sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O que falar de Anita Prestes? Intregridade, coerência e profissionalismo

Por Marcos César de Oliveira Pinheiro


Diante do inquestionável profissionalismo enquanto historiadora, da coerência de militante comunista e da firmeza de caráter incorruptível, resta apenas àqueles incomodados com a sua carta dirigida ao PC do B, exigindo respeito à memória de seus pais, acusar Anita Leocadia Prestes de querer monopolizar o legado de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes. Não é de hoje que o seu empenho em pesquisar e escrever sobre a vida desses dois importantes revolucionários tem sido, propositalmente, identificado como uma suposta prepotência de se colocar como a detentora única do legado de Prestes e Olga. 


De fato, Anita Prestes é uma personalidade incômoda, uma vez que não captulou diante do inimigo de classe, não se vendeu em troca de cargos políticos, não se utiliza dos nomes de seus pais para ser favorecida diante de interesses menores ou de caráter pessoal. Por exemplo, na ocasião do lançamento do filme Olga, em 2004, a Comissão de Anistia do Ministério da Justica apressou-se em julgar o processo de Anita Prestes, certamente, para tirar proveito político do fato. Porém, Anita não considerou justo receber a indenização de cem mil reais que lhe foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doou publicamente ao Instituto Nacional do Câncer (INCA). Sobre o ocorrido fez o seguinte pronunciamento em entrevista ao Programa Revista Brasil, da Rádio Nacional AM:  


"Os que precisam muito recebem pouco e os precisam pouco recebem muito. O que eu tinha solicitado era a contagem do meu tempo de serviço, pois eu fiquei muito tempo sem poder trabalhar por causa da perseguição política. Para mim seria muito desagradável receber esse dinheiro, então eu vou doar para o Instituto do Câncer, que é uma instituição muito séria e sei que vai usá-lo da melhor forma possível.”

Anita Prestes incomoda e, assim como seus pais, tem despertado o ódio dos donos do poder e de numerosos comunistas "arrependidos", que sempre procuraram criar uma história oficial cuja tônica tem sido a falsificação. O combate empreendido por Anita Prestes contra a História Oficial - aquela elaboração histórica que convém aos grupos dominantes na sociedade - é intencional e falsamente difundido como um querer de Anita em ter o monopólio sobre a memória de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes. Entretanto, como uma historiadora comprometida com as lutas populares, com os interesses dos explorados e dos oprimidos, a sua meta é contribuir para a elaboração de outra história, comprometida não só com a evidência, mas também com o imperativo de construir um futuro de justiça social e liberdade para o povo.


Por se posiocionar publicamente contra o status quo, negando-se a uma neutralidade aparente, sua produção acadêmica, tanto sobre o tenentismo quanto sobre o movimento comunista brasileiro,  é escandalosamente ignorada, um notório caso de desonestidade intelectual por parte dos meios acadêmicos; suas declarações em defesa da memória de seus pais são levianamente transformadas em querer o direito exclusivo de herdeira política deles; a firmeza de suas convicções políticas é maldosamente difundida como incapacidade de compreender as nuanças da política, de que os tempos são outros, de que a solução está na reforma e humanização do capitalismo.


Discordar de Anita Prestes por suas profundas convicções comunistas, de defesa de uma sociedade justa e igualitária, é um direito  de todos os seus adversários políticos, como assegurado pela Constiuição em vigor. O que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza ao seu trabalho de combate à História Oficial, que esquece, silencia, deturpa e ataca os ideais e as lutas dos setores, que não obtiveram êxito em seus propósitos revolucionários e transformadores e, muitas vezes, sofreram duras derrotas. Como afirma Anita:

 
Finalmente, gostaria de destacar o papel dos intelectuais – e, em particular, dos historiadores e professores de História - junto aos movimentos populares, mas principalmente nas escolas, nas salas de aula e no trabalho de pesquisa histórica, no sentido de formar jovens questionadores, cidadãos que não aceitem o consenso dominante, que estejam dispostos a se contrapor à hegemonia dos setores dominantes. Aos intelectuais comprometidos com as lutas populares cabe a missão de contribuir para a formação tanto de militantes combativos quanto de lideranças orientadas para uma perspectiva de elaboração de uma alternativa de emancipação social para nosso povo, perspectiva que, a meu ver, só poderá ser socialista. Mas um socialismo que não seja “nem cópia nem decalque, mas sim criação heroica” do nosso povo, nas palavras de um grande revolucionário latino-americano - José Carlos Mariátegui. (Cf. O historiador comprometido com as lutas populares perante a história oficial)


Ao longo do nosso convívio, nunca percebi a pretensão de exclusividade da professora Anita Prestes em relação à memória de Luiz Carlos Prestes e de Olga Benario Prestes, mas sim a disposição incansável de lutar pelo respeito à memória histórica deles, combatendo as inúmeras deformações e inverdades históricas difundidas pelos donos do poder para desqualificar a luta de ambos em favor dos explorados e oprimidos.


O legado político e revolucionário de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes não é exclusividade de nenhum membro da família Prestes, mas pertence aos explorados e oprimidos de todo mundo, aos comunistas verdadeiramente revolucionários, aos que lutam efetivamente pela revolução social rumo ao socialismo.


Sobre a quem pertence o legado de Luiz Carlos Prestes, Anita Prestes escreveu artigo transcrito a seguir.  


 DE QUEM É O LEGADO?
(Publicado em Brasil de Fato, nº 425, 21 a 27/04/2011)
Por Anita Leocadia Prestes*

 
Não resta dúvida de que no Brasil Luiz Carlos Prestes tornou-se a expressão máxima da luta revolucionária pelo socialismo e o comunismo, pelas liberdades democráticas e pela emancipação nacional, o que é reconhecido até mesmo pelos seus adversários.


Passados mais de vinte anos do seu desaparecimento, presenciamos uma intensa disputa por seu legado e por sua herança política entre distintos partidos e entidades de diversos tipos, o que vem confirmar, mais uma vez, a importância do Cavaleiro da Esperança na História do Brasil.


Cabe lembrar, entretanto, que Luiz Carlos Prestes foi acima de tudo um revolucionário, cuja vida dedicou à pugna pela formação de um partido revolucionário, que efetivamente viesse a contribuir para a revolução em nosso país, entendida como a conquista do poder político pelas forças revolucionárias, empenhadas em acabar com a exploração do homem pelo homem e construir uma sociedade socialista, que preparasse as condições para a passagem ao comunismo. Para Prestes, a realização de reformas sociais deveria constituir apenas os possíveis degraus no caminho para a revolução, ou seja, jamais seria a meta final, apenas um meio para alcançar os objetivos revolucionários.


Não obstante os erros políticos cometidos pelo PCB, enquanto Prestes foi seu secretário-geral – erros por ele reconhecidos e pelos quais sempre assumiu a responsabilidade máxima – , toda sua trajetória à frente dos comunistas brasileiros foi dedicada ao permanente combate às tendências reformistas e de capitulação diante do inimigo de classe. Eis a razão por que as classes dominantes continuam a combater a figura de Luiz Carlos Prestes seja através de repetidas calúnias seja através do silêncio. Mesmo após 20 anos do seu desaparecimento, seu legado as continua a incomodar pelo seu caráter questionador e revolucionário.


Em 1980, Prestes rompia com a direção do PCB lançando sua hoje célebre “Carta aos Comunistas”, em que denunciava o abandono do compromisso com a revolução da maioria dos então dirigentes do partido. Após ter tentado, durante anos e sem êxito, vencer as tendências reformistas cada vez mais presentes seja nos documentos seja na prática do PCB, Luiz Carlos Prestes, num gesto de extrema coragem, afastava-se daquela direção, à qual não mais se dispunha a emprestar seu aval de reconhecido revolucionário.


Da mesma maneira como em 1980, quando denunciou de público o reformismo do PCB, Prestes hoje não estaria de acordo com aqueles que, em palavras reverenciando sua memória e proclamando-se socialistas, na prática conduzem os trabalhadores para o beco sem saída de uma política de caráter neoliberal e reformista, de uma política de manipulação das massas populares, de distribuição de migalhas para garantir o domínio do grande capital, para garantir os interesses dos grandes proprietários de terras. Prestes jamais aceitaria as homenagens do presidente de um partido (o PCdoB), em ato comemorativo realizado em 25/03/2011, que, ao mesmo tempo, defende no Congresso Nacional os interesses dos proprietários de terras. Todos que militaram junto a Prestes sabem que, nas circunstâncias atuais, ele estaria solidário, como sempre esteve, com as lutas pela reforma agrária, bastando consultar seus discursos, quando senador da República, para comprová-lo.


Por mais disputada que seja a herança do Cavaleiro da Esperança por toda sorte de reformistas e aproveitadores, empenhados em utilizar-se do seu prestígio junto às massas populares para melhor enganá-las, será a prática, conforme sempre postularam os pais fundadores do marxismo, que mostrará a quem irá pertencer o legado revolucionário de Luiz Carlos Prestes. Da mesma forma como o legado de José Marti pertence hoje aos homens e mulheres que fizeram a revolução em Cuba, o legado de Prestes pertencerá aos brasileiros e às brasileiras que realizarão a revolução brasileira.


*Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.
 
 

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