domingo, 11 de setembro de 2011

Economistas falam sobre o modelo econômico do governo Allende


Para Hugo Fazio, que foi vice-presidente do Banco Central chileno durante o governo da Unidade Popular, o modelo econômico do governo Allende tinha um caráter revolucionário, não adotando a lógica de Keynes de reformar o capitalismo por meio de regulações e tampouco o desenvolvimentismo. "O fundamental do período da UP foi a mudança revolucionária e o modelo desenvolvimentista não produz mudanças revolucionárias".

Christian Palma - Correspondente da Carta Maior em Santiago do Chile - @chripalma



Muita gente pensa que o modelo econômico aplicado pelo governo da Unidade Popular (UP) (1970-1973), liderado por Salvador Allende, tinha um forte caráter keynesiano, onde o Estado tinha por missão regular o setor privado para que não ocorressem crises similares à ocorrida em 1929. Mas a verdade é que a economia que Allende procurou instaurar era eminentemente revolucionária, não adotando a lógica de Keynes de reformar o capitalismo por meio de regulações e centralização.



Hugo Fazio foi vice-presidente do Banco Central durante o governo da UP e, nos últimos 30 anos, é um dos economistas e acadêmicos mais críticos ao modelo neoliberal instalado no Chile em 1975 pelos militares e pelo grupo de economistas chamado de “Chicago Boys”. Desde 1990, escreveu vários livros denunciando as injustiças do neoliberalismo à chilena. Merece destaque sua obra “o mapa da extrema riqueza”, em que denuncia a voracidade dos grupos econômicos que controlam a economia do país.



Ao seu juízo, a proposta de Allende não pretendeu seguir as pautas do modelo desenvolvimentista, realizado nos anos 60 por investigadores da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), onde estiveram dois presidentes latino-americanos que mais tarde apoiariam o modelo neoliberal: Ricardo Lagos, no Chile, e Fernando Henrique Cardoso, no Brasil.



“O fundamental e característico do período da Unidade Popular foi a mudança revolucionária e o modelo desenvolvimentista não produz mudanças revolucionárias. Por isso, tampouco teve elementos keynesianos, porque esse modelo não propõe transformações de fundo. O keynesianismo não pretende terminar com o capitalismo nem propõe uma sociedade distinta”, assinala Fazio.



Manuel Riesco, diretor do Centro de Estudos de Desenvolvimento Alternativo (Cenda), explica que o programa da UP “fazia uma afirmação explícita de sua natureza anti-imperialista, antioligárquica e antimonopolista, que dava o tom das profundas mudanças estruturais que propunha realizar, em benefício dos trabalhadores em geral (operários e empregados), dos camponeses e pequenos empresários, ou seja, da imensa maioria nacional. Pretendeu ser um experimento histórico onde a transição ao socialismo se daria através da estrutura institucional existente. Para facilitar esta transição, dois elementos eram exigidos: a estatização dos meios de produção e uma maior participação popular”.



Mas o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, que derrubou Allende e terminou com o governo popular, deu início a uma série de mudanças que, segundo Tomás Moulián, sociólogo e acadêmico da Universidade de Artes e Ciências Sociais (Arcis), produziu uma “revolução capitalista” que se aprofundou a partir de 1973.



A proposta dos “Chicago Boys” era de terminar com o domínio do Estado para instaurar um completo controle da economia por parte do mercado, com a liberação de todos os controles legais. Uma das primeiras medidas foi estabelecer uma forte diminuição das tarifas alfandegárias para liberalizar as importações.



A partir daí, ocorreu uma mudança extrema: se entre 1970 e 1972 os salários dos chilenos tiveram um forte aumento para que os trabalhadores tivessem uma maior capacidade de consumo e assim ativar a economia, além de contar com uma sólida organização sindical e uma taxa de desemprego inferior a 5%, quatro anos depois começaram a se manifestar as distorções sociais do liberalismo econômico na sociedade. Nas zonas urbanas marginais, a miséria surgiu com maior força e aumentaram as enfermidades como o tifo e a hepatite, devido à retirada do Estado da área da saúde. O mesmo ocorria com a educação e a seguridade social que, no final dos anos 70, sofreram um processo de privatização, no qual o conceito de bem social foi substituído pelo de bem de consumo.



Fazio explica que a principal característica do neoliberalismo é uma política econômica de manter o gasto público sempre abaixo do nível de crescimento da economia para controlar a inflação, o que gerou problemas estruturais como um nível de pobreza que chegou a mais de 50% em 1983 e que, em 1990, alcançava oficialmente 37%.



Para o economista da Fundação Terram, Marcel Claude, o maior problema do modelo econômico chileno é que manteve as mesmas bases deixadas pela ditadura de Pinochet e pelos “Chicago Boys”, as quais foram seguidas pelos quatro governos de centro-esquerda da Concertação. A pobreza baixou de 37% para 17% entre 1990 e 2010. No entanto, Claude afirma que muitas destas cifras têm problemas metodológicos que tendem a manter baixa a real estatística dos problemas.



Segundo Fazio, a população pobre no Chile é superior a 30% na atualidade, devido a que o neoliberalismo tem uma série de leis que incentivam a concentração econômica de setores chave como educação, saúde e seguridade social, onde as chamadas Associações de Fundos de Pensões (AFP) são as que controlam o dinheiro circulante que os bancos utilizam para emprestar dinheiro aos chilenos e assim manter um alto consumo, sem a existência, porém, de um sistema de seguridade nem de direitos sociais.



Por mais de 30 anos, o debate sobre o modelo econômico chileno esteve centrado no debate acadêmico. De vez em quando, os parlamentares discutem a necessidade de estabelecer reformas estruturais que só ficam no papel, sem materializar-se, assinala o sociólogo da Universidade do Chile, Manuel Antonio Garretón.



Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


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