quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (1958-1990)"

NOVO LIVRO DE ANITA PRESTES



Expressão Popular lança "Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário

Dando prosseguimento às pesquisas que vem empreendendo sobre o papel de Luiz Carlos Prestes na elaboração e na aplicação das políticas do PCB em diferentes momentos de sua trajetória, a professora Anita Leocadia Prestes apresenta, neste livro, os resultados da investigação histórica da atuação política de Prestes, a partir da aprovação da Declaração de Março de 1958, pelo Comitê Central do PCB, até o seu falecimento em 1990.
O leitor poderá acompanhar as vicissitudes enfrentadas pelo PCB, a partir da superação em sua direção dos reflexos da crise desencadeada pela denúncia do chamado “stalinismo” no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, crise que abalou o movimento comunista internacional nos anos 1956/1957. Com Prestes ocupando o cargo de secretário-geral do PCB, a Declaração de Março de 1958 representou uma virada na política dos comunistas brasileiros, o abandono de uma orientação estreita e sectária, cuja maior expressão fora o Manifesto de Agosto de 1950. Mas significou também a reafirmação da ideologia nacional-libertadora, cuja influência marcara a história desse partido. 
O recurso a uma documentação diversificada e abrangente permitiu à autora revelar o percurso realizado por Prestes em suas críticas cada vez mais contundentes à orientação política do PCB.



terça-feira, 25 de setembro de 2012

Venezuela: perspectivas e dilemas da revolução na América Latina



“Não há possibilidade de avançar se não enfrentarmos a dominação cultural burguesa”

Entrevista de Amilcar Figueroa sobre os cenários atuais
ALBA TV

Amílcar Figueroa é venezuelano, historiador, politólogo e integrante do Movimento Continental Bolivariano. Até 2011 presidiu o Parlamento Latino-americano (PARLATINO). Conta com uma larga trajetória política vinculada às lutas revolucionárias de Nossa América e participou das compilações “Reforma ou Revolução na América Latina?” (2009) e “El Salvador – Sua história de Lutas” (2009), entre outros.

Em diálogo com a AlbaTV, compartilhou suas impressões acerca do contexto eleitoral do 7 de outubro, os possíveis cenários e estratégias opositoras frente ao triunfo de Hugo Chávez. Além disso, referiu-se aos desafios da revolução bolivariana para a etapa 2013-2019 e seu impacto no contexto latino-americano.


Qual é o cenário que espera para o 7 de outubro e os primeiros dias pós-eleições? Qual será a estratégia da direita neste ínterim?

O que sabemos é que eles pensam e estão trabalhando com um planejamento de alegação de fraude eleitoral. É claro que esta estratégia - lançada a partir da Europa e dos Estados Unidos, com as possibilidades midiáticas que têm o imperialismo e a direita internacional - pode ter algum desdobramento. Dependerá justamente da margem com a qual se ganhe. Se a vantagem for esmagadora vai ficar um pouco mais difícil para que eles instalem este plano. O certo é que a partir disso, setores radicalizados tratariam de aprofundar a desestabilização por diversos meios. Não poderia aqui dizer quais. Em países onde recentemente o imperialismo operou, o ponto comum é a existência de um pequeno grupo interno articulado fundamentalmente na aliança internacional de forças do capital. Por outro lado, há uma parte da oposição venezuelana que tem o espírito de arriscar resultados nas eleições e que está pensando não em processos desestabilizadores, mas na obtenção de algumas conquistas no quadro das eleições regionais de prefeituras e governos, em dezembro.

Estas possibilidades estão aí e não devemos descuidar de nenhuma das duas. Tudo dependerá em boa medida do resultado do 7 de outubro e da margem com a qual ganharemos.


Acerca do médio prazo, com Chávez eleito e o Programa da Pátria em marcha, quais serão os desafios para a revolução bolivariana?

Eu acho que nós devemos começar com algo que reivindica o próprio Comandante Chávez: retificação. É necessário aprofundar o processo apoiando-se nas forças que estão historicamente mais interessadas ​​no desenvolvimento de uma Venezuela socialista. Isso passa por entender com bastante nitidez o quadro de classes da atual realidade venezuelana, qual é a composição morfológica das classes no país hoje e quais dessas classes estão mais interessadas ​​no aprofundamento de uma mudança histórica. Com esta entrada, desenvolver toda a nossa atividade política fundamental naquele espaço. Concentrar-se ali. Tecer o tecido social da revolução a partir de baixo, fortalecer os organismos e o que é dado chamar de poder popular. Creio ser o estratégico. Não há chance de avançar se não dermos um salto na conquista da hegemonia social e, ao mesmo tempo, sem batalhar para reverter a atual dominação cultural. Ainda hoje não nos desprendemos da hegemonia cultural da burguesia. Os valores da sociedade burguesa ainda estão vivos e ativos na sociedade venezuelana. Em todas as instâncias. Então esta é a batalha estratégica frente a qual o movimento revolucionário tem de apontar as suas baterias. Sem uma visão estratégica, teremos muitos outros problemas.


Em palavras de Chávez, um dos objetivos principais desta  etapa consiste em “cruzar o limiar”, consolidando o caminho ao socialismo de maneira tal que as mudanças se tornem transformações irreversíveis. Que análises faz deste objetivo?

Avançar supõe fazer um debate muito forte sobre como entender a transição, como entender o socialismo, o que é o socialismo. Há que trazer ao concreto toda a parte teórica do socialismo e vê-lo na condições da América Latina; nas condições do século XXI. É um grande objetivo para os revolucionários e revolucionárias da Venezuela, onde houve um avanço extraordinário. Desde cedo isso permitiu uma busca criadora em função de adaptar a teoria socialista às condições do século XXI. Mas obviamente temos que batalhar tremendamente na construção teórica. Não há possibilidades de avançar exitosamente se não se faz uma construção teórica acerca da revolução na Venezuela e América Latina. Um esforço intelectual por validar as conquistas daquele campo que poderíamos denominar mundo do trabalho. Vivemos em um momento histórico onde o sistema do capital atravessa sua máxima expansão e onde, por sua vez, experimenta sua maior decadência. Vai se evidenciando que o capitalismo não é opção e que há de se buscá-la fora. Essa opção é o socialismo.


Na atualidade e focando no cenário latino-americano, em que estado se encontra a construção da Pátria Grande? É factível pensar em um projeto socialista continental? Ou estamos em um momento de refluxo das tendências anticapitalistas/anti-imperialistas?

Em 2005 a ALCA sofreu uma tremenda derrota, todavia, depois disso, alguns países da América Latina firmaram Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos. Também tratados de relação estratégica com a Europa. Estes acordos representam a tentativa do capital de recompor sua hegemonia na América Latina. Também avançaram em muitos sentidos, não somente no econômico. Por exemplo, tratam de construir uma espécie de Escola das Américas apoiando-se em alguns países do chamado Eixo Pacífico.
Na contramão, avança-se nas tendências de unidade guiadas pelo espírito bolivariano, como pode-se ver na ALBA. A aliança com os países do MERCOSUL é um avanço neste sentido. Há que aplicá-la em sua justa medida porque supõe grandes objetivos. Para a revolução bolivariana faz-se imprescindível dar um salto na expansão de suas forças produtivas internas, desenvolver uma economia produtiva de corte socialista. Este processo deve apoiar-se nas classes com maior vocação de construção do socialismo mas, também, em um salto no desenvolvimento científico-técnico. Não é possível a construção do socialismo em um só país, e isso está claramente demonstrado pela história e no caso da América Latina há de se combinar este belo processo de unidade com a luta pelo Socialismo.

Algo imprescindível é a unidade dos povos. Até agora se avançou muito na unidade entre os Estados, na boa relação dos chefes de Estado. Mas há de se fortalecer a unidade dos povos e que esta unidade conduza por sua vez a um salto social de natureza revolucionária.



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Primavera dos Livros 2012

LIVROS COM ATÉ 50% DE DESCONTO




PRIMAVERA DOS LIVROS 2012


Maior evento de editoras independentes da América Latina chega à 12ª. edição, celebra o Rio de Janeiro como patrimônio e plataforma cultural do país e recebe um dos mais reconhecidos historiadores da atualidade: o francês Roger Chartier. Feira literária apresenta a produção de 100 editoras com mais 10 mil títulos com descontos de até 50%.

Ruy Castro, Mirian Goldenberg, Luiz Eduardo Soares, Nelson Sargento, Leoni,  entre outros, debaterão - e saudarão - temas ligados à cultura e ao estilo de vida carioca.

Organizada pela LIBRE - Liga Brasileira de Editores -, a Primavera dos Livros 2012 reunirá nos jardins do Museu da República, entre os dias 27 e 30 de setembro, a produção de mais de 100 editoras independentes de diferentes Estados do país, responsáveis por um acervo de dez mil títulos em catálogo e 2,4 milhões de exemplares impressos por ano.

Paralelamente à feira literária, a Primavera dos Livros 2012 vai proporcionar no Museu da República três dias de programação inteiramente gratuita que inclui shows, atividades para crianças, encontros com escritores, debates e mesas redondas com protagonistas da cultura carioca, além de atrações literárias interativas sob medida para o público de todas as idades.

Primavera dos Livros 2012 - sob o tema "Rio: Patrimônio e Plataforma Cultural do País" -, homenageará o economista Carlos Lessa, que, além de ser um apaixonado pela cidade, é bibliófilo de carteirinha, responsável por uma das maiores bibliotecas privadas do Brasil. No ano em que o Rio de Janeiro foi considerado Patrimônio Cultural da Humanidade, Suzana Vargas, curadora do evento, reúne em 18 mesas redondas nomes como Ruy Castro, Mirian Goldenberg, Luiz Eduardo Soares, Maria Juçá, Leoni, Heloisa Buarque de Hollanda, Marcia Bulcão, Afonso Romano de Sant'Anna, Nelson Sargento, Monarco, Rildo Hora, entre muitos outros, que debaterão e saudarão temas ligados à cultura e ao estilo de vida carioca.

Entre os destaques da Primavera dos Livros 2012, Roger Chartier um dos mais reconhecidos historiadores franceses da atualidade - e também um apaixonado pelo Rio de Janeiro - debaterá com Afonso Romano de Sant'Anna "A Leitura como Patrimônio Pessoal";

Ruy Castro e Mirian Goldenberg falam sobre o tema "Duas Cariocas Notáveis: Carmem Miranda e Leila Diniz"; 

As crianças e mães também terão uma programação voltada para elas com diversas atividades interativas: Performance de ilustração com Guto Lins; a História de dois vovôs, onde dois autores contam suas histórias de avós e reproduzem algumas das peripécias praticadas com os netos; bate-papo com escritores e muito mais. Entre os lançamentos infantis da Primavera dos Livros 2012 está "O Menino que Gostava de Carros", de Ana Lima.

Para as mães daqueles que ainda não saem do colo, a Primavera preparou uma atividade especial capaz de encantar: "Lendo e Divertindo Seu Bebê desde os Primeiros Meses", com Camila Perlingeiro e Ninfa Parreiras.

Educação, leitura e arte também estarão presentes na programação especial montada pela Primavera dos Livros para os educadores, com uma série de eventos voltados para a literatura e o ensino. Mesas de discussão com professores e especialistas em literatura, tendas temáticas, teatro, música, contação de histórias e exibição de filmes também marcam o evento.


FONTE: LIBRE


domingo, 23 de setembro de 2012

76 anos da extradição ilegal de Olga Benario Prestes para a Alemanha nazista pelo governo de Getúlio Vargas

No dia 23 de setembro de 1936, grávida de sete meses, Olga Benario Prestes era extraditada para a Alemanha nazista pelo governo de Getúlio Vargas. Junto com Elise Ewert, outra comunista e internacionalista alemã que participara da luta antifascista no Brasil, foi embarcada à força, na calada da noite, no navio cargueiro alemão La Coruña, viajando ilegalmente, sem culpa formada, sem julgamento nem defesa. O comandante do navio recebeu ordens expressas do cônsul alemão no Brasil para dirigir-se direto a Hamburgo, sem parar em nenhum outro porto estrangeiro, pois havia precedentes de portuários espanhóis e franceses resgatarem prisioneiros  deportados para a Alemanha, quando tais navios aportavam à Espanha republicana ou à França. Após longa e pesada travessia, as duas prisioneiras foram conduzidas incomunicáveis para a prisão de mulheres de Barnimstrasse, em Berlim, onde Olga deu à luz sua filha Anita Leocadia, em 27 de novembro de 1936.

Numa exígua cela dessa prisão, submetida a regime de rigoroso isolamento, conseguiu criar a filha até os 14 meses, graças à ajuda, em alimentos, roupas e dinheiro, que recebeu da mãe e da irmã de Luiz Carlos Prestes. Após campanha internacional, que atingiu vários continentes, pela libertação da esposa de Prestes e de sua filha, o governo de Hitler, pressionado com a força que a campanha ganhara, entregou a criança à avó paterna (Leocadia Felizardo Prestes). A campanha não conseguiu, contudo, a libertação de Olga.

Depois da prisão de Berlim, ela passaria pelos campos de concentração de Lichtenburg e Ravensbrück, onde, juntamente com milhares de outras prisioneiras, seria submetida a trabalhos forçados para a indústria de guerra da Alemanha nazista. A situação de Olga seria particularmente penosa, pois carregava consigo duas marcas consideradas fatais: a de comunista e a de judia. Em abril de 1942, Olga Benario Prestes foi assassinada numa câmara de gás do campo de concentração de Bernburg.

As cartas que Olga conseguiu escrever para a família e o testemunho de suas companheiras de infortúnio, tanto no Brasil como na Alemanha, revelam sua firmeza inabalável de caráter - a convicção profunda na justeza dos ideais revolucionários que abraçara e, em particular, seu espírito de solidariedade e justiça.

Olga jamais se entregou ao desespero nem ao conformismo, lutou até o último momento de sua curta vida, infundindo coragem e confiança no futuro em todos que a rodeavam.


"Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de mim. Quero que entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver."
(Trecho da última carta de Olga ao marido Luiz Carlos Prestes e à filha Anita Leocadia Prestes)


Mais informações sobre a trajetória de vida de Olga, acesse o site do Instituto Luiz Carlos Prestes

OBSERVAÇÃO: Texto adaptado do artigo "Revolucionária, sem perder a ternura", de autoria de Anita Prestes, publicado na Revista Nossa História, n. 9, julho 2004, p. 14-21.



sábado, 22 de setembro de 2012

Teoria política e “ciência política”: entre a “grande política” e a “pequena política” *



Por Carlos Nelson Coutinho

Ao contrário do que supõe uma concepção hoje corriqueira, há uma diferença essencial entre a teoria política e a chamada “ciência política”. A teoria política – uma disciplina filosófica – não se submete à estreita divisão acadêmica do pensamento social hoje dominante, que faz distinção entre “ciência política”, “sociologia”, “antropologia”, “economia”, “história” etc. Contrapondo-se a essa empobrecedora departamentalização do saber, a teoria política não hesita em ligar a esfera da política à totalidade social; aliás, parte da convicção de que só nessa articulação dialética com a totalidade é que os fenômenos políticos (que certamente têm sua especificidade) podem ser devidamente elevados a conceitos. A teoria política considera parte ineliminável do seu domínio teórico também os temas hoje considerados “sociológicos”, “econômicos”, “antropológicos”, “históricos” etc.

De resto, esse modo de abordar os fenômenos políticos não tem nenhum compromisso com a chamada “neutralidade axiológica”, ou seja, com a recusa supostamente científica da formulação de juízos de valor. Para quem pretende compreender os fenômenos políticos no quadro da totalidade social, torna-se inescapável a necessidade de articular o ser com o dever ser, ou seja, os fatos empíricos com as possibilidades concretas que estão sempre presentes em qualquer realidade social, por mais aparentemente coisificada que ela se apresente à primeira vista. Como toda manifestação do ser social, também a práxis política resulta de uma articulação entre causalidade e teleologia, entre determinismo e liberdade, entre ser e dever ser. Portanto, a teoria política não tem a pretensão durkheimiana de tratar os fenômenos políticos como “coisas” semelhantes aos objetos naturais; ao contrário, pretende compreendê-los como processos dinâmicos determinados pela práxis, situados no devir histórico e que, por isso, têm sua gênese no passado e apontam para o futuro.

Gramsci, em suas reflexões de teoria política, fez uma importante distinção entre “grande política” (alta política) e “pequena política” (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). Essa distinção, segundo ele, baseia-se no fato de que

a grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. (A. Gramsci. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999-2002, 6 v., v. 3, p. 21)

Poderíamos dizer que, enquanto a teoria política se ocupa da “grande política”, a “ciência política” tem como objeto questões de “pequena política”. Algumas das análises dessa “ciência” (por exemplo, sobre sistemas eleitorais e regimes de governo, sobre a distribuição dos votos, sobre conjunturas imediatas etc., etc.) podem em muitos casos ter interesse empírico e fornecer assim subsídios para a teoria política, mas não vão além da esfera da “pequena política”.

Não é difícil constatar que os autores [como Rousseau, Hegel, Marx e Gramsci] são teóricos da política e não cientistas políticos. Nesse sentido, eles fazem parte de uma tradição que começa em Platão e chega até Hannah Arendt e John Rawls, passando por Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu e tantos outros. Nenhum desses autores se sentiria à vontade se tivesse de responder, num currículo solicitado hoje por uma agência financiadora, a que campo das chamadas “ciências sociais” pertenceriam. Platão era filósofo ou cientista político? Montesquieu era sociólogo ou historiador? Rousseau era pedagogo ou lingüista? Marx era economista ou crítico literário? A simples formulação de tais questões revela quanto a atual divisão departamental do saber acadêmico é incapaz de dar conta da atividade dos grandes pensadores e, portanto, também dos grandes teóricos da política.

Isso significa que a teoria política, assim como a filosofia em geral, tem uma relação orgânica com a ideologia. Gramsci define a ideologia como “unidade de fé entre uma concepção do mundo e uma norma de conduta adequada a ela”, ou seja, como uma representação do ser que está na base da proposta de um dever ser. Uma relação com a ética, com juízos de valor, é assim momento ineliminável da teoria política. Marx formulou isso com precisão ao dizer que não basta entender o mundo, trata-se também de transformá-lo.

Contudo, essa relação entre teoria política e ideologia seria mal compreendida se tomássemos “ideologia” apenas no sentido de “falsa consciência”, “ilusão” ou, o que é pior, “engano” deliberado. Existe também – e é bastante difundida – essa acepção e essa forma de ideologia, que Gramsci chamou de “pejorativa”. É precisamente ela que determina o caráter ideológico de grande parte da produção da “ciência política”, que é “ideologia” no sentido de ser “falsa consciência”, ou seja, de confundir a aparência com a essência, o particular com o universal etc. Ao contrário, na definição de Gramsci, independentemente de ser verdadeira ou não do ponto de vista epistemológico, uma teoria se torna ideologia quando se “apodera das massas”, quando se torna estímulo para uma ação efetiva no mundo real. É nesse sentido que a teoria política se articula com a ideologia: os grandes teóricos da política não se limitam a interpretar o mundo, mas todos eles formulam – de maneira implícita ou explícita – uma proposta de conservá-lo ou de transformá-lo. A depender do ponto de vista de classe que adotam e do contexto histórico em que atua essa classe, suas formulações teóricas podem se aproximar mais ou menos de uma reprodução fiel do ser social. Em todos eles, porém, essa reprodução está ligada a uma proposta de intervir na realidade.

* O texto aqui postado constitui-se de trechos do prefácio, datado de março de 2011, do livro De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política, de autoria de Carlos Nelson Coutinho, publicado pela Boitempo Editorial, no ano de 2011.


LEIA NO BLOG MARXISMO21:  

Carlos Nelson Coutinho (1943-2012): obra e vida valorosas

 

 

CARTA INÉDITA DE OLGA BENARIO PRESTES À ERMELINDA FELIZARDO (AVÓ DE LUIZ CARLOS PRESTES)*


Casa de Detenção - Rio de Janeiro, 12/8/36
Dª. Ermelinda.
Afetuosos cumprimentos.
Conhecendo-a há bastante tempo, pelas muitas vezes que o Carlos se tem referido a seu nome, resolvi escrever-lhe, não só para lhe dar notícias nossas, como também para iniciarmos as nossas relações mais íntimas, pois tenho a esperança que nós ainda nos encontraremos e mesmo que a senhora irá conhecer o seu bisneto.
Quero dar-lhe notícias nossas, somente as principais, pois será difícil descrever-lhe todos os incidentes dos nossos longos meses de prisão. Numa das vezes em que fui chamada à Polícia Central, o Dr. Belens Porto, encarregado do inquérito, me disse que a Senhora havia escrito uma carta ao Carlos. Não sei, porém, se tal carta terá chegado às mãos do destinatário, nem se a Polícia terá permitido que ele respondesse.
O Carlos continua no quartel da Polícia Especial, numa incomunicabilidade completa, que já dura há mais de 5 meses. As autoridades não consentem que ele leia jornais e nem mesmo livros. Ele se encontra isolado, numa sala, a porta daquela ficando sempre aberta, para permitir aos guardas uma vigilância permanente. – A Senhora poderá bem imaginar quanta energia deve custar ao Carlos enfrentar todas estas torturas morais. – Talvez os antigos companheiros e amigos do Carlos possam auxiliar no sentido de que pelo menos livros e revistas lhe sejam entregues.
Da Europa, D. Leocadia já me escreveu, mas sob o pretexto de minha incomunicabilidade, a Polícia impediu a entrega da carta, como também não tive a possibilidade de escrever-lhe. Soube, porém, que ela tem desenvolvido uma grande atividade no sentido da defesa do Carlos.
Quanto a mim, estou, nestes últimos tempos, mais confortada pela presença de várias companheiras de prisão, que já se tornaram minhas amigas. No começo estive também incomunicável. Ultimamente, porém, fui transferida para a sala das mulheres, presas políticas, na Casa da Detenção. Assim é que vim a conhecer entre outras, a Rosa, irmã do Silo, e a Maria Werneck, cujo marido está também preso e que descende de uma família gaúcha.
De saúde, tenho tido bastantes abalos, provocados de um lado pela gravidez (agora já no sétimo mês) devido às condições da prisão, como ainda mais pelas aflições que me dá a inquietude sobre o estado do Carlos. Até hoje e depois da nossa prisão não tive a possibilidade de vê-lo e só recebi algumas cartas dele, em que falava do nosso filho e das providências relativas à nossa defesa.
Corre um processo de expulsão contra mim, por ter eu nascido no estrangeiro. Numa de suas cartas o Carlos comenta este passo do Governo da seguinte maneira: “Tu compreendes que o teu processo de expulsão é a forma jurídica encontrada pelo atual governo para tornar efetivo mais um ato de perseguição política contra mim... Preciso assistir com coragem aos golpes que, impotentes para assestarem diretamente contra mim, dirigem contra as pessoas a quem dedico o meu maior afeto.”
Enfrentando tais perseguições absurdas e diante dos golpes da reação, asseguro à Senhora que, com a mesma coragem com que anteriormente acompanhei o Carlos na luta, mostrar-me-ei, agora, digna do nome dele.
A respeito da minha expulsão, estou confiante que a simpatia pública impeça este ato completamente fora da lei e espero que darei à luz ao filho do Carlos aqui em terra brasileira.
Era o que de essencial eu tinha a dizer nessa primeira carta, que lhe escrevo.
Queira receber um afetuoso abraço de sua neta
Maria**
*Carta escrita na Casa de Detenção (RJ), onde Olga estava presa desde março de 1936, antes de ser extraditada para a Alemanha nazista pelo governo de Getúlio Vargas, em setembro daquele ano, no sétimo mês de gravidez.
**Olga nunca reconheceu, perante a polícia, seu verdadeiro nome e sua verdadeira nacionalidade; com firmeza revolucionária, reafirmou sempre o nome que constava no passaporte - Maria Vilar.
Arquivo Alfredo Felizardo (RS)


"LUTEI PELO JUSTO, PELO BOM E PELO MELHOR DO MUNDO"
Olga Benario Prestes (1908-1942)