sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A Operação Condor contra Cuba (*)



Elías Argudin Sánchez (**)
No mundial de futebol de 1978, a Argentina venceu o Peru por seis gols a zero. Com esta vitória eliminava um contrário de consideração (o Brasil, no caso). O triunfo inclinou a balança a favor das aspirações dos argentinos de ficarem campeões. Quatro dias depois, dominaram por 3-1 os holandeses e acabaram ganhando a coroa.


O resultado do encontro entre estes dois times classifica como muito controverso na história do mais universal dos esportes. Muito poucos acreditaram no conto desse triunfo. A vida deu a razão àqueles que duvidaram. Hoje, soube-se que o ditador peruano Francisco Morales Bermudez (1975-1980) ordenou aos representantes de seu país entregar o partido, como pagamento a um favor que pedira a seu parceiro argentino, o também sátrapa Jorge Rafael Videla, presidente de fato de 1976 a 1981.


Este foi um conluio, armado no âmbito dum pacto tenebroso, batizado com o nome da maior ave carniça do planeta, originária da América do Sul.
A Operação Condor é o apelativo com o qual denominaram um plano de inteligência e coordenação — estabelecido na década de 70 do século passado — entre os serviços secretos dos regimes militares do Cone Sul: Argentina, Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Tratava-se duma organização clandestina internacional para a prática do terrorismo de Estado, com a cooperação dos EUA, nomeadamente da Agência Central de Inteligência (CIA).



Não podemos obviar que na reunião constitutiva participou um representante especial da CIA como “observador”. O encontro teve lugar no Chile, nos finais de 1975, mas em realidade a operação começou um ano antes.


O diabólico engendro dava luz verde ao livre movimento — nos citados territórios — dos integrantes das forças armadas e paramilitares, envolvidos em atividades de espionagem e repressão contra os opositores, fundamentalmente os militantes revolucionários da região.


Baseado numa muito bem pensada estrutura organizativa supranacional, o operativo Condor trouxe como resultado — ao longo de mais duma década de atuação escusa — o sequestro, tortura, violação, assassinato e desaparecimento de milhares de pessoas que — duma forma ou outra — se atreveram a desafiar os mencionados regimes ditatoriais: Reprimir e matar! Essa era a questão.


De fato, o polêmico partido entre os times da Argentina e Peru não se limitou à desonra duma nação, cujos representantes passivamente deixaram-se espezinhar no campo. De ter sido assim, a traição do time — embora triste e dolorosa — bem poderia considerar-se como o episodio menos tenebroso dentro dos voos do Condor, mas a ação foi uma sorte de compensação de Morales Bermudez pela transferência à Argentina de 13 peruanos presos, militantes da esquerda, que durante a viagem seriam jogados ao rio La Plata de um avião. Videla necessitava esse triunfo para limpar a imagem da Argentina ante o mundo.


Infelizmente, a ave de rapina bateu asas e matou. Alguém disse, com muita razão, que a Operação Condor deu muitas provas de sua terrível eficiência.
Precisamente pesquisar nesse inferno, onde a crueldade humana e o espanto atingiram sua máxima expressão, tem sido um dos objetos de estudo de José Luis Méndez Méndez, professor universitário e escritor dedicado à pesquisa do terrorismo, com ênfase nas práticas e ações empregadas contra nosso país.



Seu incessante e intenso discorrer pela história mais recente do continente o tornam a voz cubana mais autorizada para falar do tema, o qual também lhe permitiu trazer à baila um capítulo pouco divulgado de La vida del Condor: sus zarpazos contra la Isla.


Quando se fala da Operação Condor, a maioria somente pensa nos países da América do Sul. Contudo, da entrevista que Méndez concedeu ficou claro uma coisa: “entre os propósitos supremos que originaram o plano macabro aparece, de maneira explícita, enfrentar a influência de Cuba no hemisfério e apoiar internacionalmente os terroristas cubanos em suas operações contra Cuba”.


Existem documentos que provam essas afirmações. Uma carta do coronel Manuel Contreras Sepúlveda, ex-chefe da Direção de Inteligência Nacional (DINA) chilena, dá conta de como se organizou a coordenação. O centro principal da organização repressiva se instalou em seu país, embora as presas mais afiadas do Condor estavam na Argentina e no Paraguai. Este sanguinário castrense foi o responsável pelo assassinato de Orlando Letelier, chanceler do governo da Unidade Popular, liderado por Salvador Allende, crime levado a cabo em território estadunidense por terroristas de origem cubana.


Também se soube que naquele encontro inicial, Contreras informou seus homólogos participantes que para as ações mais perigosas utilizariam cubanos anticastristas, recrutados e treinados pela CIA.


Segundo as investigações de Méndez Méndez, reunidas numa exposição e num livro, ambos sob o título A Operação Condor contra Cuba, as ações contra Cuba eram a maneira com a qual os diretivos da operação pagavam os serviços dos contrarrevolucionários cubanos.


“Na infeliz relação aparecem nomes como: Orlando Bosch, Luis Posada Carriles, Guillermo Novo Sampoll, Rogelio Pérez González, Alvin Ross, Virgilio Paz Romero, José Dionisio Suárez Esquivel”, etc.


“Em 15 de junho de 1976, na República Dominicana, sob ordens da CIA, teve lugar uma reunião de organizações contrarrevolucionárias cubanas. Desse encontro nasceu a Coordenação de Organizações Revolucionárias Unidas (CORU) e imediatamente começaram a atentar contra os interesses cubanos na Europa e na América Latina”.


“Em agosto, impuseram uma nova modalidade de terrorismo: o sequestro de diplomatas. E de cidadãos nacionais contratados em embaixadas para as tarefas de apoio.


Eis alguns exemplos: em julho de 1976, tentativa de sequestro do cônsul cubano em Mérida, onde foi assassinado o funcionário Artañan Díaz Díaz . 


Em agosto desse mesmo ano sequestram Jesús Cejas Arias (22 anos) e Crescencio Galañena Hernández (26 anos), dois funcionários da embaixada em Buenos Aires, onde também fizeram o mesmo com 17 argentinos, trabalhadores (da própria sede, do escritório comercial e da escola anexa) e alguns de seus familiares mais íntimos.


Segundo nosso interlocutor, também houve outras tentativas e fatos deste tipo, o embaixador Emilio Aragonés sofreu um atentado, “casualmente” em 13 de agosto de 1975. Felizmente, saiu ileso.


“Nem sempre a boa sorte nos acompanhou, no atentado com bomba contra a embaixada de Cuba em Portugal morreram Adriana Corcho e Efrén Monteagudo. Também recebemos envios de cartas-bombas em nossas sedes diplomáticas na Espanha, México e Peru”.


Também se soube que dinamitaram e afundaram diversos navios. Contudo, segundo Méndez, nada mais dramático, cruel e nojento que a explosão em pleno vôo dum avião civil da Cubana de Aviação, frente às costas de Barbados.


“Levava 73 passageiros a bordo. Não houve sobreviventes. O mais triste é que, antes e depois do crime de 6 de outubro de 1976, foram organizados 13 planos para fazer explodir outros aviões civis cubanos”.


Os detalhes sobre este brutal ato criminoso são de domínio público. Todo mundo sabe o nome, tanto dos autores materiais como intelectuais. 


Contudo, chama a atenção um detalhe: imediatamente depois, o jornal El Miami Herald publicou uma notícia sobre o telefonema dum indivíduo que adjudicava a autoria do atentado a um grupo denominado El Cóndor.
Era a primeira vez que a palavra se escutava publicamente!



Nota: Esta é uma história inconclusa até não aparecerem todos os cadáveres dos sequestrados para dar-lhes devida sepultura. Para pôr o ponto final também é necessário sentar cada um dos culpados no banco dos réus, para serem julgados como merecem.


(*) Publicado originalmente na Tribuna de La Habana

(**) Jornalista cubano, escreve na Tribuna de la Habana.


FONTE: Carta Maior


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