sábado, 31 de dezembro de 2011

28 dados sobre Cuba ignorados pelo Jornal Nacional e seus papagaios

Por Omar Pérez Solomon. Tradução: Robson Luiz Ceron. Solídários & Síntese Cubana


28 dados que mostram a força de Cuba, mas propositalmente dispensados pela imprensa hegemônica

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Como já dissera o escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, quando se trata de Cuba, a grande imprensa, “aplica uma lupa enorme que amplia tudo o que ocorre, sempre que há interesses dos inimigos, chamando a atenção para o que acontece na Revolução, enquanto a lupa distrai e deixa de mostrar outras coisas importantes”.


Entre essas coisas importantes, que não são apontadas pelas lupas, chamo a atenção para 28 dados, que mostram a força de Cuba, na véspera de seu aniversário de 53 anos.


1) 8.913.000 de cubanos participaram da discussão do Projeto de Diretrizes para a Política Econômica e Social do Partido e da Revolução, debate prévio ao 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba.


2) Foram registrados mais de 3 milhões de intervenções populares.


3) 68% das diretrizes foram reformuladas após a discussão com o povo cubano.


4) 313 diretrizes da Política Econômica e Social do Partido e da Revolução foram adotadas no 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba.


5) Na linha definida pelo povo cubano para atualização do modelo econômico, até agora, entraram em vigor.


6) 7 decretos-leis do Conselho de Estado.


7) 3 decretos do Conselho de Ministros.


8) 66 resoluções e instruções de ministros e chefes de instituições nacionais.


9) O governo cubano destinará, em subsídios, mais de 800 milhões de pesos para pessoas de baixa renda, como parte da Lei do Orçamento para 2012.


10) O governo cubano vai destinar mais de 17 milhões de pesos para a saúde, a educação e outras necessidades sociais, no orçamento para 2012.


11) No orçamento de 2012, serão alocados 400 milhões de pesos para proteger as pessoas em situação financeira crítica, incluindo pessoas com deficiências e consideradas disponíveis no processo de reestruturação do trabalho.


12) O orçamento do Estado encerrou o ano com um déficit estimado de 3,8% em relação ao Produto Interno Bruto, cumprindo o limite aprovado pela Assembleia Nacional, na Lei do Orçamento de 2011.


13) Produto Interno Bruto cresceu 2,7%, em 2011.


14) No final de 2011, a produtividade de todos os empregados na economia cresceu 2,8%.


15) Mais de 357 mil cubanos exercem o trabalho por conta própria.


16) 33 medidas foram aprovadas pelo Conselho de Ministros e entraram em vigor, em setembro passado, para continuar a facilitar o trabalho por conta própria.


17) Mais de 2,5 milhões de turistas visitaram a Cuba em 2011.


18) Foram produzidos 4 milhões de toneladas de petróleo e gás em 2011.


19) A taxa de mortalidade infantil em Cuba é inferior a 5 por mil nascidos vivos.


20) A expectativa de vida é de 78 anos.


21) 186 países condenaram os EUA pelo bloqueio genocida contra Cuba, durante a Assembleia Geral da ONU, em outubro passado.


22) Cuba ficou em segundo lugar nos Jogos Pan-Americanos Guadalajara, com 58 medalhas de ouro.


23) O Conselho de Estado da República de Cuba concordou em indultar mais de 2.900 presos.


24) Cuba ocupa a 51ª posição, no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, com um alto desenvolvimento humano.


25) Em 14 de dezembro marcou o primeiro aniversário da primeira rede social de conteúdo digital cubano, EcuRed, com cerca de 80 mil artigos e verbetes.


26) Mais de 40 mil cubanos estão em missões de solidariedade por mais de 70 países.



27) Mais de 3 milhões de pessoas foram alfabetizados pelo método “Yo, si puedo”, depois de ser aplicado em quase três dezenas de países ao redor do mundo.


28) Com o início do ano letivo 2011–2012, em 5 de setembro, abriram suas portas mais de 60 universidades na Ilha, com cerca de 500 mil alunos matriculados.



Quem não pode ver isso, é porque se apega a sua cegueira.

 
 
 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O roubo do século


por Silvio Caccia Bava





Os bancos ficaram grandes demais. Maiores e mais poderosos que os governos, eles hoje mandam no mundo e impõem as regras do jogo financeiro internacional. Na crise de 2007/2008 eles impuseram que os governos pagassem as suas contas com dinheiro público, quando suas especulações no mercado não deram certo. Agora, em uma situação muito mais delicada, com os governos já endividados pelo movimento anterior, novamente essas instituições cobram o socorro dos governos nacionais e mesmo da União Européia.



Desconhecendo as lições da crise anterior e até mesmo aumentando os riscos de praticar uma especulação ainda mais intensa, muitos desses grandes bancos estão hoje super expostos num duplo sentido: tanto pela operação especulativa com derivativos, alavancando seu capital na proporção de até 1:50, como é o caso do banco francês Societé Générale; como pela compra de títulos dos governos da Grécia, Espanha, Portugal, obrigados a aceitar taxas de juros escorchantes pelo risco embutido no empréstimo. Hoje, os títulos da Grécia, pelo default anunciado, isto é, pela ameaça real do calote, valem no mercado menos que metade do seu valor de face e, se os bancos que os detém tiverem que se desfazer deles, terão grandes prejuízos. O efeito conjugado dessas duas frentes de especulação leva a um estado de endividamento dos grandes bancos internacionais que ameaça sua solvência.



A sua fragilidade, neste momento, é consequência deles próprios terem criado esse cassino financeiro, em que, especulativamente, ganham fortunas em poucas horas. Sua ameaça, por serem grandes demais, é que, se forem à falência, todo o sistema financeiro entra em colapso e a economia real também. É uma chantagem na qual os governos nacionais ficam reféns. E se os governos aceitam essa chantagem, como vêm fazendo, ficam eles super endividados e, para saldar as novas dívidas, acabam por promover ajustes no orçamento público que implicam corte nas políticas de previdência e nas políticas sociais, desemprego e toda uma cesta de maldades para com a população que termina por colocá-los contra o interesse das maiorias. A Grécia hoje é o melhor exemplo, mas não o único.



Nesse cenário, chamam a atenção duas iniciativas: a estatização do sistema financeiro privado, que ocorreu, por exemplo, com bancos na Irlanda e nos EUA; e os esforços de uma regulação pública supranacional, como se aplica para pôr em prática a União Européia, através do Banco Central Europeu e do Fundo de Estabilização criado há pouco. Estarão, por meio dessas iniciativas, delineando-se novas tendências no plano da governança mundial?



Como os bancos privados vieram se constituindo como os atuais donos do poder? Como foram criadas as condições para que a ciranda do cassino financeiro ameaçasse toda a população do mundo com uma possível Segunda Grande Depressão? Será possível reunificar o que a doutrina neoliberal impôs, que é a separação entre a economia e a política? Haverá possibilidade de um controle democrático do mundo das finanças? Ou continuaremos com a socialização das perdas e a privatização dos ganhos?



Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.



 
 
 

Caridade fingida: ao consolar um pobre, o capitalista faz outros cem


"Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbulo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?"

São Gregório de Nissa, Sermão contra os Usurários, século IV.





O pensamento de Mao e sua influência no PCB

PARA O ESTUDO DA MEMÓRIA DO PCB: A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO ANTIDIALÉTICO DE MAO TSE-TUNG NA ESTRATÉGIA POLÍTICA DO PCB ("DECLARAÇÃO DE MARÇO" DE 1958, RESOLUÇÕES DO 5º E 6º CONGRESSOS)

Por Anita Leocadia Prestes


Publicado na REVISTA DE HISTÓRIA COMPARADA, Rio de Janeiro,5-2:94-106,2011.



A partir da análise e da comparação do pensamento antidialético de Mao Tse-Tung sobre as contradições com as teses da dialética materialista enunciadas por C.Marx, F.Engels e V.Lenin, é abordada a influência das concepções do líder da Revolução Chinesa na estratégia política do PCB, expressa, a partir de 1958, em seus principais documentos.


Palavras-chave: Mao Tse-Tung, Lenin, contradições, dialética marxista, PCB.

Arquivo em PDF, clique aqui


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

UMA REFLEXÃO DE FRIEDRICH ENGELS SOBRE O SIGNIFICADO DO MATERIALISMO DIALÉTICO

"A grande idéia fundamental de que não se pode conceber o mundo como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos, em que as coisas que parecem estáveis, da mesma forma que seus reflexos no cérebro do homem, isto é, os conceitos, passam por uma série ininterrupta de transformações, por um processo de surgimento e caducidade, nas quais em última instância se impõe sempre uma trajetória progressiva, apesar de todo o seu caráter fortuito aparente e de todos os recuos momentâneos; essa grande idéia fundamental acha-se já tão arraigada, na consciência habitual, sobretudo a partir de Hegel, que assim exposta, em termos gerais, mal pode encontrar oposição. Uma coisa, porém, é reconhece-la em palavras e outra coisa é aplica-la à realidade concreta, em todos os campos submetidos à investigação. Se, em nossas pesquisas, nos colocamos sempre neste ponto-de-vista, liquidaremos de uma vez para sempre com o postulado de soluções definitivas e verdades eternas; a cada momento, teremos a consciência de que todos os resultados que obtenhamos serão necessariamente limitados e estarão condicionados às circunstâncias em que os obtemos; já não nos infundirão respeito, entretanto, as antíteses irredutíveis para a velha metafísica ainda em voga entre o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, o idêntico e o diferente, o necessário e o casual; sabemos que estas antíteses têm apenas um valor relativo, pois o que hoje reputamos verdadeiro contém também um lado falso, oculto agora mas que virá à luz mais tarde, da mesma forma que o que agora reconhecemos ser falso possui um lado verdadeiro graças ao qual, anteriormente, foi acatado como uma verdade; que o que se afirma como necessário é feito de toda uma série de simples acasos e o que se acredita ser casual nada mais é que a forma sob a qual a necessidade se esconde, e assim por diante."



F. Engels, Ludwig Feurbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã

Verdadeiro compromisso com a educação


Por Maria Izabel Azevedo Noronha


 
Não é possível falarmos sobre valorização dos professores se temos contratações precárias, jornadas excessivas, salários aviltantes e salas superlotadas


Li com atenção o artigo do secretário da Educação do Estado de São Paulo, Herman Voorwald, neste espaço, na edição do dia 2/12, e quero tecer alguns comentários, como presidente da Apeoesp - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, que possui 184 mil filiados.



Todo esforço para melhorar a qualidade da educação e elevar a valorização de seus profissionais deve ser valorizado e ter continuidade. Não há que duvidar da vontade do secretário de melhorar a educação, mas é preciso ponderar suas afirmações.



O que nos interessa é a efetiva melhoria do processo ensino-aprendizagem nas escolas estaduais. O secretário faz uma análise interessante sobre a expansão da rede pública de ensino e suas consequências para a qualidade do ensino.



Mas é preciso atuar com medidas concretas, que tenham efeito em toda a rede. Por exemplo: se o governo estadual sabe quais são as condições necessárias à qualidade do ensino, por que implementá-las em apenas 16 unidades, e não em toda a rede? O que é bom não pode ser para poucos, ou não passa de uma estratégia de marketing.



Todos reconhecem a desvalorização dos professores da rede estadual. Ela se agravou com uma lei de 1997 que achatou a escala salarial, reduziu as possibilidades de evolução, causou sérios prejuízos aos aposentados e provocou perdas salariais da ordem de 36,74%.



A política salarial que o secretário menciona nem ao menos equaciona essas perdas; muito menos assegura salários adequados.



Ao mesmo tempo, tal política salarial, ainda que não seja a que almejamos, só foi possível porque realizamos uma greve de 35 dias em 2010, denunciando para todo o Brasil a situação da rede estadual de ensino de São Paulo.



Estamos participando da atual discussão sobre a carreira, que ainda se limita à regulamentação dos novos níveis criados pela lei nº 1.143/11. Queremos uma discussão estrutural sobre a carreira, para que ela valorize o professor diante do seu papel social, corrigindo distorções e injustiças.



Não é possível falar em valorização profissional com a contratação precária de professores, salários aviltantes, jornada excessiva em sala de aula, salas superlotadas, adoecimento profissional, violência nas escolas e tantos outros problemas.



Recentemente, a Folha publicou um dado que já havíamos divulgado: no nosso Estado, apenas 17% da jornada do professor pode ser dedicada à preparação de aulas, trabalho pedagógico, formação, elaboração e correção de provas e trabalhos. A Apeoesp conquistou uma liminar para que o Estado cumpra a lei 11.738/08, que determina o mínimo de 33% da jornada de trabalho em atividades extraclasses.



Diante desse quadro, o caminho é valorizar o magistério, e não contratar bolsistas para "auxiliar" os professores. Precisamos é de bons salários, carreira adequada, condições de trabalho e reconhecimento do nosso papel como profissionais e como educadores. Isso, sim, é compromisso com a educação.



MARIA IZABEL AZEVEDO NORONHA é professora da rede estadual de ensino, presidente da Apeoesp - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Educação e do Fórum Nacional de Educação.

 
 
FONTE: Folha de São Paulo, 27 de dezembro de 2011.
 
 

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A Maior Flor do Mundo | José Saramago

Em Cuba existe um grande debate público


Transcrição da entrevista dada pelo professor Rafael Hernández [1] ao programa A tarde se move (La Tarde se Mueve), sob apresentação do jornalista Edmundo García, da rádio 14.50 AM de Miami-Florida, do dia 20 dezembro de 2011, de cinco a seis horas da tarde.

Edmundo García: Amigos, muito boa tarde. Bem-vindos, bem-vindos a "La Tarde se Mueve". Tal como anunciei ontem, na tarde de hoje contarei com a presença de um cientista social: o Dr. Rafael Hernández, que hoje nos acompanha após concluir um ciclo de trabalho, nesta ocasião, para a Universidade de Harvard. Dr. Rafael Hernández, eu o entrevistei há quatro anos e quatro meses, em Montreal, por ocasião de um Congresso da LASA (Latin American Studies Association), por isso gostaria de começar por onde deixamos aquela conversa. Eu a recordo porque a reli, não sei se o senhor a recorda. Boa tarde e muito obrigado a Rafael Hernández por estar novamente em "La Tarde se Mueve".



Rafael Hernández: Boa tarde, e muito obrigado a você, Edmundo; e obrigado aos ouvintes por estar atentos a esta conversa.



EG: Vamos retomá-la onde a deixamos. O que lhe digo de concreto é que há quatro anos e quatro meses falávamos de "reajuste", hoje se fala de processo de "atualização" do modelo socialista cubano. As relações de Cuba com a América Latina foram também um tema naquela entrevista. Hoje isso se transforma com a criação da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe). E falamos também, naquela época, do estilo de direção do, hoje, Presidente Raúl Castro. Naquele momento, ainda não era Presidente como hoje. E das relações raciais em Cuba; tema que fará parte da Conferência do Partido no próximo janeiro de 2012. Não quero que me venha com particularidades, já iremos a elas; fale-me em geral. Disparei várias coisas e quero que, de modo geral, o senhor me diga como vê esses diferentes fatos, no dia de hoje.



RH: Bom, é evidente, quatro anos depois, que a tendência se manifesta já nas relações exteriores de Cuba, em geral, e em particular com a região da América Latina e do Caribe, se consolidou e se aprofundou. Hoje Cuba tem relações com absolutamente todos os países da América Latina e do Caribe, inclusive El Salvador e Costa Rica, que foram os últimos; tem relações, naturalmente... Nunca foram interrompidas, com o Canadá. As únicas relações no hemisfério que seguem rompidas são com os EUA. Então, essas relações, hoje, estão feitas de um ingrediente fundamental que não é necessariamente uma identidade ideológica, porque a América Latina é uma multiplicidade, é uma pluralidade de conteúdos políticos, de processos políticos. Está sendo feita de uma vontade de cooperação, de uma vontade de integração, de um interesse comum compartilhado. E Cuba forma parte desse aspecto latino-americano contemporâneo. Se olharmos para trás, não há quatro anos, quando da entrevista que você gentilmente me fez no Canadá, mas sim há cinquenta anos, quarenta e cinco anos, há quarenta anos, em que Cuba estava completamente isolada no hemisfério, em que Cuba era vista por muitos governos da América Latina como uma ameaça, hoje a situação é radicalmente diferente. Em países onde houve guerrilheiros cubanos combatendo, na Venezuela e na Bolívia, hoje existem governos com os quais Cuba tem as relações mais estreitas do que nunca existiram. De fato, existem outros processos que não têm esse conteúdo tão radical, com os quais Cuba tem também pontos de comunicação e colaboração muito mais profundos do que nunca existiram, como é o caso do Brasil, como é o caso das relações com países como a Argentina e, por suposto, o Equador.



Mas, em geral, estamos vivendo um contexto latino-americano que está muito mais próximo de Cuba. E não é só que a política cubana se moveu, mas que a política da América Latina e do Caribe se moveu em relação a Cuba. A América Latina e o Caribe estão mais próximos de Cuba hoje, inclusive em outros processos que não são tão próximos do cubano, que não compartilham tantos problemas como os que têm em comum a agenda de Cuba e a agenda da maioria dos países do Caribe. Inclusive os mais afastados têm muitas coisas em comum, estão mais próximos de Cuba do que nunca antes.



Sobre os outros temas que você mencionava, creio que o problema das relações inter-raciais em Cuba avançou na medida em que se converteu cada vez mais num tema de debate público. Já hoje se fala não em círculos restritos, inclusive em marcos institucionais exclusivamente, senão que se trata o tema de uma maneira muito ampla e, como você diz, esse debate tem a ver também com uma política do Partido dirigida a complementar, a suprir, a facilitar, a fazer com que se tome maior consciência, publicamente, nos livros de história, na televisão, nos meios de comunicação, acerca do grande saldo de contribuição dos afrodescendentes em Cuba à construção da nação e da cultura cubana. Eu creio que se avançou muito nessa direção, creio que o que se logrou foi não o resultado de uma decisão política, creio que vem de baixo, creio que a sociedade civil cubana se manifestou através dos meios culturais, através dos meios intelectuais; cresceu o espaço ganho para o debate público.



O próximo número da revista "Temas" estará dedicado à comunicação e à esfera pública em Cuba; já podemos falar de uma esfera pública expandida no sentido de um espaço de convergência de diversas correntes, de posições, de critérios, e de fato eu diria que a política cubana, a política do governo e do Partido estão hoje mais próximas do que nunca desse debate.



EG: Prof. Rafael Hernández, em novembro passado, este ano, em novembro, o senhor fez uma apresentação sobre o tema cubano no Diálogo Interamericano, junto com outros especialistas, como Julia Sweig, Diretora do Latin American Studies del Council for Foreing Policy. Nesse encontro definiram o atual processo político cubano como "update" do socialismo; quer dizer, "atualização" do socialismo, e deixaram claro que Cuba não ia pelo chamado caminho das primaveras árabes... Quero que o senhor explique aos ouvintes e aos leitores desta entrevista, que será transcrita também, com suas próprias teses, por que Cuba não foi ontem pelo caminho da URSS e dos países da Europa do Leste, quando renunciaram e se desintegrou a URSS, e por que não é hoje como o Egito, como a Líbia ou como a Tunísia que, por certo, acaba de cumprir no fim de semana passado o primeiro aniversário de sua "primavera democrática". Por que Cuba não, e como vai o "update" do socialismo?



RH: Bom, eu creio que o processo de mudança que teve lugar nos países da Europa Oriental e na União Soviética teve uma natureza diferente do que teve lugar em Cuba nos últimos vinte anos e que, hoje, se encaminha através de políticas e através de uma legislação que está contribuindo para projetar um novo modelo socialista. No caso da União Soviética, a Perestroika e a Glanost começaram por serem políticas de reforma, mas muito claramente se advertiam correntes profundamente antissocialistas e também a expressão de males profundos instalados desde a época do stalinismo. A União Soviética, apesar do período de renovação de Kruschov nos anos 50 e 60, apesar dos intentos de modernização do modelo econômico, dos êxitos indubitáveis que teve a União Soviética na conquista do cosmos, de seu enorme poderio militar, a União Soviética nunca pode ultrapassar, como sistema político, os males que arrastava da época de Stalin. Essas marcas ficaram ali, o Partido e a liderança soviética foram perdendo cada vez mais o contato com as suas bases, muitos cidadãos soviéticos, autenticamente socialistas, não sentiam, entretanto, que tinham suas ideias e seus sentimentos refletidos nas políticas e na complexa situação dos países da Europa do Leste, pois ali, obviamente, o socialismo nunca deitou raízes profundas, nunca teve raízes profundas; e isso foi, sobretudo resultado de uma situação de fato, na qual o Exército Vermelho ocupou essas cidades depois da Segunda Guerra Mundial e do Pacto de Yalta, etc. O que se conhece a respeito...



No caso de Cuba, como todo o mundo sabe, as origens do processo socialista cubano estão na própria situação histórica cubana de fins da década dos anos 50, é o resultado acumulado de uma luta pela liberdade e pela independência que vem desde o século XIX. Não se pode entender a revolução socialista sem entender que é a desembocadura de um processo histórico anterior. E digo a desembocadura não porque seja o ponto de chegada; porque nunca é "a" chegada final, sempre há uma ponte adiante; e isso é o que está se passando agora. O que está se passando agora é que nos últimos vinte anos, não só como resultado do fim do bloco socialista, não só como resultado da desconexão de Cuba do sistema internacional através do conduto que a ligava à União Soviética e aos países da Europa do Leste, senão que como resultado das insuficiências do próprio modelo socialista que se esgotou.



A partir de sua adoção no ano 1976, se esgotou. Tinha já sintomas de esgotamento em meados dos anos 80 e, nos anos 90, entrou "junto com a", "catalisada pela" queda do campo socialista, entrou num claro processo de crise; isso que chamamos em Cuba o "período especial". O "período especial" não é somente uma crise econômica, é uma crise da maneira de pensar o socialismo, é uma crise de valores, é uma crise moral, é uma crise que envolve a sociedade; de maneira que esta transformação não começou há seis anos, quando Raúl Castro tomou posse. Nem há uns meses, quando o Partido adotou as medidas econômicas e sociais aprovadas no Congresso. Começou muito antes a transformação da sociedade cubana, a manifestação de problemas que estavam lá, de espaços nos quais a opinião pública se estabeleceu, um espaço maior de debate junto com uma crise, junto com a queda do nível de vida. Se produziu ao mesmo tempo uma expansão dos espaços de liberdade de expressão dentro de Cuba. Isso é um fato patente, qualquer um que tenha visitado Cuba há vinte e cinco anos e há visite vinte anos depois, agora, poderá se observar que este debate público se expandiu muito, ainda quando não se reflita nos meios de comunicação. Isso não tem nada a ver com o que ocorreu e com o que era o status quo existente nos países do norte da África, nos países árabes. Isso não tem nada a ver com o que ocorreu no Egito, no Marrocos, na Líbia... Não tem nada a ver porque nem a cultura, nem o regime político, nem o processo histórico que conduziu a isso têm nada a ver.



Falam-se, alguns analistas fazem comparações, puxados pelos cabelos, que atribuem aos celulares, ao Facebook e ao Twitter a possibilidade da subversão, de ser o instrumento da subversão. Isso é absolutamente ridículo, isso é como crer que houve revoluções políticas produzidas pelo telefone e pelo telégrafo. Isso é conferir aos aparatos, à tecnologia, um poder de força de expressão, de motivo e de causa no desencadeamento de um processo de transformação social e política. Esses processos tiveram lugar nos países árabes, onde uns regimes muito autoritários e que cada vez menos refletem os interesses da população se desmoronam.



Em Cuba, nestes vinte anos de dificuldades econômicas sérias, de mal-estar e, inclusive, de crise de valores, em todos esses anos não houve realmente signos significativos de instabilidade política. E não porque a política cubana seja mais efetiva que qualquer outra. De fato, a política cubana não utiliza a violência, os meios de repressão que são tão comuns em quase todas as partes, inclusive nos Estados Unidos, para reprimir as manifestações. E pensar o contrário seria pensar que o povo cubano, numa situação de decisão de que esse fosse o melhor caminho, no teria o valor para fazê-lo, porque tem medo da polícia. Isso é ridículo. De fato, o que ocorre é que o consenso político que se rearticula neste contexto dos anos 90 e dos anos 2000 é um consenso político que demanda um sistema mais descentralizado, um sistema que envolva um espaço maior para o setor não estatal, uma redução do aparato burocrático e uma série de medidas que devolvam à população o padrão de vida que logrou ter nos anos 80 e que foi fruto do socialismo. Um modelo socialista que, com o passar do tempo, deixou de ter capacidade para seguir mantendo esse alto nível, não somente, repito, pela queda da União Soviética.



O que ocorre, por conseguinte, agora, é que essa mudança de consenso também é um consenso no qual há uma coincidência em torno a não produzir situações de perturbação da ordem, de violência pública, de altercação, de uso de meios de força para resolver esse problema. Muito poucas pessoas em Cuba realmente pensam inclusive pessoas que estão na oposição ao governo, realmente pensam que a melhor maneira de resolver isso, essa situação em que estamos, é a de recorrer à violência, a de recorrer à insurgência, a de recorrer à perturbação da ordem. E isso é muito evidente para qualquer um que visite Cuba e é mais evidente, obviamente, para quem vive dentro de Cuba.



EG: Prosseguindo com o processo de reformas em Cuba, quisera pedir-lhe que nos esclareça sobre uma espécie de prólogo que a maioria dos especialistas faz quando se refere às mudanças na ilha. Quase todo o mundo assinala que as reformas têm inimigos, que há pessoas revolucionárias que estão contra as reformas em Cuba. Agora bem, se pode identificar algum desses adversários para mais além do termo geral de "a burocracia"? Sempre se diz "a burocracia", mas existe algum documento, existe algum livro ou algum discurso de alguém, falo de nomes, que permita dizer "olhem, aqui está, este é um documento da contrarreforma em Cuba, isto é o que estão dizendo alguns dirigentes que se opõem à reforma"? Existe isso, o senhor conhece algo assim?



RH: Bom, eu creio que não. Eu creio que as expressões de resistência à mudança são expressões que eu, para andar rápido, chamaria de oposições que não são negativas, que são construtivas, e de outras que são francamente negativas.



Entre as construtivas, indicaria aqueles grupos que obviamente não vão receber um benefício instantâneo e direto, porque não participam dos espaços e das novas oportunidades que se abrem com o trabalho por conta própria e com a ampliação do setor não estatal. Entre outros, as pessoas que têm uma idade que já não lhes permite incorporar-se à força laboral ou iniciar um novo projeto de vida, aquelas pessoas que estão definidas como abaixo do nível de pobreza, o que cresceu no período da crise. Alguns sociólogos estimam isso ao redor de 20% da população. Estas pessoas não dispõem necessariamente dos recursos para poder aproveitar as mudanças que estão tendo lugar, com o que existe a necessidade de uma política social que aproveite o crescimento da economia para apoiar esta posição desvantajosa destas pessoas que se enfrentam às reformas, às mudanças, com uma determinada incerteza, com uma considerável incerteza, porque não representam para eles uma clara oportunidade de recuperação de seu padrão de vida. Essas pessoas não se colocam necessariamente frente à reforma com expectativa, com as ganas e com o entusiasmo de outras que, sim, têm essas condições.



Há também uma resistência negativa que foi identificada pela direção do governo explicitamente, que é a burocracia. A burocracia não se opõe através de discursos, a burocracia não se opõe tampouco através de um documento; se opõe na lentidão com a qual se implementam as medidas já adotadas, já aprovadas; no que Raúl Castro descreve como uma velha mentalidade das mudanças, como impedimento, como a inaptidão de um estilo de trabalho antiquado e que se manifesta, por exemplo, em meios de comunicação que são um insulto inclusive ao nível educacional dos militantes do Partido. Essa crítica a esta inércia com a qual o aparato burocrático se demora em adotar novas regras, em adotar novos padrões, em operar de acordo com os novos critérios e os novos enfoques é possivelmente o mais difícil de mudar, de transformar e, do meu ponto de vista, fará que a Conferência do Partido tenha isso como um de seus pontos centrais.

De maneira que a sua pergunta de se há um, como o chamam aqui nos Estados Unidos, um "revólver que faz fumaça", um "smoking gun", um lugar onde se vá e se leia que fulano de tal, com nome e sobrenome, que vive em tal lugar, se opõe ferozmente às mudanças, eu creio que isso não é o principal... Ainda que, sim, pode haver pessoas que se manifestem publicamente contra as mudanças e, de fato, em algumas publicações se pode ver, e na Internet, como algumas pessoas receiam que essas mudanças, por exemplo, darão lugar à emergência de uma pequena burguesia e, de certa forma, de expressões de capitalismo. Essa velha mentalidade, que observa em cada ramo do mercado e em cada segmento da pequena propriedade privada a emergência do capitalismo, é muito lógico que exista, porque houve durante muito tempo uma maneira de enfrentar as mudanças que estigmatiza esta emergência de novos atores e de novos espaços para o mercado e que toma como definição absoluta de socialismo, o socialismo de Estado centralizado, que imperou em Cuba durante todos esses anos. Ou seja, que é lógico que existam essas expressões de mentalidade que diga, bom, esses são males necessários. Mas está claro, e este é um dos aspectos mais importantes do momento atual, que, no último ano, a posição do governo cubano foi não só a de legalizar senão que a de legitimar a presença desses novos setores na economia e na sociedade cubana como parte da família socialista; estes, os trabalhadores por conta própria, os cooperativados, a gente que funciona no terreno da pequena empresa: não são emissários do capitalismo, é parte da família socialista, é parte da família revolucionária e assim tem sido reiterado pela direção máxima do governo.



EG: Vamos ao tema do Congresso e da Conferência do Partido. Quase se consolidou como outro lugar comum e queria saber sua opinião. Há analistas, os chamados cubanólogos ou observadores da realidade cubana, que aceitam como um fato que os alinhamentos do passado Congresso do Partido são o documento diretor das transformações, da atualização do socialismo, e que estão neles as propostas suficientes para atualizar o modelo de socialismo. Sem embargo, esses mesmos têm uma posição de alguma maneira mais crítica com o documento da Conferência Nacional do Partido. Alguns dizem que as propostas não são semelhantes. Minhas perguntas específicas seriam: você percebe distância entre ambos os documentos, entre o do Congresso e o da Conferência do Partido? E, junto, vou atirar três em uma: você crê que o Partido avance em seu próprio processo democrático? E finalmente o que espera da Conferência a ser realizar em janeiro? São três perguntas em uma.



RH: Eu creio que os conteúdos dos alinhamentos econômicos e sociais, tal como foram adotados no Congresso, têm naturalmente carências, têm espaços vazios, e esses espaços vazios foram suscitados durante os debates que milhões de pessoas sustentaram sobre os alinhamentos durante várias semanas. Eu creio que não se pode entender a projeção dos alinhamentos se não for acompanhada do Discurso Inaugural ao VI Congresso do Partido, por parte de Raúl Castro, que disse claramente que sem que uma transformação do estilo de trabalho político, sem que uma mudança na maneira de conceber o papel do Partido, sem que uma mudança também na democracia dentro do Partido, na participação, no estilo de trabalho do Partido em suas relações com a população, sem essa mudança, as reformas não terão êxito. E eu creio que isso, obviamente, está chamando a atenção sobre o fato de que os eixos que atravessam esses alinhamentos econômicos e sociais são eixos políticos.



A maior parte dos analistas adota o critério de que se trata de uma série de medidas estritamente econômicas, como se em um país como Cuba, com o tipo de sistema político e social que têm, se pudessem fazer mudanças econômicas de fundo, que modifiquem estruturalmente a ordem existente no terreno da economia, sem mudar os demais. Se, se lê detalhadamente os alinhamentos econômicos e sociais vai se encontrar que o tema da descentralização, o tema da desestatização, o da desburocratização e o do império da lei, o do uso da legalidade como um instrumento das mudanças, como um marco dentro do qual as mudanças não somente se adotam senão que se consolidam e se tornam permanentes, o que é um dado muito importante, um aspecto muito importante.



Essas mudanças são mudanças políticas. São mudanças políticas, obviamente, são mudanças que têm a ver com a redistribuição do poder, com tirar poder das estruturas centrais e entregar mais poder às estruturas de base, às estruturas locais. E isso tem a ver com a democratização do sistema. Possivelmente, muitos dos que criticam o documento da Conferência do Partido esperavam encontrar este tema da democratização ou este tema das ausências, das omissões nos alinhamentos − por exemplo, o papel dos sindicatos, o papel dos trabalhadores nos centros de trabalho, nas decisões que se tomam nos centros de trabalho etc. −, como o eixo central do documento. Eu penso que, se tomamos em conta o que ocorreu, a Conferência do Partido pode retomar e abundar sobre todos esses problemas que estão aí, que estão no centro mesmo da problemática política cubana.



E o digo por que uma das coisas que foi realmente admirável no Congresso do Partido é que no Congresso houve um congresso, houve uma discussão; nós vimos pela televisão, os cubanos e os não cubanos pudemos ver pela televisão um debate real em torno do esboço que foi debatido por parte da população. O Congresso teve um conteúdo, não foi simplesmente um exercício ritual para dar um cunho legal a uma política já decidida, senão que no Congresso se tomaram decisões, se adotara mudanças que não estavam lá. É de se esperar que a Conferência do Partido mude do mesmo modo; se faça cargo do que significam as expectativas da população e se faça cargo da mudança, por suposto, disso que, eu dizia há pouco, é o mais difícil, é quiçá o desafio maior, que é mudar o estilo político. O estilo político que não quero dizer estilo no sentido da forma de fazer as coisas. Trata-se de toda uma concepção em relação com o que é a política, com o que é a participação dos cidadãos e com o que é a relação entre isso que o Che Guevara chamava a vanguarda e a massa; que já hoje é mais a relação entre os dirigentes e os dirigidos, é mais a relação entre as instituições políticas representativas da população, dos interesses e desejos da população, e as respostas que as instituições políticas dão a esses interesses e desejos da população; a capacidade para dialogar, a capacidade para governar respondendo às pessoas, não como um pacote de políticas que se tem que aplicar não importa o que as pessoas pensem. Adotou-se uma medida que é a medida da nacionalização do emprego... Há mais de um milhão de empregos sobrando. É uma análise econômica. Entretanto, a demora na aplicação destas medidas, obviamente, foi o resultado de dar-se conta de que a população estava angustiada, que havia uma angústia nas pessoas em relação ao tema do desemprego; uma angústia natural, uma preocupação natural. Eu creio que o próprio governo, ao se demorar em aplicar essas medidas, demonstrou um alto grau de sensibilidade política.



Eu creio que uma coisa que distingue a direção cubana é essa sensibilidade política a respeito do que a população sente e pensa. É difícil crer, ainda que haja quem o creia, que a direção máxima cubana não está ao tanto do que a gente da rua sente e pensa. E, em um momento como este, no qual os cubanos se expressam em diferentes espaços, no qual fazem sentir suas ideias, fazem sentir seus interesses e seus pontos de vista, que não são homogêneos, obviamente, estamos falando de debate. Sempre que falamos de um espaço de interesses e de ideias estamos falando de diferenças, estamos falando de não coincidências, mas escutá-las e refletir sobre elas, e assumir responsavelmente esses interesses e esses desejos da população, eu creio que está no centro da preocupação do governo cubano atual. E penso que o que se adote, assim como os alinhamentos econômicos e sociais adotados pelo Congresso, o que se adote não é uma varinha mágica, o que se adote não vai ser uma camisa de força, um plano que se vai aplicar como se fosse um livrinho, uma bíblia, mas sim um instrumento de trabalho que se vai transformando na medida em que, ao longo dos próximos meses, se implementem, sem pressa, sem precipitação, porém sem pausa.



EG: Peço a sua capacidade de síntese, pois nos sobram vários temas. Número um, que impressão lhe dá que a Emenda do congressista cubano-americano Mario Diaz-Balart não tenha podido colocar-se como um brinco no orçamento para o funcionamento do governo dos Estados Unidos? Aqui, tivemos que dar uma grande batalha nos meios alternativos para que se tomasse consciência sobre isso... Que opinião geral lhe merece tudo isso que aconteceu neste fim de semana em Washington e Miami?



RH: Olha, eu penso que as mudanças oficiais, as mudanças reais na política dos Estados Unidos em relação a Cuba, realmente, se reduzem ao que o Presidente Obama prometeu em sua campanha a respeito de facilitar o encontro, facilitar a ajuda dos cubanos que vivem aqui com os cubanos que vivem na ilha. E realmente isso se adotou em um momento determinado... Retrair-se, retroceder frente a um grupo de pressão como esse é falhar com as promessas feitas, com as aspirações e com os interesses legítimos dos cubanos que vivem nos Estados Unidos em relação a seus familiares, haveria sido uma prova não somente de inconsequência em relação a essa base eleitoral da Flórida, senão que uma prova de fraqueza política, não só em relação a Cuba.



E eu creio que a administração respondeu mostrando que tem uma capacidade e uma determinação, como executivo, de enfrentar esses desafios, que não têm nenhuma base legítima; porque, na realidade, pedir desde a perspectiva de uma suposta representação dos interesses da comunidade cubana nos EUA, pedir, desde a perspectiva deles, ao governo, que bloquei a possibilidade de que ajudem seus familiares, a possibilidade de que os visitem, é um sem-sentido, é uma flagrante contradição em termos, é a prova mais palpável de que esse grupo de interesse político não está representando os interesses e desejos da maioria dos cubanos nos Estados Unidos. E muito menos responde a uma motivação de democracia e liberdade em Cuba. Essa é a base de legitimação pretendida da política de bloqueio que vai cumprir cinquenta anos. Essa inconsistência, para mim, fora um signo, um sinal de fraqueza que vai além, repito, da relação com Cuba, num contexto em que a administração se encaminha já, diretamente, para a campanha do ano que vem a campanha eleitoral.



Então, eu penso que a ressonância das vozes da sociedade civil real, da autêntica sociedade civil dos cubanos dos EUA, de órgãos como a rádio alternativa, que você representa muito bem com seu programa, e de tantos americanos que estão interessados também em que os cubanos possam continuar visitando e que eles mesmos possam conhecer, por seu próprio olhar, por sua própria mão, por si mesmos, tocar diretamente na ilha, eu creio que isso é um consenso claro, que é evidente, que se manifesta. E isso foi uma prova de força, na qual a derrota desse grupo de interesse foi suficientemente eloquente, não somente porque não o pude lograr, mas porque mostrou sua natureza, mostrou sua verdadeira índole que, repito, não é representativa dos cubanos daqui.



EG: Deixe-me dizer-lhe que, finalmente, estavam tratando de defender a restrição às viagens a Cuba misturando-a com qualquer tema. Entre os temas com os quais a trataram de misturar, esteve o tema de Alan Gross, que se encontra preso em Cuba, algo que é bem conhecido. E minha pergunta específica seria isto o fiz como um comentário: Como vê o problema de Alan Gross e o problema dos cinco heróis da República de Cuba, lutadores antiterroristas? Diga-me se o senhor visualiza uma saída a curto ou médio prazo.



RH: Bom, eu creio que o olhar com o qual se desenvolveu todo o julgamento, que levou à condenação dos cinco cubanos − quatro deles continuam presos, um deles já foi libertado mas ainda não pode regressar a seu país, assim que, de certa forma, continua preso − contaminou, como em muitos outros momentos da história dos Estados Unidos, contaminou o julgamento, contaminou o caráter verdadeiramente justiceiro do processo, da sentença do tribunal.



Sobre isso não tenho que me estender, porque foi muito comentado. De maneira que esses presos são presos políticos, são presos que estão aí por haver cometido uma falta política, e a possibilidade de que sejam soltos, eu creio que corresponde à justiça, depois de cumpridos quinze anos de prisão.



Isso deveria acontecer sem que nada ocorresse do lado de Cuba, mas se houvesse gestos, ou atos, ou mudanças, do lado de Cuba, que se pudessem citar como mudanças importantes em relação ao comportamento do governo cubano em torno a ter pessoas em prisão, faz poucos meses, em um diálogo com a Igreja Católica, o governo cubano, como resultado desse diálogo, libertou a mais de cinquenta pessoas que estavam presas em Cuba com acusações de conspiração com uma potência estrangeira. E isso o fez com um gesto que não foi “um quid pro quo”, foi em troca de nada, o fez unilateralmente e o fez por um ato de justiça, a partir de que entendeu que era conveniente, que era justo, que era razoável que se aceitara a partir da demanda apresentada pela Igreja Católica. Respondeu à Igreja Católica de Cuba. Eu creio que o papel que a Igreja Católica de Cuba tem tido em modelar o diálogo com o governo é um avanço, um progresso... O diálogo da Igreja Católica com o governo cubano se aprofundou e adquiriu uma qualidade nova nos últimos anos. Desde a visita de João Paulo II... e na próxima visita do Papa. Eu creio que, no contexto da visita do Papa à Cuba, tanto o governo dos EUA como o governo de Cuba deveriam pensar, ou poderiam pensar... Eu não sou ninguém para lhes dizer o que têm que fazer, mas, sim, creio que poderiam pensar na conveniência, na oportunidade, no razoável de considerar a situação dessas pessoas que estão presas por esses motivos, por haver violado a lei de ambas as partes, mas onde, obviamente, o contexto político sobrecarregou... em ambos os casos. Eu não creio que se poderia afirmar que a politização teve o mesmo caráter de ambos os lados, mas, em qualquer caso, se trata de situações judiciais nas quais o fator político tem um peso importante. E, definitivamente, eu creio que as mudanças e o relaxamento de tensões, por diferenças acumuladas ao longo de cinquenta anos, é da responsabilidade dos dois governos. E eu diria que, em termos gerais, há uma longa lista de medidas, inclusive todas essas reformas que estão tendo lugar neste momento, e com as quais está empenhado o governo cubano e a população em Cuba, todas essas mudanças formam parte de uma série de transformações ocorridas em Cuba durante os últimos vinte anos, sem que, lamentavelmente, do lado dos Estados Unidos tenha havido uma ação favorável de qualquer tipo.



EG: Muito obrigado ao Dr. Rafael Hernández. Finalmente, para terminar a entrevista, estamos no Natal, em festas de fim de ano. Ao senhor lhe gosta mais celebrar essas festas com cânticos ou com os Van Van?


RH: Bom, os Van Van também podem entoar cânticos... Eu creio que em ritmo de timba.



EG: Muito obrigado ao Dr. Rafael Hernández. Muitas outras perguntas sobraram já preparadas; por questão de tempo não puderam ser feitas. Muito obrigado, feliz Natal e felizes festas.



[1] Rafael Hernández é cientista social. Diretor da revista TEMAS, uma publicação cubana trimestral dedicada à teoria e à análise dos problemas da cultura, da ideologia e da sociedade. Hernández foi professor Adjunto na Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Colúmbia; recentemente, cumpriu compromissos acadêmicos como Professor Visitante da Universidade de Harvard. Publicou vários livros e ensaios sobre temas de emigração, segurança internacional e cultura cubana. É um profundo conhecedor das relações Cuba-EUA no plano acadêmico.



FONTE: blog Cambios en Cuba. Tradução: Segio Granja. Revisão para esta versão: Sturt Silva.
 
 

Cuba não teme a mentira: o que a TV Globo omite?


"Houve tortura na Ilha de Cuba, sim senhor, mas na base de Guantánamo, que não é nosso território. Fale para eles [entidades de direitos humanos] que discutam conosco direitos... em igualdades de condições e vamos ver o que sai. Quem controla a imprensa? Vocês são jornalistas e sabem disso. Quando escrevem algo que não convém ao dono o que acontece? Desde que um tal de Guttemberg inventou a imprensa, só se publica o que quer o dono da empresa."
(Raul Castro, ao ser questionado sobre o desrespeito aos direitos humanos em Cuba e após lamentar a morte de preso em greve de fome; 25-02)
 


Clique nos títulos abaixo















Frei Betto: revolução cubana se move criticamente sobre si mesma

Salim Lamrani desmascara dissidente cubana, a blogueira Yoani Sanchez

Cuba: dissidentes ou traidores?

Cuba não teme a mentira*

Nova agressão do governo dos Estados Unidos a Cuba

UNICEF confirma: Cuba tem 0% de desnutrição infantil

Michael Moore em Cuba

Desligue a TV e leia um LIVRO...

Assessor do Senado norte-americano pede fim de sabotagem contra Cuba

Desde ontem (26/12), o Jornal Nacional vem apresentando uma série de reportagens sobre a vida dos cubanos sob a "tirania" dos irmãos Castro. Em contraponto à série global, segue o artigo de Fulton Armstrong, assessor da Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano - aquele que fundamenta os argumentos legais para a discussão de projetos de lei a serem votados -, que resolve tornar pública, no insuspeito "Miami Herald", uma denúncia contra a ineficácia dos planos de sabotagem patrocinados pelos Estados Unidos, de forma ilegal e clandestina, contra a Revolução Cubana.




Asesor del Senado de EEUU pide eliminar programas de subversión contra Cuba


Un artículo publicado por The Miami Herald con el título “Es hora de limpiar los programas que promueven un cambio de régimen en Cuba” y firmado por Fulton Armstrong, asesor de la Comisión de Relaciones Exteriores del Senado de los Estados Unidos, reconoce que los programas del Departamento de Estado para un cambio de régimen en Cuba “tienen las señas de una operación encubierta de inteligencia.”



Añade que “como los otros millones de dólares que hemos gastado para derrocar al gobierno cubano, estos programas han fracasado”.



Es hora de limpiar los programas que promueven un cambio de régimen en Cuba

Por Fulton Armstrong
The Miami Herald
Traducción: Cubadebate



El subcontratista del USAID, Alan P. Gross, marcó su segundo año en una cárcel cubana por llevar a cabo en Cuba operaciones encubiertas de “promoción de la democracia”.



El portavoz de la Casa Blanca, Jay Carney, exigió que Cuba lo libere inmediatamente y alardeó diciendo: “Las autoridades cubanas han fracasado en su esfuerzo de querer utilizarlo como un peón para sus propios fines”.



El mensaje está muy claro: Gross es nuestro peón, no el de los cubanos. Las señales enviadas por el gobierno estadounidense han sido muy evidentes. Para La Habana, el mensaje ha sido: “No negociaremos”. Para Gross, el mensaje es: “Mala suerte”. Y a los estadounidenses que piensan que nuestra política hacia Cuba, que tiene más de 50 años, debe someterse a una revisión, les dicen: “No esperen lo imposible.”



Cuando una operación encubierta de la CIA nos sale mal y cae preso un oficial clandestino, el gobierno de EE.UU. desempeña una estrategia para negociar su liberación. Pero cuando un contratista encubierto de la USAID es detenido, Washington aprieta su retórica política, le tira más dinero al programa comprometido, y se rehúsa a comentar sobre el asunto.



Durante tres años, yo fui el investigador principal de la Comisión de Relaciones Exteriores en relación con las operaciones políticas del Departamento de Estado y de USAID para Cuba y para América Latina.



Los programas de Cuba - diseñados para identificar, organizar, capacitar y movilizar a los cubanos para que exijan cambios políticos en su país - tienen un patrimonio especialmente problemático, incluyendo malversación, mala gestión, y la politización sistémica.



Algunos “exitazos” del programa, que nos costaron millones de dólares, como por ejemplo la creación de una red de “bibliotecas independientes”, fueron exagerados y hasta fabricados.



El mandato de nuestro Comité de Supervisión fue tratar de garantizar que los fondos - unos $ 20 millones al año, pero hasta $ 45 millones en 2009 - sean utilizados eficazmente y de manera consistente con la ley de EE.UU.



El Departamento de Estado y la USAID lucharon contra nosotros en todo momento, incluso negándose a entregarnos información básica sobre los programas, y divulgando solamente un documento que hacía referencia a los vagos “objetivos del programa”.



Estos programas no involucran a nuestra comunidad de inteligencia, pero el secretismo que los ronda, los oficios clandestinos -como el uso de las tecnologías de encriptación– y el ocultamiento deliberado del papel del gobierno de EEUU, sí tienen las señas de una operación encubierta de inteligencia.



Nunca le pedimos los nombres de sus agentes en la isla, pero los directores del programa nos dijeron que había “gente que morirá” si nos enteráramos de los nombres de los grupos asociados a ellos en los Estados Unidos. Los programas no eran un secreto para Cuba. El gobierno cubano los había penetrado profundamente.



No sabíamos quien era Alan P. Gross. De hecho, después de su encarcelamiento, el Departamento de Estado lo negó furiosamente, e incluso algunos de nuestros diplomáticos en La Habana, pensaron que Gross trabajaba para la CIA. Lo que sí era evidente que los cubanos estaban muy al tanto de él. La televisión cubana ha mostrado vídeos de otros contratistas en acción en la isla.



Solamente Gross puede decir lo que sabía acerca de la legislación cubana cuando él estaba cumpliendo con su contrato de $585.000 dólares, y realizando cinco visitas a Cuba. Él ha dicho que lo han “engañado”. Hemos confirmado que el Departamento de Estado y la USAID no tenían política alguna para informarles a estos individuos que esas operaciones clandestinas no son legales en Cuba, y que las leyes de EE.UU. prohíben que los agentes extranjeros que no se han inscrito como tal puedan viajar por el país distribuyendo equipos de satélite, puntos de acceso WiFi, equipos de encriptación y telefonía, además de otras asistencias de valor monetario.



La política del gobierno de Obama es no informarle a los destinatarios en Cuba del origen y del propósito de la ayuda - a menos que éstos pregunten directamente. Algunos cubanos pueden imaginársela, por supuesto, pero las implicaciones de no revelarlas, especialmente mientras los nuevos programas están dirigidos hacia niños tan jóvenes como de 12 de años, son significativas en un país que prohíbe expresamente recibir fondos de EEUU.



La USAID se ha convertido en un guerrero encubierto para socavar a los regímenes anti-estadounidense del mundo - sin la carga de responsabilidad que tiene la Comunidad de Inteligencia.



El objetivo del cambio de régimen de los programas es explícito: en lugar de financiarlos bajo las normativas de las autoridades educativas y culturales, los gobiernos de Bush y de Obama han insistido en simplemente citar a la ley Helms-Burton (”La Ley de la Libertad”) que prescribe un futuro post-Castro para Cuba.



En repetidas ocasiones se han propuesto varios cambios para aumentar la eficiencia y dirigir los fondos de modo que ayuden al pueblo cubano a mejorar sus vidas, como por ejemplo mediante el aprovechamiento de los ajustes económicos incipientes que Raúl Castro ha comenzado - para ayudar a la gente a valerse económicamente por sí mismos, y no sólo organizar y movilizar a la gente para protagonizar protestas .



La firme reacción de USAID ha sido que los programas no son para ayudar a los cubanos a vivir mejor en el presente, sino más bien estimularlos para que exijan un futuro mejor.



Como los otros millones de dólares que hemos gastado para derrocar al gobierno cubano, estos programas han fracasado, salvo para provocar el arresto de Gross e identificar a las personas que han aceptado asistencia de algunos otros funcionarios que envían a otros “operadores” en la isla.



Nuestra política debiese estar basada en lo que es efectivo para promover los intereses nacionales de EEUU -un cambio pacifico, democrático y evolucionario, y no en involucrarse en provocaciones gratuitas.



La retórica y las acciones que prolongan la estancia en prisión de un inocente americano, aparentemente engañado para servir como un peón dentro del contexto de 50 años de esfuerzos del gobierno de EE.UU. para lograr un cambio de régimen en Cuba, son contraproducentes.



Es hora de limpiar los programas para el cambio de régimen y negociar la liberación de Alan P. Gross.



Fulton Armstrong ha trabajado en el tema de Cuba en el Consejo de Seguridad Nacional durante la administración Clinton y luego como Oficial Nacional de Inteligencia para América Latina. Es asesor en el Senado de la Comisión de Relaciones Exteriores. Su correo electrónico es fultona1@yahoo.com

 
 
FONTE: CubaDebate e The Miami Herald
 
 
 

domingo, 25 de dezembro de 2011

Papai Noel tá de saco cheio de tanta hipocrisia!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Os filósofos segundo Marx

"Os filósofos não rompem da terra como os cogumelos. São frutos da sua época, do seu povo. Daí extraem as seivas mais subtis, as mais preciosas e as menos visíveis para as exprimirem nas idéias filosóficas. O espírito [consciência] que constrói os sistemas filosóficos nos cérebros dos filósofos é o mesmo que controem os caminhos de ferro com as mãos dos operários. A filosofia não é exterior ao mundo...."



Karl Marx, A Gazeta Renana, 14/jul/1842
 

Da educação mercadoria à certificação vazia


Por Andrea Harada Souza



O ensino superior, público e privado, no Brasil passou por grandes transformações nas últimas décadas. Essas mudanças – travestidas de democratização, por favorecerem o acesso – visaram atender a uma proposta de privatização e barateamento da educação.


 

O Ministério da Educação (MEC) alardeia números, sobretudo para organismos internacionais – que obrigam o país a se enquadrar em padrões estipulados por eles na competição do mercado de consumo, trabalho e pesquisa –, que demonstram o crescimento do acesso ao ensino superior, ainda que distantes daqueles objetivados pelo Plano Nacional de Educação (PNE) (o acesso é de apenas 13,8% dos jovens, entre 18 e 24 anos). Porém, esse suposto processo de inclusão tem facilitado, para além do aceitável, um crescimento vertiginoso das instituições de ensino superior (IES) privadas, com desdobramentos que passam pela precarização do trabalho docente e pela formação duvidosa que essas empresas têm oferecido aos alunos por ela formados.




 
A predominância de objetivos economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil. Os exemplos mais representativos desse modelo de organização empresarial na educação ficam por conta dos grupos educacionais Kroton-Pitágoras, Estácio de Sá, SEB (Sistema Educacional Brasileiro) e Anhanguera Educacional. Esta última, com a recente aquisição da Uniban, passou a ser o maior grupo educacional do país, atendendo aproximadamente 400 mil alunos em campiespalhados por diversos estados brasileiros. Além disso, manteve sua projeção de crescimento de atingir 1 milhão de estudantes em cinco anos, segundo matéria do Valor Econômico de 17 de novembro de 2011.



 

A alteração no padrão de financiamento das IES privadas promoveu uma mudança significativa no modelo de gestão: o papel que antes era predominantemente exercido por mantenedoras, de caráter familiar ou religioso, hoje passou a ser de responsabilidade de bancos ou fundos de investimentos que contratam executivos como seus representantes, padronizam procedimentos de relações de trabalho nos departamentos de recursos humanos e prestam contas ao fundo de ações. Decorre daí um perfil de gestão alinhavado com a lógica empresarial, sob responsabilidade de executivos, e muito distante dos objetivos educacionais que sempre foram sustentados por professores e pesquisadores.




 
Abandono do Estado




 
Tomado pela óptica do lucro, o setor educacional privado tem se valido, oportunamente, do abandono do Estado na oferta de vagas públicas para a formação superior. Dessa forma, as IES privadas, cuja existência deveria ter um caráter complementar, acabaram predominando e se consolidando em grupos que formulam e ditam as regras de seu interesse para a (des)regulamentação do setor, regras essas beneficiadas pelas chamadas políticas de parcerias público-privadas, as quais são alicerçadas sobre o princípio da transferência de dinheiro público para a iniciativa privada com a finalidade de que esta última cumpra o papel que o Estado se nega a exercer. No caso do ensino superior, essas transferências se dão predominantemente por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além dos programas de benefícios de isenção fiscal oferecidos pelo BNDES. Nesse ponto, o discurso falacioso do Estado e o do setor privado convergem: trata-se de iniciativas e proposições que manifestam concretamente a preocupação com a formação do brasileiro e com o desenvolvimento do país!




 
De modo geral, a consolidação da mercantilização da educação e a formação de oligopólios educacionais têm ocorrido com base na incorporação de princípios e fundamentos do setor empresarial, ou seja, na otimização dos recursos. Como afirma Marilena Chauí (2001), “a Universidade está estruturada segundo o modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição”. Essa fórmula – clássica do neoliberalismo – consiste na diminuição das despesas para o consequente aumento dos lucros. Assim, com vistas a assegurar um perfil rentável − à empresa, é claro −, torna-se necessária a precarização das relações de trabalho: redução de salários, perda de direitos, ameaças e cobranças pelo desempenho da instituição nas avaliações externas promovidas pelo MEC são alguns traços da rotina de professores das IES privadas.




 
Ao mesmo tempo, concorre para intensificar os contornos dramáticos desse quadro a expansão da modalidade EaD (educação a distância), que em 2010 fechou o ano com 973 mil alunos matriculados, o que corresponde a 30% de todos os universitários em instituições privadas. Nesse caso, a educação mediada pela tecnologia, que deveria servir para aproximar os extremos sociais, acaba por aprofundá-los. Contudo, para os empresários, o aliciamento desse recurso é tomado como mais uma vantagem mercadológica capitalista, sobretudo por potencializar sua capacidade de lucro.



 

Na outra ponta, os salários praticados nas IES privadas são – via de regra – aviltantes, o que obriga muitos profissionais a lecionar em várias instituições, seja para compor a renda, seja para se prevenir das demissões, muitas vezes arbitrárias. Nesse contexto, os professores se veem impedidos de desempenhar tarefas diretamente ligadas à sua função (e ao ensino superior, ou seja, ensino, pesquisa e extensão), absorvidos que estão por uma jornada de trabalho extenuante. No entanto, paralelamente a isso, ocorre um processo silencioso de captura da subjetividade dos docentes com objetivo de estabelecer uma competição interna, cuja face mais alarmante é a perda da autonomia. Como toda competição tem exigências, impõe-se que esses profissionais – para terem condição de competir – sejam aguerridos, “pró-ativos”, competentes e indiferentes às questões coletivas, o que os leva a um distanciamento de seus sindicatos e associações e permite, muitas vezes, que sejam – deliberadamente – vistos como mão de obra manipulável pelos patrões.




 
Precarização e intimidação



 

Se de um lado temos a perda da autonomia dos professores como uma ameaça à própria noção de função docente, de outro notamos que, por parte dos empresários da educação, a oferta de uma formação aligeirada tem exigido profissionais cada vez menos críticos e progressivamente mais alienados da prática educativa. Não é raro o relato de professores do ensino superior que têm seus conteúdos – planos e ementas de cursos –, bem como suas avaliações, elaborados por um terceiro que nunca sequer esteve em uma sala de aula. Essa tentativa, por parte dos patrões, de padronizar a prática pedagógica para garantir um rendimento mínimo nas avaliações externas evidencia de maneira cabal seu propósito de controle absoluto sobre a mercadoria que vendem.



 

Dessa forma, a reação e a resistência a essa prática de mercantilização da educação impõem grandes desafios. No estado de São Paulo, que acompanhamos mais de perto, tem sido cada vez mais difícil o enfrentamento com os patrões do ensino superior nas campanhas salariais organizadas por nossa federação, a Fepesp (Federação dos Profissionais de Educação do Estado de São Paulo), pois há um evidente conflito nas pautas apresentadas para negociação. Do lado de lá, a ofensiva é para subtrair direitos historicamente conquistados e que, vistos com a luneta do capital, representam entraves normativos à expansão dos lucros. Em razão disso, questões como plano de carreira, regulamentação da EaD e aumento real são deliberadamente ignoradas pelos patrões, que, por sua vez, promovem lobbiesjunto ao Poder Legislativo, a fim de que as regras do setor continuem a beneficiá-los.




 
Entretanto, a predominância de valores empresariais na organização das IES e a falta de regulamentação efetiva por parte do MEC têm imposto uma permanente ameaça, ainda que velada, que é o desemprego. Assim, os professores insatisfeitos com salários e condições de trabalho incorporam a responsabilidade incutida pelo patrão, de que o mercado funciona assim: os insatisfeitos que se mudem. A aceitação dessa ideia leva a um comportamento defensivo, porque nos faz crer que nada pode ser feito e, por isso mesmo, qualquer iniciativa coletiva deve ser vista como prejuízo ao próprio trabalhador.




 
Há também que se ressaltar a necessidade urgente de que o debate sobre a educação seja tomado como fundamento para um crescimento qualitativo e efetivo do Brasil, sobretudo para a população que ainda anseia conhecer na prática a longo prazo esse crescimento. Para validarmos o princípio democrático do direito à educação, sem, contudo, ignorar que o mercado do ensino privado não arrefecerá a curto prazo, precisamos assegurar o investimento de 10% do PIB na educação pública – que estimamos universal e de qualidade –, a fim de que ela seja o referencial para o setor privado, e não o contrário.



 

Enquanto não houver uma mudança radical nesse quadro, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor.


 


A forte presença do controle corporativo em um setor essencial como a educação provoca sérias fissuras na malha social, na medida em que os desdobramentos da transferência tácita da responsabilidade do Estado para a iniciativa privada têm autorizado o funcionamento de fábricas de diplomas com certificação vazia, para uma população que, embriagada pela democratização do acesso, ainda não se sabe enganada.



Andrea Harada Souza - Professora de literatura, presidente do Sinpro Guarulhos