sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ALERTA! O PODER MILITAR CONTINUA EXERCENDO A TUTELA SOBRE OS TRÊS PODERES DA REPÚBLICA!



Por Anita Leocadia Prestes*


Durante toda a década de 1980 e, em particular por ocasião dos trabalhos da Constituinte e, posteriormente, com a promulgação da Constituição de 1988, Luiz Carlos Prestes denunciou à Nação a tutela exercida pela Forças Armadas – um verdadeiro poder militar – sobre os três poderes da República (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário).


 
Às vésperas da promulgação da Constituição, Prestes assinalava que no Artigo 142 da Constituição é concedida às Forças Armadas, “(quer dizer, aos generais)” a atribuição constitucional de “garantirem... a lei e a ordem”. A seguir, afirmava: “Atribuição constitucional que nem ao presidente da República ou aos outros dois poderes do Estado é tão expressamente concedida”. Ressaltava, contudo, que a inclusão da afirmação de que “aquela atribuição dependerá da ‘iniciativa’ de um dos poderes de Estado” não passava de uma “reserva evidentemente apenas formal, já que será sempre fácil aos donos dos tanques e metralhadoras imporem a ‘um dos poderes do Estado’ que tome a referida iniciativa”. Prestes escrevia que o Artigo 142 contraria “conhecido preceito da tradição constitucional de nosso país, que sempre afirmou serem os três Poderes do Estado autônomos, mas harmônicos entre si, não podendo, portanto, nenhum deles tomar qualquer iniciativa isoladamente”. [1]


 
A seguir Prestes tratava de não deixar dúvidas quanto à essência do Artigo 142 da Constituição de 1988:


 
Em nome da salvaguarda da lei e da ordem pública, ou de sua “garantia”, estarão as Forças Armadas colocadas acima dos três Poderes do Estado. Com a nova Constituição, prosseguirá, assim, o predomínio das Forças Armadas na direção política da Nação, podendo, constitucionalmente, tanto depor o presidente da República, como os três Poderes do Estado, como também intervir no movimento sindical, destituindo seus dirigentes, ou intervindo abertamente em qualquer movimento grevista, como vem se fazendo desde os decretos de Getúlio Vargas, de 1931, ou mesmo, voltando aos tempos anteriores, em que a questão social era considerada uma questão de polícia, segundo o senhor Washington Luís.(Idem; grifos meus)

Concluindo, Prestes escrevia: “Muito ainda precisaremos lutar (...) para nos livrarmos dessa interferência indébita e nefasta dos generais, para conquistarmos um regime efetivamente democrático.” (Idem)


Na realidade, o Artigo 142 da Constituição de 1988 continua vigente. Confirma-se a tese defendida por Prestes do poder militar e de sua tutela sobre a Nação. Conforme é lembrado pelo diretor do Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado (IEVE), professor Edson Teles, “na Constituição de 1988, seu artigo 142 aponta a ingerência militar nos assuntos civis”, questionando a seguir: “Como podem os militares se submeterem aos ‘poderes constitucionais’ (Executivo, Legislativo e Judiciário) e ao mesmo tempo garanti-los?” Edson Teles assinala que, na Constituição atual, “a relação entre militares e civis ficaram quase idênticos (sic) à Constituição outorgada de 1967”, concluindo:


Em uma democracia plena o poder não pode ser garantido por quem empunha armas, mas pelo conjunto da sociedade, por meio de eleições, da participação das entidades representativas da sociedade e dos partidos políticos. Ao instituir as Forças Armadas como garantidoras da lei e da ordem, acaba-se por estabelecê-las como um dos poderes políticos da sociedade. [2]

A tutela do poder militar sobre a Nação evidencia-se hoje com a existência de documento produzido pelo Estado Maior do Exército, intitulado Manual de Campanha – Contra-Inteligência, do qual nem o atual ministro da Defesa tinha conhecimento. Segundo Carta Capital (nº 668, 19/10/11), trata-se de um conjunto de normas e orientações que reúne “todas as paranóias de segurança herdadas da Guerra Fria”, a começar pela prática dos generais de “espionar a vida dos cidadãos comuns”. O manual lista “como potenciais inimigos” praticamente “toda a população não fardada do País e os estrangeiros”, incluindo “movimentos sociais, ONGs e os demais órgãos governamentais”, de “cunho ideológico ou não”.


Da mesma maneira a tutela do poder militar é revelada pelo fato de a Comissão da Verdade, aprovada na Câmara, não passar de uma Comissão “para inglês ver”, ou seja para dar uma satisfação à opinião pública mundial, expressa através das exigências apresentadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Como diz a deputada Luiza Erundina, “o objetivo expresso do texto do projeto é resgatar a memória para ver a verdade histórica e fazer a reconciliação nacional. Sem tocar em justiça. É incrível, pois todos os países que sofreram ditaduras tiveram comissões da verdade com perspectiva de fazer justiça: Argentina, Uruguai, África, Alemanha” (Carta Capital, nº668). Na realidade, o poder militar continua impedindo a apuração dos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura e a punição dos torturadores.

Como era sempre lembrado por L.C. Prestes, tal situação só poderá ser modificada com a mobilização dos setores populares. É necessário, pois, alertar esses setores para o perigo a que todos continuamos submetidos sob a tutela do poder militar!



NOTAS

[1] PRESTES, Luiz Carlos, “Um ‘poder’ acima dos outros”, Tribuna da Imprensa, R.J., 28/09/1988.

[2] TELES, Edson, “Restos da ditadura: por que as Forças Armadas de hoje temem a punição dos torturadores de ontem”, O Globo, Prosa & Verso, R. J., 30/01/2010, p. 5.



*Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.

 
 
FONTE: Brasil de Fato, n. 452, 27/10 a 2/11/2011.

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