poder popular é único e exercido através das Assembléias do Poder Popular.
Outro elemento importante do sistema político cubano é a existência, de acordo com a Constituição, de um único partido – o Partido Comunista. Não se trata de um partido eleitoral, e por isso não participa do processo eleitoral, designando ou propondo candidatos ou realizando campanha a favor de determinados candidatos. Seguindo o caminho apontado por José Marti, fundador do Partido Revolucionário Cubano - partido único como única via para conquistar a unidade de todo o povo na luta pela independência e a soberania do país, e também na luta por justiça social -, o Partido Comunista de Cuba se diferencia do conceito clássico de partidos políticos; além de não ser um partido eleitoral, é o partido dirigente da sociedade, cujas funções e cujo papel são reconhecidos pela imensa maioria do povo. A definição do seu papel está inscrita na Constituição, aprovada em referendo público, mediante voto livre, direto e secreto de 97,7% da população.
É importante ressaltar que o PC é constituído pelos cidadãos mais avançados do país, o que se garante mediante um processo de consulta das massas. São os trabalhadores que não pertencem ao PC que propõem, em assembléias, as pessoas que devem ser aceitas em suas fileiras. Depois que o Partido toma decisão sobre as propostas dos trabalhadores, se reúne novamente com eles para informá-los. Quando toma decisões em seus congressos, o PC as discutiu antes com a população. O Partido não dá ordens à Assembléia Nacional do Poder Popular nem ao Governo. O PC, após consultar o povo, sugere e propõe aos órgãos do Poder Popular e ao Governo as questões que somente a essas instituições cabe o papel de decisão.
O Parlamento cubano se apóia em cinco pilares de uma democracia genuína e verdadeira, a saber:
  • O povo propõe e nomeia livre e democraticamente os seus candidatos.
  • Os candidatos são eleitos mediante voto direto, secreto e majoritário dos eleitores.
  • O mandato dos eleitos pode ser revogado pelo povo a qualquer momento.
  • O povo controla sistematicamente os eleitos.
  • O povo participa com eles da tomada das decisões mais importantes.
O sistema do Poder Popular em Cuba é constituído pela Assembléia Nacional, as Assembléias Provinciais, as Assembléias Municipais, o Conselho Popular e a Circunscrição Eleitoral, que é o degrau básico de todo o sistema. Nenhum desses órgãos está subordinado a outro, mas todos funcionam de forma que suas funções e atividades sejam complementares, tendo em vista alcançar o objetivo de que o povo possa exercer o governo de maneira prática e efetiva.
O sistema do Poder Popular se apresenta atualmente em Cuba da seguinte maneira: no nível nacional, a Assembléia Nacional do Poder Popular; em cada uma das 14 províncias, as Assembléias Provinciais do Poder Popular e nos 169 municípios, as Assembléias Municipais; no nível de comunidade, os Conselhos Populares (1540); cada Conselho agrupa várias circunscrições eleitorais e é integrado pelos seus delegados, dirigentes de organizações de massas e representantes de entidades administrativas. No nível de base, ainda que sem formar parte de maneira orgânica da estrutura do sistema do Poder Popular, nem do Estado, tem-se a circunscrição eleitoral. A circunscrição eleitoral e o seu delegado são a peça-chave, a peça fundamental do sistema. A circunscrição se organiza para efeito das eleições, mas o delegado continua funcionando na área por ela abarcada e, por isso, a mesma continua sendo sempre denominada de circunscrição.
Participam das eleições todos os cidadãos cubanos a partir dos 16 anos de idade, que estejam em pleno gozo dos seus direitos políticos e não se incluam nas exceções previstas na Constituição e nas leis do país. Os  membros das Forças Armadas têm direito a voto, a eleger e a ser eleitos. A Constituição estabelece que cada eleitor tem direito a um só voto. O voto é livre, igual e secreto. É um direito constitucional e um dever cívico, que se exerce de maneira voluntária, e quem não o fizer não pode ser punido.
Diferentemente dos sistemas eleitorais das democracias representativas burguesas, em que os candidatos aos cargos eletivos são escolhidos e apresentados pelos partidos políticos, em Cuba o direito de escolher e apresentar os candidatos a Delegados às Assembléias Municipais do Poder Popular é exclusivamente dos eleitores. Esse direito é exercido nas assembléias gerais dos eleitores das áreas de uma circunscrição eleitoral da qual eles sejam eleitores. A circunscrição eleitoral é uma divisão territorial do Município e constitui a célula fundamental do Sistema do Poder Popular. O número de circunscrições eleitorais em cada Município é determinado a partir do número de seus habitantes de maneira que o número de delegados das circunscrições à Assembléia Municipal nunca seja inferior a trinta.
O registro eleitoral em Cuba é automático, público e gratuito; todo cidadão, ao atingir os 16 anos de idade e estando em pleno gozo dos seus direitos políticos, é registrado como eleitor. Segundo a lei, no país são realizados dois tipos de eleições: 1) eleições gerais, em que são eleitos, a cada cinco anos, os Deputados à Assembléia Nacional e demais instâncias de âmbito nacional, incluindo o Conselho de Estado, assim como os Delegados às Assembléias Provinciais e Municipais e seus Presidentes e Vice-presidentes; 2) eleições parciais, a cada dois anos e meio, em que são eleitos os Delegados às Assembléias Municipais e seus Presidentes e Vice-presidentes. Deve-se assinalar que tanto os Deputados à Assembléia Nacional quanto os Delegados às Assembléias Provinciais e Municipais são eleitos diretamente pela população.
As eleições são convocadas pelo Conselho de Estado, órgão da Assembléia Nacional que a representa entre os períodos de suas sessões, executa suas decisões e cumpre as funções que a Constituição lhe atribui. Para organizar e dirigir os processos eleitorais, são designadas Comissões Eleitorais Nacional, Provinciais, Municipais, de Distritos, de Circunscrição e, em casos necessários, Especiais. A Comissão Eleitoral Nacional é designada pelo Conselho de Estado, as Comissões Provinciais e Especiais são designadas pela Comissão Eleitoral Nacional, as Comissões Eleitorais Municipais pelas Comissões Eleitorais Provinciais e assim por diante. Todos os gastos com as eleições são assumidos pelo Orçamento do Estado; portanto os candidatos nada gastam durante todo o processo eleitoral.
Para elaborar e apresentar os projetos de candidaturas de Delegados às Assembléias Provinciais e de Deputados à Assembléia Nacional e para preencher os cargos que são eleitos por elas e as Assembléias Municipais, são criadas as Comissões de Candidaturas Nacional, Provinciais e Municipais integradas por representantes das organizações de massas e de estudantes e presididas por um representante da Central de Trabalhadores de Cuba, assegurando desta maneira a direção dos trabalhadores em todo o processo eleitoral.A propaganda eleitoral é feita exclusivamente pelas Comissões Eleitorais, garantidas a todos os candidatos condições de igualdade; nenhum candidato pode fazer campanha para si próprio.
Para ser proposto como candidato a Deputado à Assembléia Nacional, é necessário ter sido apresentado como pré-candidato por uma das organizações de massas do país, que a Comissão Nacional de Candidaturas submeta essa proposta à consideração da Assembléia do Poder Popular do município correspondente, e que esta, pelo voto de mais da metade dos Delegados presentes, aprove a sua designação como candidato por esse território. Será considerado eleito Deputado à Assembléia Nacional o candidato que, tendo sido apresentado pela respectiva Assembléia Municipal, tenha obtido mais da metade dos votos válidos emitidos no Município ou Distrito Eleitoral, segundo o caso de que se trate. As eleições para os demais níveis do Poder Popular seguirão a mesma sistemática.
Em Cuba, os Deputados à Assembléia Nacional e os Delegados às demais Assembléias não recebem nenhum tipo de remuneração pelo exercício do mandato popular; continuam exercendo suas profissões em seus locais de trabalho e recebendo o salário correspondente. A Assembléia Nacional se reúne duas vezes ao ano, as Provinciais Municipais com maior frequência. Os Deputados e Delegados exercem seus mandatos junto aos seus eleitores, prestando-lhes contas periodicamente e podendo, de acordo com a Lei, serem por eles removidos a qualquer momento, desde que, em sua maioria, considerem que seus representantes não estão correspondendo aos compromissos assumidos perante o povo.
Sem espaço para um exame mais detalhado do Sistema Político de Cuba, é esclarecedor, entretanto, abordar o processo de eleição do Presidente do país, que é o Presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. Para ser eleito Presidente, é necessário ser Deputado e, por isso, deve ter sido eleito por voto direto e secreto da população, da mesma forma que todos os 609 Deputados da Assembléia Nacional. No caso específico, por exemplo, do Presidente Fidel Castro, ele foi designado candidato pela Assembléia Municipal de Santiago de Cuba e eleito pelos eleitores de uma circunscrição do município e, além disso, eleito pela maioria, pois a Lei eleitoral estabelece que nenhum Deputado pode ser eleito sem obter mais de 50% dos votos válidos. Posteriormente, sua candidatura a Presidente do Conselho de Estado foi votada pelos Deputados, devendo alcançar mais de 50% dos votos para ser considerado eleito.
A abordagem realizada do Sistema Político de Cuba, ainda que sucinta, evidencia seu caráter popular e democrático, que é, entretanto, permanentemente distorcido e falsificado pela mídia a serviço dos interesses do grande capital internacionalizado.
* Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.


Leia também a intervenção de Fidel Castro durante a sessão de constituição da VIII Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular. Clique no título abaixo.

No luchamos por gloria ni honores; luchamos por ideas que consideramos justas



Intervención del líder histórico de la Revolución Cubana, Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz, durante la Sesión de Constitución de la VIII Legislatura de la Asamblea Nacional del Poder Popular.


Queridos compañeros:
Agradezco profundamente el noble gesto del pueblo al elegirme como diputado a la Asamblea Nacional del Poder Popular de Cuba.
No será mucho el tiempo que ocupe en la intervención de hoy, ni tampoco el espacio de este honroso escaño como diputado, y no por falta de voluntad, sino por imperativo de la naturaleza.
Jamás pensé que mi existencia se prolongara tanto, y que el enemigo fuera suficientemente torpe en su odioso oficio de eliminar adversarios decididos a luchar.
En esa desigual lucha, nuestro pueblo demostró su asombrosa capacidad de resistir y de vencer. ¡Sí, porque cada año de resistencia entre 1959 y 2013 fue una victoria que nuestro pequeño país tiene derecho a proclamar!
No luchamos por gloria ni honores; luchamos por ideas que consideramos justas, a las que, como herederos de una larga lista de ejemplos, millones de cubanos han consagrado su juventud y su vida. Una cifra lo expresa todo: a ochocientas mil personas se eleva el número de los cubanos que han cumplido abnegadas misiones internacionalistas. Si al triunfo de la Revolución en el año 1959 no llegábamos a 7 millones de habitantes, se puede medir el significado de tales esfuerzos.
Esto sin embargo no lo expresa todo. En octubre de 1962, la nación estuvo a punto de convertirse en campo de batalla nuclear. Un año y medio antes, en abril de 1961, una expedición mercenaria entrenada, armada y escoltada por la Marina de Estados Unidos, desembarcó en Bahía de Cochinos y estuvo a punto de provocar una sangrienta guerra que habría costado a los invasores norteamericanos cientos de miles de vidas —lo afirmo sin exageración— y a nuestro país, destrucción y pérdidas humanas realmente incalculables.
Poseíamos entonces alrededor de cuatrocientas mil armas y sabíamos como usarlas. En menos de 72 horas el fulminante contraataque revolucionario evitó aquella tragedia, tanto a Cuba, como al pueblo de Estados Unidos.


Fuimos víctimas de la “guerra sucia” durante mucho tiempo, y 25 años después de la Crisis de Octubre, tropas internacionalistas defendían Angola de los invasores racistas sudafricanos, provistos ya en esa época de varias armas nucleares con tecnología y partes esenciales suministradas por Israel con la aprobación de Estados Unidos. En aquella ocasión la victoria de Cuito Cuanavale, y el posterior avance resuelto y audaz de las fuerzas cubanas y angolanas, equipadas con los medios aéreos, antiaéreos y la organización adecuada para liberar territorios todavía ocupados por los invasores, disuadieron a Sudáfrica, de que no le quedaba otra alternativa que abandonar sus ambiciones nucleares y sentarse en la mesa de negociaciones: El odioso sistema racista dejó de existir.
Entre todos hemos llevado a cabo la modesta proeza de una Revolución profunda que, partiendo de cero, nuestro pueblo fue capaz de realizar. A los primeros núcleos revolucionarios se fueron sumando otros. Nos unía el deseo de luchar y el dolor por la tragedia del país ante el golpe brutal. Mientras unos tenían esperanzas en un futuro al que veían todavía muy lejano, otros meditábamos ya en la necesidad de dar un salto en la historia.
Entre el golpe de Estado del 10 de Marzo de 1952 y el 1º de Enero de 1959 transcurrieron solo 6 años y 296 días; por primera vez, en nuestra Patria, el poder había quedado totalmente en manos del pueblo.
La batalla comenzó entonces contra la ignorancia política y los principios antisocialistas que el imperio y la burguesía habían sembrado en nuestro país. La lucha de clases desatada a pocas millas de la sede del imperio fue la escuela política más eficiente que ha tenido nunca un país; hablo de una escuela que abrió sus puertas hace más de 50 años. Hombres y mujeres, desde los pioneros hasta las personas que posean muchos más años, hemos sido alumnos de esa escuela.


Sin embargo la gran batalla que, de acuerdo a lo que me contaba Raúl hace unos días, se impone, es la necesidad de una lucha enérgica y sin tregua contra los malos hábitos y los errores que en las más diversas esferas cometen diariamente muchos ciudadanos, incluso militantes.
La humanidad ha entrado en una etapa única de su historia. Los últimos decenios no guardan relación alguna con los miles de siglos que la precedieron.


En el año 2011 la población mundial arribó a 7 mil millones de habitantes, lo que constituye una cifra alarmante. En solo dos siglos la población del mundo se multiplicó por siete, alcanzando un ritmo de necesidades alimentarias vitales que la ciencia, la tecnología y los recursos naturales del planeta están muy lejos de lograr.
Pueden hacerse decenas de cálculos, hablar de Malthus o del Arca de Noé, basta saber lo que es un gramo y lo que produce una hectárea de cualquier alimento y sacar sus conclusiones.
Tal vez el Primer Ministro inglés o el presidente Obama sepan la respuesta que prolongue unos días más la vida humana, la multiplicación de los panes y los peces, y las palabras mágicas para persuadir a los africanos, los habitantes de la India, América latina y todos los países del Tercer Mundo, que no tengan hijos.
Hace dos días una agencia internacional recordaba que un multimillonario estadounidense, Dennis Tito, había gastado 20 millones de dólares para pagar su viaje a la Estación Espacial Internacional, donde permaneció varios días en el año 2001.
Ahora Tito, que parece ser de verdad un fanático de la exploración espacial, estaba discutiendo los detalles para incursionar al planeta Marte. El viaje durará 501 días. ¡Eso sí es disfrutar la plusvalía! Mientras los polos se derriten velozmente, el nivel de los mares sube por el cambio climático, inundando grandes áreas en unas pocas decenas de años, todo lo cual supone que no habrá guerras y las sofisticadas armas que se están produciendo a ritmo acelerado no se usarán nunca. ¿Quién los entiende?
Concluyo para cumplir mi promesa de ser breve en estas palabras de saludo a nuestra Asamblea Nacional.
En el 118 Aniversario del Grito de Baire y el 160 del nacimiento de nuestro Héroe Nacional, me complace rendir tributo al revolucionario, antiimperialista y bolivariano que sembró en nuestros jóvenes las primeras semillas del deber.


¡Muchas gracias!



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um espectro ronda o mundo: 165 anos do Manifesto Comunista



No final de fevereiro de 1848, exatos 165 anos atrás, foi publicado em Londres um pequeno panfleto que acabaria por se tornar o documento político mais importante de todos os tempos: o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. Passado mais de um século e meio, a atualidade e o vigor deste texto continuam reconhecidos por intelectuais das mais diversas correntes de pensamento. 


Confira, abaixo, as aulas de Chico de Oliveira e Osvaldo Coggiola sobre o Manifesto Comunista, no Curso Livre Marx-Engels, nas edições I e III, respectivamente:





###########################################################

Pelos 165 anos do Manifesto do Partido Comunista

Jorge Henrique Costa Junior

Há quem não acredite que existam classes sociais. Há quem não acredite que o universo tem mais de 13 bilhões de anos e o planeta terra alguns bilhões. Há quem não acredite na observação científica da história. Há quem duvide que o homem esteve na lua. Há quem duvide que temos um ancestral em comum com os macacos modernos e que, como espécie possuímos em torno de 200 mil anos. Há quem duvide que o socialismo é o caminho para a emancipação humana.

Por outro lado, não faltam os que acreditam em Seres do além e demônios possuidores de senhoras indefesas. Não faltam os que acreditam nos maiores disparates, completamente irracionais; de sucessivos fins de mundo falhos a mapas astrais que definem comportamentos.

Ou seja, ao que parece, hoje é mais difícil crer no que é inquestionavelmente provado, do que crer no improvável e fantasioso. Pela lógica, o oposto deveria ser verdadeiro. Mas, definitivamente, são muito mais numerosos os que creem em fantasias sem evidências, ou que a própria realidade evidencia o contrário.

Não por acaso, as doutrinas reacionárias contém sempre um componente religioso ou místico, de tradição, família, propriedade, igreja e afins.

Um mundo imutável é uma crendice. Uma sociedade imutável é uma crendice. Propagar a ideia de que há igualdade num sistema baseado na desigualdade é uma crendice; mais que apenas isso, é charlatanismo econômico. Querer fazer crer que é possível reestruturar tal sistema sócio-econômico, garantindo pleno emprego e igualdade, utilizando “troikas” liberalizantes ou medidas de “aquecimento de mercado”, é curandeirismo econômico.

Infelizmente (neste caso, pois o princípio da legalidade é de fato um direito fundamental) o direito penal não permite expandir tipos penais por analogia… Talvez por isso o charlatanismo e o curandeirismo clássicos, religiosamente ministrados, sejam acoitados pelo Estado brasileiro, pela mera identificação.



Há 165 anos o Manifesto do Partido Comunista apresentava ao mundo o materialismo histórico-dialético, e a compreensão científica da história e dos fatos. 165 anos depois a regressão ao obscurantismo religioso e político é evidente. Mas, claro está, a realidade não se modificou, bem como as teorias advindas da sua observação científica não perderam a validade. Apenas tornaram-se mais desenvolvidos os aparatos ideológicos de mistificação e acobertamento da realidade. Algo como uma idade das trevas sui generis.

O conhecimento da realidade leva necessariamente à necessidade de transformá-la. E a transformação começa pela derrocada das relações de dominação de classe. O Manifesto do Partido Comunista é um dos textos mais vivos já escritos pela humanidade, desejosa de se ver livre da opressão classista que oprime a todos. Eis por que seu desfecho ainda faz tremer a Classe burguesa e seus lacaios.

“[...] Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.
Proletários de Todos os Países, Uni-vos!” (MARX e ENGELS, 1848)

Fonte: JCA

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Nova edição brasileira de “O Capital” e ciclo de seminários mostram a vitalidade de Karl Marx


Reportagem de Cassiano Elek Machado publicada na Folha de S.Paulo de hoje, 22 de fevereiro de 2013.

Nos arredores de Budapeste há um parque chamado Szoborpark, o Parque das Estátuas. Criado em 1993, este museu ao ar livre abriga esculturas que perderam espaço na Hungria com o fim do regime comunista.
Além de bustos de obsoletos líderes locais, como Béla Kun, estão lá, entre estátuas de Lênin e Stálin, diversas esculturas representando a efígie barbuda de Karl Marx.
Para muitos, nada mais adequado. Com o fim dos regimes comunistas, as ideias do intelectual alemão teriam virado perfeitos objetos de museu. Para outros tantos, porém, Marx (1818-1883), o autor do “Manifesto Comunista” (obra que completou ontem 165 aninhos), está mais vivo do que nunca.
No Brasil, ao menos, as ideias do filósofo, economista, cientista social, jornalista e historiador vivem um de seus grandes momentos.
Prova concreta disso chega nas próximas semanas às livrarias nacionais. A editora Boitempo, que vem lançando todas as obras de Marx e de seu parceiro intelectual,o compatriota Friedrich Engels (1820-1895), publica agora em março o primeiro dos três volumes de “O Capital”, seu trabalho de mais fôlego.
Será apenas a segunda edição integral brasileira do ensaio, lançado originalmente em 1867. Antes disso, houve apenas uma tradução completa, feita nos anos 1960 por Reginaldo Sant’anna (além de uma edição parcial, coordenada por Paul Singer, no início dos anos 1980).
Em conjunto ao lançamento da nova edição de “O Capital”, a Boitempo e o Sesc-SP promovem, a partir de março, um ciclo de palestras e debates sobre Marx que se estenderá até maio.
“Marx – A Criação Destruidora” (veja programação completa acima) terá a participação de mais de 20 intelectuais de diversas áreas do conhecimento, incluindo convidados internacionais de renome, como o filósofo esloveno Slavoj iek, o geógrafo britânico David Harvey, que lançará, na ocasião, o livro “Para entender ‘O Capital’”, e o cientista político alemão Michael Heinrich.

O CIENTISTA POLÍTICO
Heinrich tinha 14 anos quando começou a ler Karl Marx, ainda no colégio. Hoje, aos 55, trabalha no MEGA, codinome do projeto alemão Marx-Engels-Gesamtausgabe, que vem reestabelecendo os textos e publicando em edições críticas todas as linhas já escritas pela dupla.
O professor, que virá ao país para uma palestra em 22 de março intitulada “Os Manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels”, é autor de um popular livro de apresentação chamado “Uma Introdução aos Três Volumes de ‘O Capital” (sem edição brasileira).
A menção aos “três volumes” no título de seu livro não é casual. Quais seriam as suas sugestões para entender bem o intrincado “O Capital”?, lhe questiona a Folha.
“Vou resumir todas minhas dicas em uma só”, responde. “Leia ‘O Capital’ na íntegra.”
Heinrich, que vem trabalhando em perspectiva não ortodoxa marxista (o próprio Marx se disse “não marxista” em carta para o genro Paul Lafargue, lembra ele) para recuperar o legado intelectual do autor, diz que certos livros de introdução desvirtuam os objetivos da obra.
“As três partes do livro formam uma unidade. Se você ler apenas o primeiro volume terá uma visão não só incompleta, como errada. O sentido integral, mesmo de categorias como valor e mercadoria, só se revela com o final do livro”, afirma.
É preciso, diz ele, questionar o que Marx tenta analisar de fato. “Não era o capitalismo inglês nem o capitalismo do século 19, mas sim a organização interna do modo de produção capitalista, em seu ideal médio, como Marx resume no final do volume 3.”
Nessa perspectiva, sustenta ele, a leitura do livro hoje faria muito mais sentido (e a Folha perguntou a importantes intelectuais brasileiros “por que ler Marx hoje”). “Grande parte da análise que ele faz do capitalismo se aplica muito mais ao que aconteceu no século 20 e no 21 do que ao tempo dele.”
Heinrich diz que um dos grandes enigmas para ele “é entender como o trabalho de um homem que devotou a maior parte da vida à análise do capitalismo e fez pontuais notas sobre a sociedade capitalista é considerado o responsável por um modelo social extremamente autoritário chamado ‘socialismo’”.
Testemunha da queda do Muro de Berlim, em 1989, ele assistiu o interesse por Marx na Alemanha desabar, até ganhar empuxo novamente no final dos anos 1990.
Ele defende o projeto no qual trabalha, o MEGA (também chamado de MEGA-2, para se diferenciar de iniciativa semelhante dos anos 1920) por difundir uma visão mais científica de Marx.
O TRADUTOR
É com perspectiva condizente ao discurso de Heinrich que Rubens Enderle encarou a escalada do Everest que é a tradução de “O Capital”.
Já responsável, sozinho ou em parcerias, por traduções de importantes trabalhos de Marx para a Boitempo, como “A Ideologia Alemã” e “A Guerra Civil na França”, ele atuou durante dois anos no Marx-Engels-Institut da Academia de Ciências de Berlim-Brandemburgo, responsável pelo projeto MEGA.
Apesar de estar embebido em Karl Marx há muitas primaveras, Enderle, 38, diz que “não é marxista, mas sim um marxólogo”, diz o tradutor gaúcho-mineiro-alemão.
“Isso influenciou o trabalho de tradução, pois minha preocupação como tradutor é permanecer o mais fiel possível aos textos, o que, no caso de Marx, implica se desvencilhar de chavões e vulgaridades ideológicas que se acumularam sobre sua obra ao longo de séculos.”
Enderle, atualmente vivendo em Munique, ainda não chegou ao topo da montanha.
Ele está trabalhando no livro 2, que deve ser lançado no ano que vem.
Além das dificuldades tradicionais da tradução do alemão (“falta ao português palavras como ‘coisal’ ou ‘coisalmente’”), ele sublinha outras dificuldades técnicas específicas: “Há passagens em que Marx entra em detalhes sobre peças mecânicas, principalmente de relojoaria”. Um dicionário alemão de relojoaria foi de grande ajuda.
Segundo ele, o fato de a atual tradução ser a primeira baseada na edição MEGA trará mais diferenciais nos volumes 2 e 3 da obra, publicadas depois da morte de Marx.
Ivana Jinkings, diretora editorial da Boitempo, que tem extenso catálogo de marxistas, já publicou 15 obras de Marx e Engels (o campeão de vendas é “O Manifesto Comunista”, com 15 mil exemplares), diz que o volume 3 será lançado em 2015. Curadora de diversos seminários sobre Marx, incluindo o atual, ela espera bater o recorde de público desta vez. “Esperamos mais de 15 mil pessoas.”
O CAPITAL - LIVRO I
AUTOR Karl Marx
EDITORA Boitempo
TRADUÇÃO Rubens Enderle
QUANTO R$ 98 (856 págs.)
ORELHA Francisco de Oliveira

Intelectuais brasileiros explicam por que ainda é importante ler Marx
Questionados pela Folha, quatro intelectuais brasileiros explicam as razões pelas quais os escritos do filósofo alemão Karl Marx são importantes até os dias de hoje e, por isso, ainda merecem leitura.
ROBERTO SCHWARZ, crítico literário
“Como percepção da sociedade moderna, não há nada que se compare a ‘O Capital’, ao ‘Manifesto Comunista’ e aos escritos sobre a luta de classes na França. A potência da formulação e da análise até hoje deixa boquiaberto. Dito isso, os prognósticos de Marx sobre a revolução operária não se realizaram, o que obriga a uma leitura distanciada. Outros aspectos da teoria, entretanto, ficaram de pé, mais atuais do que nunca, tais como a mercantilização da existência, a crise geral sempre pendente e a exploração do trabalho. Nossa vida intelectual seria bem mais relevante se não fechássemos os olhos para esse lado das coisas.”
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo:
“Os textos de Marx, notadamente ‘O Capital’, fazem parte do patrimônio da humanidade. Como todos os textos, estão sujeitos às modas, que, hoje em dia, se sucedem numa velocidade assombrosa. Depois da queda do Muro de Berlim, o marxismo saiu de moda, pois ficava provada de vez a inviabilidade de uma economia exclusivamente regida por um comitê central ‘obedecendo a regras racionais’, sem as informações advindas do mercado. Mas a crise por que estamos passando recoloca a questão da especificidade do modo de produção capitalista, em particular a maneira pela qual esse sistema integra o trabalho na economia. O desemprego é uma questão crucial. As novas tecnologias tendem a suprir empregos. Na outra ponta, o dinheiro como capital, isto é, riqueza que parece produzir lucros por si mesma, chega à aberração quando o capital financeiro se desloca do funcionamento da economia e opera como se a comandasse. A crise atual nos obriga a reler os pensadores da crise. Como cumprir essa tarefa? Alguns simplesmente voltam a Marx como se nesses 150 anos nada de novo tivesse acontecido. Outros alinhavam as modas em curso com os textos de Marx, apimentados com conceitos do idealismo alemão, da psicanálise, da fenomenologia heideggeriana. Creio que a melhor coisa a fazer é reler os textos com cuidado, procurando seus pressupostos e sempre lembrando que a obra de Marx ficou inacabada e sua concepção de história, adulterada, por ter sido colada, sem os cuidados necessários, a um darwinismo respingado de religiosidade.”
DELFIM NETTO, economista
“Porque Marx não é moda. É eterno!”
LEANDRO KONDER, filósofo:
“Os grandes pensadores são grandes porque abordam problemas vastíssimos e o fazem com muita originalidade. A perspectiva burguesa, conservadora, evita discuti-los. E é isso o que caracteriza seu conservadorismo. Marx é o autor mais incômodo que surgiu até hoje na filosofia. Conceitos como materialismo histórico, ideologia, alienação, comunismo e outros são imprescindíveis ao avanço do conhecimento crítico. Por isso, mais do que nunca é preciso frequentá-los.”

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Entre Che e Allende: déficit teórico e busca de uma estratégia



Por Mauro Iasi.
Nenhum intelectual deve ser
assalariado do pensamento oficial”
Silvio Rodriguez

Em um debate realizado no “Instituto Lula” que procurava tratar do temaCaminhos progressistas para o desenvolvimento e a integração regional o Secretário executivo do Foro de São Paulo e dirigente do PT, meu amigo, Valter Pomar externou a seguinte opinião: aqueles que defendem o socialismo e aqueles que defendem um novo modelo de desenvolvimento capitalista, além de concordar com a necessidade de uma integração regional, reconhecem que existe um “déficit teórico”.
Tal déficit se manifestaria em três pontos: na compreensão do capitalismo do século XXI, no balanço das experiências políticas do século XX (o socialismo, a social democracia e o nacional desenvolvimentismo) e na questão da estratégia. Neste último ponto, segundo Pomar, “no imaginário de grande parte da esquerda latino-americana Che ainda suplanta Allende, apesar de que estamos todos envolvidos hoje numa experiência que tem mais a aprender com Allende do que com Che” (Intervenção no seminário do Instituto Lula).
Para o dirigente petista este déficit se explicaria por uma série de motivos e não pode ser confundido com pouca produção, mas com sua debilidade. As causas seriam o impacto da ofensiva neoliberal sobre o pensamento de esquerda (a tripla crise do socialismo, da socialdemocracia e do nacional desenvolvimentismo) e seu grande impacto sobre a cultura, a comunicação de massas e a educação; e, o que considera em primeiro lugar, o deslocamento da classe media tradicional para posturas “fascistas e esquerdistas”. Uma vez que é nos setores médios que se encontram a maior parte dos intelectuais isso teria afetado a produção teórica.
Esta compreensão se aproxima da posição defendida neste blog por Emir Sader (Intelectuais e processos políticos, Blog da Boitempo de 23/01/2013) quando afirma que “a produção intelectual foi profundamente afetada por todos estes efeitos”, de maneira que, segundo seu juízo, os intelectuais latino-americanos não estariam “à altura desse momento histórico”. Em sua coluna anterior no mesmo blog, Sader reforçará esta tese afirmando que a separação entre teoria e prática afetou seriamente a produção intelectual e a capacidade de intervenção na realidade por parte dos intelectuais, concluindo que “a esquerda passou a estar marcada por uma teoria sem prática e por uma prática sem teoria” (Intelectuais e política, Blog da Boitempo de 24/10/2012). Sader empenha suas esperanças em Haddad e Pochmann como intelectuais que combinariam teoria e prática.
O grande pecado desta intelectualidade conservadora (acompanho Leandro Konder em sua preocupação de não banalizar o termo fascista) e aquela anatematizada como “esquerdista” é que não souberam compreender verdadeiramente o profundo significado dos “processos progressistas e de esquerda em curso na America Latina” e, em especial, na experiência de governo petista no Brasil.
Valter Pomar, que dedicadamente resiste na posição de defensor de um “horizonte socialista”, buscando se diferenciar daqueles que hoje no PT se limitam a buscar formas de gerenciamento do capitalismo, é mais critico e prudente. Ainda que defendendo a experiência petista como positiva por ter “melhorado a vida do povo, recuperado o papel do Estado e adotado uma política de integração regional”, mantém seu senso crítico caracterizando o governo Lula como “um governo de centro-esquerda, [que] melhorou a vida dos pobres e garantiu grandes lucros aos ricos” (Entrevista ao jornal Página 13).
Em síntese o que preocupa nossos companheiros é que a intelectualidade não se seduziu pela experiência petista a ponto de produzir reflexões teóricas que iluminassem os pontos indicados por Pomar no sentido de superar este déficit. Tal fato tem uma explicação mais simples do que julga nosso companheiro. Deixemos os conservadores de lado por um tempo, ainda que haja entre eles os que se seduziram pelo petismo moderado, mas uma boa dose de preconceito de classe e a pobreza do irracionalismo pós-moderno seria o bastante para delimitar o alcance e a relevância da produção crítica de molde conservador.
Em relação à intelectualidade de esquerda as coisas não são bem assim. Há uma intelectualidade “petista” ou simpática à experiência em curso, mas mesmo esses não têm se empenhado em análises profundas sobre tal experiência, salvo raras e honradas exceções, principalmente se esperamos destas análises os efeitos almejados por Pomar, isto é, que nos ajudem a compreender o capitalismo contemporâneo e, à luz do balanço das experiências de esquerda e de centro-esquerda, pensar os caminhos estratégicos para o Brasil. Entre esses parece haver uma postura cautelosa, isto é, não analisemos muito a fundo porque podem aparecer contradições que sirvam aos adversários para atacar a experiência em si positiva.
Não há pensamento crítico que resista a tal cautela e a experiência do pensamento oficial das experiências socialistas deveriam ter nos ensinado isso.
Mas, há também uma intelectualidade de esquerda crítica à experiência petista e caracterizá-la em bloco como “esquerdista” se tem alguma função defensiva na luta política imediata não serve de muita coisa na compreensão séria do problema. Estou convencido que é aí que, inclusive os intelectuais petistas sérios que não se renderam ao coro laudatório do governismo emburrecedor, poderiam encontrar um bom campo de diálogo que lhes mostrasse os limites e debilidades da experiência em curso. Mas, Narciso continua achando feio o que não é espelho.
Ao que parece, o juízo de esquerdismo se aplica mais ao cálculo da ação política, mais precisamente, quanto à desconsideração da real correlação de forças, da definição do inimigo principal e das alianças necessárias e possíveis, colocando, como é da característica do esquerdismo, o objetivo final no lugar da ação tática.
Da mesma forma, é característico de todo reformismo, esquecer o objetivo final e se render ao pragmatismo imediatista, sempre ancorado na justificativa da correlação de forças e da “arte do possível”. Como já disse Lukács se há um movimento para o qual o pragmatismo (a realpolitik) é nefasta, esse movimento é o socialismo.
Como já proclamou Engels em certa ocasião, o que falta a esses senhores é dialética. O objetivo final sem tática, ou uma tática que não leva ao objetivo final transformado em uma virtualidade nunca realizável.
Concordando com os termos da necessidade do debate sobre a estratégia da transformação social no Brasil e na América Latina apontado por Pomar, não posso concordar com seu ponto de partida ao utilizar a imagem de uma contraposição entre Che e Allende. Devemos desculpá-lo a princípio pelo fato de ser a transcrição de uma fala em um seminário na qual pesa mais o recurso de oratória do que a precisão da análise, mas creio que ela revela algo mais fundamental.
A real polêmica para quem pensa seriamente o Brasil e o mundo hoje não é a velha contraposição entre uma ação revolucionária direta, seja armada ou insurreicional, ou um longo processo de reformas moderadas que iria minando a ordem o capital por dentro até que houvesse correlação de forças suficientes para uma passagem pacífica ao socialismo.
Estou profundamente convencido que temos muito a aprender com a experiência da unidade popular no Chile, principalmente por sua capacidade de incorporação das massas trabalhadoras com uma clara direção de classe, na sua incrível ação cultural que de tão forte resistiu à ditadura e renasce hoje vivificada pela juventude. Da mesma forma que sua experiência de governo, se bem estudada, comprovará que foi muito além dos limites rebaixados de um reformismo que se rende à política do possível e covardemente se esconde atrás de uma correlação de forças desfavorável para buscar formas modernas de gerir a barbárie capitalista.
No entanto, contrapor a riqueza da experiência chilena ao pensamento e a prática política de Ernesto Che Guevara é um equívoco que só atualiza a pobreza da contraposição mecânica à qual nos referíamos. Deixemos que o comandante nos diga o que pensa.
Ao analisar a possibilidade de desenvolvimento de uma estratégia revolucionária na América Latina, Che ressalta que há países nos quais o desenvolvimento de uma economia industrial, de uma urbanização e do desenvolvimento de instituições políticas mais estáveis, levaria à percepção de que seriam possíveis mudanças estruturais pela via do acúmulo de representantes no parlamente ou vitórias eleitorais. Diante disso reflete:
“A qualidade de um revolucionário se mede pela capacidade em encontrar táticas adequadas a cada mudança de situação, em ter sempre em mente as diferentes táticas possíveis e em explorá-las ao máximo. Seria um erro imperdoável descartar por princípio a participação em algum processo eleitoral. Em determinado momento ele pode significar um avanço do programa revolucionário. Mas seria imperdoável também limitar-se a esta tática sem utilizar outros meios de luta, inclusive a luta armada, como instrumento indispensável para aplicar e desenvolver o programa revolucionário”. (grifos nossos)
Logo em seguida, em uma antecipação impressionante dos fatos que ainda se dariam no Chile de Allende, nos diz:
“Quando se fala em alcançar o poder pela via eleitoral, nossa pergunta é sempre a mesma: se um movimento popular ocupa o governo de um país sustentado por ampla votação popular e resolve em consequência iniciar as grandes transformações sociais que constituem o programa pelo qual se elegeu, não entrará imediatamente em choque com os interesses das classes reacionárias desse país? O exército não tem sido sempre o instrumento de opressão a serviço destas classes? Não será então lógico imaginar que o exército tome partido por sua classe e entrará em conflito com o governo eleito? Em consequência, o governo pode ser derrubado por meio de um golpe de estado e aí recomeça de novo a velha história; ou, outra solução, é que o exército opressor seja derrubado pela ação popular armada em defesa de seu governo”. (Cuba: exceção histórica ou vanguarda na luta contra o colonialismo?)
Ora, a questão de fundo que aqui se apresenta e precisa ser enfrentada por qualquer um que pense seriamente a realidade brasileira na perspectiva da transformação é a questão da ruptura e esta não pode ser pensada em toda sua dimensão sem encararmos a questão do Estado. A ilusão da estratégia dominante em nosso período consiste na crença de que é possível mudar ou neutralizar o caráter de classe de um Estado pela ocupação de espaços gerenciais e governativos da maquina política burguesa sem que ao mesmo tempo sejamos obrigados a dar as respostas às condições necessárias à perpetuação da acumulação de capitais.
Uma política de massas orientada politicamente para a ruptura, uma ruptura sustentada por uma ação política de massas. Eis os termos da questão. Che teria o que aprender com Allende, mas Allende teria algumas coisas a aprender com Che. E nós… ora, nós temos muito que aprender com os dois.
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002).