segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O que substituirá a social-democracia?

Immanuel Wallerstein afirma: ilusão num capitalismo “humanizado” persiste; converteu-se em crença nos BRICs; perdurará até surgimento de novo projeto transformador.


Por Immanuel Wallerstein



A social-democracia teve seu apogeu no período entre 1945 e o final dos anos 1960. Naquele momento, representou uma ideologia e um movimento que lutaram pelo uso dos recursos do Estado para assegurar alguma distribuição em favor das maiorias, de distintas formas concretas. Expansão dos sistemas de Saúde e Educação. Garantia de níveis de renda ao longo da vida, por meio de programas que atenderam às necessidades dos sem-emprego, particularmente as crianças e idosos. Programas para reduzir o desemprego. A social-democracia prometeu um futuro sempre melhor para as gerações seguintes, algo como a elevação permanente da renda nacional e das famílias. Chamou-se isso de “estado do bem-estar social”. Era uma ideologia que refletia o ponto de vista segundo o qual o capitalismo poderia ser “reformado” e assumir uma face mais humana.



Os social-democratas foram particularmente poderosos na Europa Ocidental, Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos (onde eram chamados Democratas do New Deal). Em outras palavras, nos países ricos do sistema-mundo, aqueles que poderiam ser chamados de integrantes do mundo pan-europeu. Seu sucesso foi tão vasto que seus oponentes à direita também adotaram o conceito de estado do bem-estar social, limitando-se a reduzir sua abrangência e seus custos. No resto do mundo, os estados tentaram pular no bonde por meio de projetos de “desenvolvimento nacional”.



A social-democracia foi um projeto muito bem-sucedido durante este período. Tornou-se viável graças a duas realidades daquele tempo: a incrível expansão da economia-mundo criou os recursos que fizeram a redistribuição possível; e a hegemonia dos Estados Unidos no sistema-mundo assegurou relativa estabilidade e, em especial, a ausência de violência grave no interior desta zona rica.



O quadro cor-de-rosa não durou. Ambas as realidades se esgotaram. A economia-mundo deixou de se expandir e entrou em longa estagnação, na qual ainda vivemos; e os Estados Unidos iniciaram seu longo, ainda que lento, declínio enquanto potência hegemônica. Ambas realidades aceleraram-se consideravelmente no século 21.



A nova era iniciada nos anos 1970 viu o fim do consenso centrista em torno das virtudes do estado de bem-estar social e do “desenvolvimento” estimulado pelo Estado. Tal consenso foi substituído por um nova ideologia mais à direita — chamada de neoliberalismo, ou Consenso de Washington — que sustentava os méritos da gestão da sociedade pelos mercados, mais que pelos governos. Afirmou-se que este programa baseava-se na realidade, supostamente nova, da “globalização”, diante da qual “não havia alternativa”.



A implementação dos programas neoliberais parecia favorecer altos níveis de “crescimento” nos mercados de ações, mas ao mesmo tempo levou, em todo o mundo, a níveis crescentes de endividamento e desemprego – e a níveis mais baixos de renda para a vasta maioria das populações do planeta. Ainda assim, os partidos que haviam sido os pilares os programas social-democratas, à esquerda, moveram-se para a direita, retirando ou reduzindo o apoio ao estado do bem-estar social e aceitando que o papel dos governos reformistas deveria ser reduzido consideravelmente.



Embora os efeitos negativos sobre a maioria das populações fossem sentidos mesmo no interior do mundo pan-europeu rico, eles afetaram de modo mais agudo o resto do mundo. Que seus governos fizeram? Começaram a tirar partido do declínio relativo econômico e geopolítico dos Estados Unidos (e, mais amplamente, do mundo pan-europeu). Focaram em seu próprio “desenvolvimento nacional”. Usaram o poder de seus aparatos de estado e seus custos de produção mais baixos para se converter em nações “emergentes”. Quanto mais à esquerda estivessem sua retórica, e mesmo seu compromisso político, mais eles mostraram-se determinados a “desenvolver”.



Esta atitude poderá ajudá-los, como fez em realação aos países do mundo pan-europeu no período pós-1945? Não é nem um pouco certo que sim, apesar das impressionantes taxas de “crescimento” de algumas destas nações – particularmente os tão-falados BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China) – nos últimos cinco ou dez anos. Porque há sérias diferenças entre o atual estado do sistema-mundo e o vivido no imediato pós-1945.



Primeiro, os custos de produção são hoje, apesar dos esforços dos neoliberais, consideravelmente maiores que os do período pós-1945, o que ameça as possibilidades reais de acumulação de capital. Isso torna o capitalismo um sistema menos atraente para os capitalistas. Os mais sagazes, dentre estes, estão procurando meios alternativos de assegurar seus privilégios.



Segundo, a capacidade das nações emergentes para ampliar, a curto prazo, sua riqueza exerce grande pressão sobre os recursos necessários para atender suas necessidades. Surgiu, em consequência, uma corrida sempre crescente por terras, água, alimentos e recursos energéticos. Ela está levando a lutas ferozes e, ao mesmo tempo, reduzindo a capacidade global dos capitalistas em acumular capital.



Terceiro, a enorme expansão da produção capitalista criou sérias pressões sobre a natureza em todo o mundo, a ponto de provocar uma crise climática, cujas consequências ameaçam a qualidade de vida em todo o mundo. Este processo desencadeou um movimento que busca questionar as virtudes do “crescimento” e do “desenvolvimento”, enquanto objetivos econômicos. A exigência crescente de uma perspectiva “civilizacional” diferente é o que está sendo chamado, em países da América Latina, de movimento pelo “bien vivir”.



Quarto, as demandas de grupos subalternos por participação real nos processos de tomada de decisões dirigem-se não apenas aos “capitalistas”, mas também aos governos de “esquerda” que estão promovendo o “desenvolvimento” nacional.



Quinto, a combinação de todos estes fatores, mais o declínio visível do antigo poder hegemônico gerou um clima de flutuações constantes e radicais, tanto na economia-mundo quando na situação geopolítica. O resultado foi a paralisia tanto dos empreendedores quanto dos governos do mundo. O grau de incerteza – no longo e no curto prazo – elevou-se acentuadamente, e com ele o nivel real de violência.



A solução social-democrata tornou-se uma ilusão. A questão é: que irá tomar o seu lugar, para a vasta maioria das populações do planeta?



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