quinta-feira, 30 de junho de 2011

Campanha de solidariedade para a Biblioteca da ENFF

Companheiros e companheiras,

A biblioteca da ENFF não pára de crescer em número de títulos e exemplares em função, principalmente, de doações realizadas ao longo desses cinco anos.


A análise do acervo revelou carências em algumas áreas e a relação abaixo indica algumas obras prioritárias, hoje indisponíveis na biblioteca da ENFF.


Mais uma vez recorremos a você, dessa vez para obter os títulos considerados mais necessários para o desenvolvimento dos cursos dirigidos à formação de militantes dos movimentos sociais do Brasil e de diversos outros países.


Além disso a Escola precisa de livros infantis para a creche “Ciranda Infantil Saci Pererê”, que oferece um ambiente sadio e cuidadoso às crianças, enquanto seus responsáveis, estudam e/ou trabalham.


Caso você possa doar algum título existente na lista abaixo e/ou livros infantis, por favor, entre em contato conosco através do e-mail associacao@amigosenff.org.br, assunto: "Bibilioteca ENFF" e verificaremos uma forma de efetivarmos a doação.



Biblioteca da Escola Nacional Florestan Fernandes

Campanha doação de livros 2011



ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

ADORNO, T. Minima Moralia. Reflexões a partir da vida lesada [Tradução Gabriel Cohn]. São Paulo: Azougue, 2008.

ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental; nas trilhas do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2004.

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vols. I-V, 1999-2002.

LUKÁCS, G. História e consciência de classe [Tradução de Rodnei Nascimento]. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LUKÁCS, G. O jovem Marx e outros escritos filosóficos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.

LUKÁCS, G. Socialismo e democratização. Escritos políticos 1956-1971. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

SARTRE, J-P. Crítica da razão dialética. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2002.

SARTRE, J-P. Questões de método. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2002.

ANDERSON, P. “As antinomias de Gramsci”. In: ANDERSON, PERRY. Afinidades Seletivas. São Paulo: Boitempo, 2002.

ARATO, A. e BREINES, P. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental. México: Fondo de Cultura Económica, 1986.

BENSAÏD, D. Marx, o intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

GARAUDY, R. Introducción al estudio de Marx. México: Ediciones Era, 1970.

HABERMAS, J. “A soberania do povo como processo”. in: HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade, Vol. 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HABERMAS, J. “Que significa socialismo hoje? Revolução recuperadora e necessidade de revisão da esquerda”. In: Novos Estudos CEBRAP, 30, 1991.

HONNETH, A. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais [Tradução de Luiz Repa]. São Paulo: Editora 34, 2003.

JAY, M. A imaginação dialética: História da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais (1923-1950). Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

KORSCH, K. Karl Marx. Barcelona: Editorial Ariel, 1975

KORSCH, K. Marxismo e filosofia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2008.

LOSURDO, D. Antonio Gramsci do liberalismo ao “comunismo crítico”. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2006.

LÖWY, M. A evolução política de Lukács: 1909-1929. São Paulo: Cortez, 1998.

LÖWY, M. Romantismo e messianismo. Ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1990.

LÖWY, M. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.

LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista: sobre a particularidade como categoria da estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.

MONDOLFO, R. Marx y marxismo. Estudios históricos-críticos. México: Fondo de Cultura Económica, 1960.

QUARTIN DE MORAES, J. (ORG). História do marxismo no Brasil. Os influxos teóricos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.

QUARTIN DE MORAES, J. E AARÃO REIS, D. (ORG.). História do marxismo no Brasil. O impacto das revoluções. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.

BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do Pensamento Político-Social Brasileiro. São Paulo: Hucitec, 2007.

RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo: Alameda Editorial, 2007.

BOMFIM, Manoel. O Brasil Nação: realidade da soberania brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

TORRES, Alberto. (1978b). O Problema Nacional Brasileiro. São Paulo: Cia. Editora Nacional. (1ª edição: 1914).

CANDIDO, Antonio. “Radicalismos” in: Estudos Avançados. vol. 4, n.08. São Paulo. Jan/abr. 1990. (no Scielo)

COSTA, Sergio. “O anti-racismo de Manoel Bomfim e Alberto Torres” in: Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2006.

IGLÉSIAS, Francisco. “Alberto Torres” in: História e Literatura: ensaios para uma história das idéias no Brasil. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Cedeplar, 2009

TORRES, Alberto. (1978a). Organização Nacional. São Paulo: Cia. Editora Nacional.

Oliveira Vianna, Francisco de. Instituições Políticas Brasileiras. Niterói: Editora da UFF; São Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. vol.2.

Oliveira Vianna, Francisco de. Populações meridionais do Brasil: populações rurais do centro sul. Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Ed. da UFF, 1987

BRANDÃO, Gildo M. MOTA, Lourenço D. Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. São Paulo: SENAC, 2001. (vol. 2).

CARVALHO, José Murilo de. BASTOS, Elide R. e MORAES, João Q. de. O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Editora da Unicamp, 1993.

DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organização política nacional. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1939,

PIVA, Luiz Guilherme. Ladrilhadores e Semeadores: a modernização brasileira no pensamento político de Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, Azevedo Amaral e Nestor Duarte (1920-1940). São Paulo: Editora 34, 2000.

CUNHA, Euclydes da. A margem da história. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclidiana: ensaios sobre Euclides da Cunha. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

VILLA BÔAS, Gláucia. VOLFZON, Ethel; KOSMINSKY, Lépine; PEIXOTO, Fernanda Arêas (orgs.). Gilberto Freyre em quatro tempos. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. Guerra e Paz: Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006.

FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1955 (Coleção cadernos de cultura).

FREYRE, Gilberto. Nordeste. São Paulo: Global, 2004.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948.

HOLANDA, Sérgio Buarque de Holanda. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994

MARTINS, José de Souza. A fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.

VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1979.

WEGNER, Robert. A conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000.

RODRIGUES, Nina. As raças humanas. Bahia, Livraria Progresso, 1888.

SCHWARZ, Roberto. Que horas são?, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

ROMERO, Silvio. Machado de Assis. Campinas, Editora da Unicamp, 1992.

MORAES, Eliane Robert. “Essa sacanagem” in: Ide: psicanálise e cultura, n.41 – julho de 2005.

CUNHA, Manuela Carneiro da. “Religião, comércio e etnicidade” in: Cultura com aspas. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.

WISNIK, José Miguel. “O capoeira e o emplasto”, “A democracia racial em questão”, “Bola ao alto: interpretações do Brasil” in: Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2008.

WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro : Ed. 34, 1994.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

MAUSS, M. “As técnicas do corpo”. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

BOURDIEU, P. “O camponês e seu corpo”. Revista de Sociologia e Política, n. 26, 2006.

 
FONTE: http://amigosenff.org.br/site/node/83

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ricos pagam pouco

POR VLADIMIR SAFATLE



Há alguns dias, uma pesquisa veio mostrar o que todos aqueles que realmente se preocupam com reforma tributária no Brasil sabem: os ricos pagam pouco imposto.


Quem recebe R$ 3.300 por mês, leva para casa, descontados Imposto de Renda e Previdência, 84% do seu salário. Já alguém que ganha R$ 26.600 por mês, leva 74%.


Um profissional holandês, por exemplo, pode contar apenas com 55% de seu salário, e mesmo um norte-americano traz para casa menos que um brasileiro: 70%.


Ao mesmo tempo em que descobríamos a vida tranquila dos ricos brasileiros, chega a notícia de que a quantidade de milionários no Brasil aumentou 5,9% em 2010, atingindo a marca de 115,4 mil pessoas com fortuna de, ao menos, US$ 1 milhão.


O que não deveria nos surpreender. Afinal, vivemos em um país onde o processo de concentração de renda está tão institucionalizado que as classes mais abastadas têm um sistema de defesa de seus rendimentos sem par em outros países industrializados.


Dentro de alguns anos, a chamada nova classe média descobrirá que não conseguirá mais continuar sua ascensão social. Entre outras coisas, ela tomará consciência de como seu orçamento é brutalmente corroído por despesas com educação e saúde.


Um Estado preocupado com seu povo taxaria os ricos e as grandes fortunas a fim de ter dinheiro suficiente para criar um verdadeiro sistema público de educação e saúde.


Por que não criar, por exemplo, um imposto sobre grandes fortunas vinculado exclusivamente à educação? Isto permitiria que essa nova classe média continuasse sua ascensão social.


Tal ascensão seria ainda mais facilitada se a carga tributária brasileira parasse de privilegiar o consumo, e focasse a renda. Uma carga focada no consumo, ou seja, embutida em produtos, é mais sentida por quem ganha menos.


Há pouco, um estudo mostrou como o 0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.


Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%.


Costuma-se dizer que uma das maiores astúcias do Diabo é nos convencer de que ele não existe. Uma das maiores astúcias do discurso conservador é nos convencer, diante de dados dessa natureza, de que conflito de classe é um delírio de esquerdista centenário.


Mesmo que vejamos um processo brutal de concentração de renda institucionalizado e intocado por qualquer partido que esteja no poder, mesmo que vejamos a tendência de espoliação dos recursos de países industrializados por camadas mais ricas da população, tudo deve ser um complô dos incompetentes contra aqueles que bravamente venceram na vida graças apenas a seu entusiasmo e capacidade visionária, não é mesmo?

 
FONTE: Folha de São Paulo, 28 de junho de 2011.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Dialética da Miséria

"Creio que não percebe quão difícil é para os oprimidos tornarem-se unidos. A sua miséria une-os (...) Mas por outro lado a sua miséria é capaz de separá-los uns dos outros, pois são forçados a arrancar as pobres migalhas das bocas uns dos outros".


Bertolt Brecht, Collected Plays Vol. 9 (Pantheon Books New York 1972) p. 379

domingo, 26 de junho de 2011

A heresia comunista de Daniel Bensaïd


Por Michael Löwy.
(escrito quando do falecimento de Daniel Bensaïd, em 2010)
Traduzido do francês por Leonardo Gonçalves.


“Auguste Blanqui, comunista herético” é o título de um artigo que Daniel Bensaïd e eu redigimos juntos em 2006 (para um livro sobre os socialistas do século XIX na França, organizado por nossos amigos Philipe Corcuff e Alain Maillard) [no Brasil, o artigo foi publicado na revista Margem Esquerda, nº 10]. Esse conceito se aplica perfeitamente a seu próprio pensamento, obstinadamente fiel à causa dos oprimidos, mas alérgico a qualquer ortodoxia.

Daniel havia escrito alguns livros importantes antes de 1989, mas a partir daquele ano, com a publicação de Moi la Révolution : Remembrances d’un bicentenaire indigne [Eu, a revolução: Remembranças de um bicentenário indigno] (Gallimard, 1989) e Walter Benjamin, sentinelle messianique [Walter Benjamin, sentinela messiânico] (Plon, 1990), começa um novo período, que se caracteriza não apenas por uma enorme produtividade – dezenas de obras, dentre as quais várias consagradas a Marx – mas também por uma nova qualidade de escrita, uma fantástica efervescência de ideias, uma surpreendente inventividade. Apesar de sua grande diversidade, esses escritos não deixam de ser tecidos com fios vermelhos comuns: a memória das lutas – e suas derrotas – do passado, o interesse pelas novas formas de anticapitalismo e a preocupação com os novos problemas que se colocam à estratégia revolucionária. Sua reflexão teórica era inseparável de sua militância, quer ele escreva sobre Joana D’arc – Jeanne de guerre lasse [Joana D’arc de guerra cansada] (Gallimard, 1991) – ou sobre a fundação do NPA (Prendre parti [Tomar partido], com Olvier Besancenot, 2009). Seus escritos têm, consequentemente, uma forte carga pessoal emocional, ética e política, que lhes dá uma qualidade humana pouco comum. A multiplicidade de suas referências pode tomar desvios: Marx, Lenin e Trotsky, com certeza, mas também Auguste Blanqui, Charles Péguy, Hannah Arendt, Walter Benjamin, sem esquecer Blaise Pascal, Chateaubriand, Kant, Nietzsche e muitos outros. Apesar de toda essa surpreendente variedade, aparentemente eclética, seu discurso não deixa de ter uma notável coerência.

“Eu leio seus livros sem parar como remédios contra a burrice e o egoísmo”, escreveu recentemente seu amigo, o poeta Serge Pey. Se os livros de Daniel são lidos com tanto prazer, é porque eles foram escritos com a pena afiada de um verdadeiro escritor, que tem o dom da fórmula: uma fórmula que pode ser assassina, irônica, nervosa ou poética, mas que vai sempre direto ao ponto. Esse estilo literário, próprio ao autor e inimitável, não é gratuito, mas vem a serviço de uma ideia, de uma mensagem, de um apelo: não se dobrar, não se resignar, não se reconciliar com os vencedores.

Esta ideia se chama comunismo. Ela não poderia ser identificada com os crimes burocráticos cometidos em seu nome, assim como o cristianismo não pode ser reduzido à Inquisição e às dragonnades [espécie de polícia religiosa criada durante o reinado de Luis XIV para perseguir protestantes e reconvertê-los ao catolicismo]. O comunismo, em última análise, é apenas a esperança de suprimir a ordem existente, o nome secreto da resistência e da sublevação, a expressão da grande cólera negra e vermelha dos oprimidos. É o sorriso dos explorados que esperam ao longe os tiros de fuzil dos insurgentes em junho de 1848 – episódio contado com inquietude por Alexis de Tocqueville e reinterpretado por Toni Negri. Seu espírito sobreviverá ao triunfo atual da mundialização capitalista, tal como o espírito do judaísmo durante a destruição do Templo e a expulsão da Espanha (gosto dessa comparação insólita e um pouco provocadora).

O comunismo não é o resultado do “Progresso” ou das leis da História (com P e H maiúsculos): trata-se de uma eterna luta, incerta e anunciada. A política, que é a arte estratégica do conflito, da conjuntura e do contratempo, implica numa responsabilidade humanamente falível, e deve ser confrontada com as incertezas de uma história aberta.

O comunismo do século XXI era, para Daniel, o herdeiro das lutas do passado, da Comuna de Paris, da Revolução de Outubro, das ideias de Marx e Lenin, e dos grandes vencidos que foram Trotsky, Rosa Luxemburgo, Che Guevara. Mas também algo de novo, a altura das questões do presente: um eco-comunismo (termo que ele inventou), integrando centralmente o combate ecológico contra o capital.

Para Daniel, o espírito do comunismo não podia ser reduzido às suas falsificações burocráticas. Se ele era, com suas últimas energias, contra a tentativa da Contra-Reforma liberal de dissolver o comunismo no stalinismo, ele não reconhecia tampouco que pode-se fazer a economia de um balanço crítico dos erros que desarmaram os revolucionários de Outubro em face das provas da história, favorecendo a contra-revolução termidoriana: confusão entre povo, partido e Estado, cega em relação ao perigo burocrático. É preciso retirar disto certas lições históricas já esboçadas por Rosa Luxemburgo em 1918: a importância da democracia socialista, do pluralismo político, da separação dos poderes, da autonomia dos movimentos sociaisem relação ao Estado.

A fidelidade ao espectro do comunismo não impede que Daniel advogue em favor de uma renovação profunda do pensamento marxista, especialmente sobre dois terrenos onde a tradição falha em particular: o feminismo e a ecologia. As feministas – como Christine Delphy – por criticar a abordagem de Engels, que definia a opressão doméstica como um arcaísmo pré-capitalista que em breve se apagaria com a salarização das mulheres. No movimento operário, ele forneceu muitas vezes um sexismo grosseiro, principalmente ao retomar a seu favor a noção burguesa de salário mínimo. A necessária aliança entre a consciência de gênero e a consciência de classe não pode ser feita sem um retorno crítico dos marxistas sobre sua teoria e sua prática.

O mesmo vale para a questão do meio ambiente: habitualmente ligado ao compromisso fordista e à lógica produtiva do capitalismo, o movimento operário era indiferente ou hostil para com a ecologia. Por seu lado, os partidos Verdes têm a tendência de se contentar com uma ecologia de mercado e com um reformismo social-liberal. Ora, o antiprodutivismo de nosso tempo deve necessariamente ser um anticapitalismo: o paradigma ecológico é inseparável do paradigma social. Diante dos danos catastróficos provocados no meio ambiente pela lógica do valor de mercado, é preciso propor a necessidade de uma mudança radical do modelo de consumo, de civilização e de vida.

——————-

A filosofia de Daniel Bensaïd não era um exercício acadêmico, mas estava atravessada, de um lado a outro, pelo fogo da indignação, um fogo que, segundo ele, não pode ser apagado nos mornos da resignação consensual. Daí o seu desprezo pelo “homo resignatus”, político ou intelectual que é reconhecido à distância por sua impassibilidade batraquiana perante a ordem impiedosa das coisas. Para além da modernidade e da pós-modernidade, nos resta, dizia Daniel, a força irredutível da indignação, a incondicional recusa da injustiça, que são o contrário exato do costume e da resignação. “A indignação é um começo. Uma maneira de se erguer e de se colocar em movimento. Primeiro a gente se indigna, se insurge e depois vê”.



Seu hino poético-filosófico à glória da resistência – esta “paixão messiânica de um mundo justo que não aceita sacrificar o “cintilar do possível diante da terna fatalidade do real” – se inspira ao mesmo tempo na paciência do marrano e na impaciência messiânica de Franz Rosenzweig e Walter Benjamin. É também inspirado na profecia do Antigo Testamento, que não se propõe predizer, como a adivinhação antiga o futuro, mas, ao contrário, soar o alerta da catástrofe possível. O profeta bíblico, como já o havia sugerido Max Weber em seu trabalho sobre o judaísmo antigo, não procede com ritos mágicos, mas convida a agir. Contrariamente ao esperar e ver apocalíptico e aos oráculos de um destino inexorável, a profecia é uma antecipação condicional, significada pelo oulai (“se”) hebraico. Ela busca desviar a trajetória catastrófica, conjurar o pior, manter aberto o feixe dos possíveis, logo ela é um apelo estratégico à ação. Segundo Daniel, há profecia em toda grande aventura humana, amorosa, estética ou revolucionária.

—————

Entre todas as “heresias” de Daniel Bensaïd, quer dizer, suas contribuições para a renovação do marxismo, a mais importante, a meus olhos, é a sua ruptura radical com o cientificismo, o positivismo e o determinismo que se impregnaram tão profundamente no marxismo “ortodoxo”, principalmente na França.

Um de seus últimos escritos foi uma longa introdução aos escritos de Marx sobre a Comuna – uma brilhante e enérgica defesa e ilustração do político enquanto pensamento estratégico revolucionário. A doutrina oficial pretende que não há pensamento político em Marx, já que a sua teoria se resume ao determinismo econômico. Ora, a leitura de seus escritos políticos, principalmente a sequência Lutas de classe na França, O 18 de brumário de Luís Bonaparte e A guerra civil na França (os dois últimos publicado no Brasil pela Boitempo em 2011) mostra, muito pelo contrário, uma leitura estratégica dos acontecimentos, levando em consideração a temporalidade própria do político, os antípodas do tempo mecânico do relógio e do calendário. O tempo não-linear e sincopado das revoluções no qual se cavalgam as tarefas do passado, do presente e do futuro é sempre aberto à contingência. A interpretação de Marx por DB é, certamente, influenciada por Walter Benjamin e pelas polêmicas antipositivistas de Blanqui, dois pensadores revolucionários aos quais ele rende uma homenagem apoiada.

Auguste Blanqui é uma referência importante nesta abordagem crítica. No artigo de 2006, mencionado mais acima, ele lembra a polêmica de Blanqui contra o positivismo, esse pensamento de progresso em boa ordem, de progresso sem revolução, esta “doutrina execrável do fatalismo histórico” erigida na religião. Contra a ditadura do fato consumado, acrescentava Bensaïd, Blanqui proclamava que o capítulo das bifurcações ficava aberto à esperança. Contra “a mania do progresso e do desenvolvimento contínuo”, a irrupção eventual do possível no real se chamava revolução. A política que prevalece sobre a história. E propunha as condições de uma temporalidade estratégica e não mais mecânica, “homogênea e vazia”. Logo, para Blanqui, “a engrenagem das coisas humanas não é fatal como a do universo, ela é modificável em cada minuto”. Daniel Bensaïd comparava esta fórmula com ade Walter Benjamin: cada segundo é a porta estreita por onde pode surgir o Messias, quer dizer, a revolução, esta irrupção eventual do possível no real.



Sua releitura de Marx, à luz de Blanqui, de Walter Benjamin e de Charles Péguy, o conduz a conceber a história como uma série de ramificações e bifurcações, um campo de possíveis onde a luta de classes ocupa um lugar decisivo, mas cujo resultado é “imprevisível”. Em Le pari mélancolique [A aposta melancólica] (Fayard, 1997), talvez seu mais belo livro, o mais “inspirado”, ele retoma uma fórmula de Pascal para afirmar que a ação emancipadora é “um trabalho para o incerto”, implicando numa aposta no futuro: uma esperança que não é demonstrável cientificamente, mas sobre a qual envolve-se a existência por inteiro. Redescobrindo a interpretação marxista de Pascal de Lucien Goldmann, ele define o envolvimento político como uma aposta pensada sobre o devir histórico, “com o risco de perder tudo ou de se perder”. A aposta é inelutável, num sentido ou no outro: como escrevia Pascal, “embarcamos”. Na religião do deus oculto (Pascal) como na política revolucionária (Marx), a obrigação da aposta define a condição trágica do homem moderno.

A revolução deixa, portanto, de ser o produto necessário das leis da história, ou das contradições econômicas do capital para se transformar numa hipótese estratégica, um horizonte ético, “sem o qual a vontade renuncia, o espírito da resistência capitula, a fidelidade falha, a tradição se perde”. A ideia de revolução se opõe à sequência mecânica de uma temporalidade implacável. Refratária à conduta causal dos fatos ordinários, ela é interrupção. Momento mágico, a revolução leva ao enigma da emancipação em ruptura com o tempo linear do progresso, esta ideologia da caixa de poupança tão violentamente denunciada por Péguy, onde a cada minuto, a cada hora que passa supõe-se trazer algum crescimento à sua pequena poupança através de aumentos nos juros.

Em consequência, como ele explica em Fragments mécréants [Fragmentos canalhas] (Lignes, 2005), o homem revolucionário é o da dúvida em oposição ao homem de fé, um indivíduo que aposta nas incertezas do século, e que põe uma energia absoluta a serviço de certezas relativas. Logo, alguém que tenta, incansavelmente, praticar esse imperativo exigido por Walter Benjamin em seu último escrito, as Teses “Sobre o conceito de história” (1940): escovar a história a contrapelo.

—————


Daniel fará falta. Já o faz, cruelmente. Mas pensamos que ele gostaria que nos lembrássemos da famosa mensagem de Joe Hill, o I.W.W., o poeta e músico do sindicalismo revolucionário norte-americano, a seus camaradas, às vésperas de ser fuzilado pelas autoridades (sob falsas acusações) em 1915: “Don’t mourn, organize!”. Não lamentem, organizem (a luta)!

***

Daniel Bensaïd (1946-2010), filósofo e dirigente da Liga Comunista Revolucionária, foi um dos militantes mais destacados dos movimentos de Maio de 1968. Foi professor de Filosofia da Universidade de Paris VIII. Autor de muitas obras, tem, entre as publicadas em português, Os irredutíveis (Boitempo, 2008), Marx, o intempestivo (1999) e, em co-autoria com Michael Löwy, Marxismo, modernidade e utopia (2000).

***

Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências Sociais, é autor de Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (Boitempo, 2009) e organizador de Revoluções (2009), dentre outras publicações.


FONTE: Blog da Boitempo

Intelectual marxista, um dirigente revolucionário

Por Emir Sader



Trecho de texto publicado em István Mészáros e os desafios do tempo histórico, organização de Ivana Jinkings e Rodrigo Nobile (Boitempo, 2011).

 
György Lukács viveu, na sua trajetória como intelectual, os dilemas de buscar dar continuidade às primeiras gerações de marxistas, que eram, ao mesmo tempo, intelectuais e dirigentes revolucionários. Líder do Partido Comunista (PC) da Hungria nos anos 1920, Lukács foi ministro da Cultura de um governo de coalizão, até que, depois de vários reveses nos debates internos do partido, resignou-se à sua condição de intelectual marxista, em participação direta na atividade partidária.

 
Embora não se constitua em algum dos casos típicos analisados por Perry Anderson em seu clássico livro Considerações sobre o marxismo ocidental – nem foi expulso ou viveu uma situação insuportável dentro do partido, nem foi vítima da repressão fascista –, Lukács representa um dos grandes dilemas dos intelectuais marxistas diante da chamada “stalinização dos partidos comunistas”, que estreitou as margens de debate interno, a ponto de inviabilizá-los.

 
Conforme os partidos comunistas deixavam de ser espaços abertos ao debate e à criação intelectual, bloqueando a articulação entre teoria e prática marxistas, produzia-se uma das grandes cisões de que o movimento comunista, socialista e de esquerda em geral passou a sofrer desde então: teorias sem práticas políticas e práticas sem teorias políticas. O marxismo perdia fertilidade concreta e a prática deixava de ser iluminada pela teoria.

 
Como teoria que pretende não apenas interpretar a realidade, mas transformá-la, o marxismo busca articular deciframento da realidade e sua transformação revolucionária. A interpretação sem seu desdobramento na prática política desvirtua a essência do marxismo, ao mesmo tempo em que a prática política sem sua interpretação radical fere outro dos seus postulados, formulado por Lenin: “Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”.

 
As gerações de Marx, Engels, Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Gramsci foram sucedidas por grandes teóricos, como Lukács, Jean-Paul Sartre, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Ernst Bloch – e depois deles uma nova leva de intelectuais revolucionários, da qual István Mészáros é exemplo –, entre tantos outros, brilhantes pensadores que nunca capitularam, mantendo-se firmes nas concepções anticapitalistas, apesar de tudo o que vitimava o marxismo e a esquerda em geral – da social-democracia ao stalinismo.

 
No entanto, o campo da esquerda, das forças anticapitalistas e socialistas passou a sofrer dessa cisão entre teoria e prática. Perderam fertilidade política, renunciaram à dimensão inerente ao marxismo de teoria articulada com a transformação revolucionária do mundo.

 
“Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”, afirmava Lenin. A prática política dos partidos de esquerda tendeu a deixar-se guiar pela agenda do sistema dominante, enquanto que os intelectuais tenderam ao ultraesquerdismo: entre uma teoria aparentemente perfeita e uma prática sempre heterodoxa, os intelectuais tendem a ficar com a teoria e a desprezar a prática política. Como resultado, ambos se esterilizam.

 
O mundo acadêmico – onde grande parte da intelectualidade desenvolve suas práticas profissionais – não foi poupado pelas grandes transformações operadas na passagem do período histórico anterior para o atual. Uma parte dos intelectuais, diante da transformação do mundo multipolar em unipolar, assumiu diferentes formas de adaptação à hegemonia capitalista e às variantes da doutrina liberal. Uma parte significativa segue processos de produção de conhecimento pertinente, porém prisioneiro da divisão técnica do trabalho acadêmico e da especialização correspondente.

 
Outro contingente, por sua vez, deixa-se aprisionar pelos mecanismos doutrinários, que desembocam em posições ultraesquerdistas, desvinculadas da realidade concreta. Os novos processos políticos latino-americanos representam estímulos para decifrar seu significado e para contribuir para seu aprofundamento. Questões centrais têm surgido com novas roupagens ou mesmo novas questões, desafiando a intelectualidade latino-americana. Esses processos avançaram com graus diversos de teorização, porém seguramente as dificuldades que enfrentam dependem também de profundo debate e elaboração teórica e política, para que possam efetivamente consolidar os avanços realizados e encaminhar-se para a construção de sociedades que permitam a superação da exploração, da opressão, da discriminação e da alienação.


FONTE: Blog da Boitempo

Anita Prestes: Governo Lula e partidos de esquerda

Veja a terceira parte da entrevista de Anita Prestes na ocasião de sua participação no I CURSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA DOS ESTUDANTES DE HISTÓRIA, promovido pelo Centro Acadêmico Sérgio Buarque de Holanda, da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Campus Samambaia. O tema da palestra foi “O historiador e a sua prática diante da História Oficial”.




 
Para assistir a primeira e a segunda partes da entrevista, veja a postagem do dia 11/6 deste blog clicando no link abaixo:
 
 http://prestesaressurgir.blogspot.com/2011/06/anita-prestes-importancia-da-luta.html

sábado, 25 de junho de 2011

No es Grecia. Es el capitalismo, ¡estúpido!

Por Atilio Borón


Los medios, las consultoras, los economistas, los bancos de inversión, los presidentes de los bancos centrales, los ministros de hacienda, los gobernantes no hacen otra cosa que hablar de “la crisis griega”. Ante tanta vocinglería mal intencionada es oportuno parafrasear aquella frase de campaña de Bill Clinton para decir e insistir que la crisis es del capitalismo, no de Grecia. Que este país es uno de los eslabones más débiles de la cadena imperialista y que es a causa de ello que por allí hacen eclosión las contradicciones que lo están carcomiendo irremisiblemente.

 
La alarma de los capitalistas, justificada sin dudas, es que el derrumbe de Grecia puede arrastrar a otros países como España, Irlanda, Portugal y comprometer muy seriamente la estabilidad económica y política de las principales potencias de la Unión Europea. Según informa la prensa financiera internacional, representativa de los intereses de la “comunidad de negocios” (léase: los gigantescos oligopolios que controlan la economía mundial) la resistencia popular a las brutales medidas de austeridad propuestas por el ex presidente de la Internacional Socialista y actual primer ministro griego, Georgios Andreas Papandreu, amenazan con arrojar por la borda todos los estériles esfuerzos hasta ahora realizados para paliar la crisis.

 
La zozobra cunde en el patronato ante las dificultades con que tropieza Atenas para imponer las brutales políticas exigidas por sus supuestos salvadores. Con toda razón y justicia los trabajadores no quieren hacerse cargo de una crisis provocada por los tahúres de las finanzas, y la amenaza de un enorme estallido social, que podría reverberar por toda Europa, tiene paralizada a las dirigencias griega y europea.

 
La inyección de fondos otorgada por el Banco Central Europeo, el FMI y los principales países de la zona euro no han hecho sino agravar la crisis y fomentar los movimientos especulativos del capital financiero. El resultado más visible ha sido acrecentar la exposición de los bancos europeos ante lo que ya aparece como un inevitable default griego. Las conocidas recetas del FMI, el BM y el Banco Central Europeo: reducción de sueldos y jubilaciones, despidos masivos de empleados públicos, remate de empresas estatales y desregulación de los mercados para atraer inversiones han surtido los mismos efectos padecidos por varios países de América Latina, notablemente la Argentina.

 
Parecería que el curso de los acontecimientos en Grecia se encamina hacia un estrepitoso derrumbe como el que conocieran los argentinos en diciembre del 2001. Dejando de lado algunas obvias diferencias hay demasiadas semejanzas que abonan este pronóstico. El proyecto económico es el mismo, el neoliberalismo y sus políticas de shock ; los actores principales son los mismos: el FMI y los perros guardianes del imperialismo a escala global; los ganadores son los mismos: el capital concentrado y muy especialmente la banca y las finanzas; los perdedores son también los mismos: los asalariados, los trabajadores y los sectores populares; y la resistencia social a esas políticas tiene la misma fuerza que supo tener en la Argentina. Es difícil imaginar un soft landing, un aterrizaje suave, de esta crisis. Lo previsible y lo más probable es precisamente lo contrario, tal como ocurrió en el país sudamericano.

 
Claro que a diferencia de la crisis argentina, la griega está destinada a tener un impacto global incomparablemente mayor. Por eso el mundo de los negocios contempla con horror el posible “contagio” de la crisis y sus devastadores efectos entre los países del capitalismo metropolitano. Se estima que la deuda pública griega asciende a 486.000 millones de dólares y que representa un 165 % del PIB de ese país. Pero tal cosa ocurre en una región, la “eurozona” en donde el endeudamiento ya asciende al 120 % del PIB de los países del euro, con casos como Alemania con un 143 %, Francia, 188 % y Gran Bretaña con el 398 %.

 
No debe olvidarse, además, que la deuda pública de Estados Unidos ya asciende al cien por ciento de su PBI. En una palabra: el corazón del capitalismo global está gravemente enfermo. Por contraposición la deuda pública china en relación a su gigantesco PBI es de apenas el 7 %, la de Corea del Sur 25 % y la de Vietnam 34 %. Hay un momento en que la economía, que siempre es política, se transforma en matemática y los números cantan. Y la melodía que entonan dicen que aquellos países están al borde de un abismo y que su situación es insostenible.

 
La deuda griega -exitosamente disimulada en su gestación y desarrollo gracias a colusión criminal de intereses entre el gobierno conservador griego de Kostas Karamanlis y el banco de inversión favorito de la Casa Blanca, Goldman Sachs- fue financiada por muchos bancos, principalmente en Alemania y, en menor medida, Francia. Ahora son acreedores de papeles de una deuda que la calificadora de riesgo Standard & Poor’s (S&P) calificó con la peor nota del mundo: CCC, es decir, tienen acreencias sobre un deudor insolvente y que no tiene condiciones de pagar.

 
En igual o peor posición se encuentra el ultraneoliberal Banco Central Europeo, razón por la cual un default griego tendría consecuencias cataclísmicas para este verdadero ministro de finanzas de la Unión Europea, situado al margen de cualquier control democrático. Las pérdidas que originaría la bancarrota griega no sólo comprometería a los bancos expuestos sino también a los países en problemas, como España, Irlanda, Italia y Portugal, que tendrían que afrontar el pago de intereses mucho más elevados que los actuales para equilibrar sus deterioradas finanzas. No hace falta mucho esfuerzo para imaginar lo que sucedería si se produjese, como se teme, una cesación unilateral de pagos griega, cuyo primer impacto daría en la línea de flotación de la locomotora europea, Alemania.

 
Los problemas de la crisis griega (y europea) son de origen estructural. No se deben a errores o a percances inesperados sino que expresan la clase de resultados previsibles y esperables cuando la especulación y el parasitismo rentístico asumen el puesto de comando del proceso de acumulación de capital. Por algo en el fragor de la Gran Depresión de los años treintas John Maynard Keynes recomendaba, en su célebre Teoría General de la Ocupación, el Interés y el Dinero, practicar la eutanasia del rentista como condición indispensable para garantizar el crecimiento económico y reducir las fluctuaciones cíclicas endémicas en el capitalismo.

 
Su consejo fue desoído y hoy son aquellos sectores los que detentan la hegemonía capitalista, con las consecuencias por todos conocidas. Comentando sobre esta crisis el Istvan Meszaros decía hace pocos días que “una crisis estructural requiere soluciones estructurales”, algo que quienes están administrando la crisis rechazan terminantemente. Pretenden curar a un enfermo en gravísimo estado con aspirinas.

 
Es el capitalismo el que está en crisis y para salir de ella se torna imprescindible salir del capitalismo, superar cuanto antes un sistema perverso que conduce a la humanidad al holocausto en medio de enormes sufrimientos y una depredación medioambiental sin precedentes. Por eso la mal llamada “crisis griega” no es tal; es, en cambio, el síntoma más agudo de la crisis general del capitalismo, esa que los medios de comunicación de la burguesía y el imperialismo aseguran desde hace tres años que ya está en vías de superación, pese a que las cosas están cada vez peor.

 
El pueblo griego, con su firme resistencia, demuestra estar dispuesto a acabar con un sistema que ya es inviable no en el largo sino en el mediano plazo. Habrá que acompañarlo en su lucha y organizar la solidaridad internacional para tratar de evitar la feroz represión de que es objeto, método predilecto del capital para solucionar los problemas que crea su desorbitada voracidad. Tal vez Grecia, que hace más de dos mil quinientos años inventó la filosofía, la democracia, el teatro, la tragedia y tantas otras cosas, pueda volver sobre sus fueros e inventar la revolución anticapitalista del siglo veintiuno. La humanidad le estaría profundamente agradecida.


FONTE: CubaDebate

Raciocínio evoluiu por causa de discussões

POR HÉLIO SCHWARTSMAN


Num artigo impactante, que vira do avesso alguns dos pressupostos da filosofia e da psicologia evolucionista, os pesquisadores franceses Hugo Mercier (Universidade da Pensilvânia) e Dan Sperber (Instituto Jean Nicod) sustentam que a razão humana evoluiu, não para aumentar nosso conhecimento, mas para nos fazer triunfar em debates.


Desde alguns gregos, mas especialmente com René Descartes (1596-1650), consolidou-se a ideia de que a razão é um instrumento pessoal para nos aproximar da verdade e tomar as melhores decisões possíveis. "Penso, logo existo" é a divisa que celebrizou o pensador francês.


Se esse esquema é exato, como explicar que o pensamento humano erre tanto? Como espécie, fracassamos nos mais elementares testes de lógica, não conseguimos compreender noções básicas de estatística e nascemos com uma série de vieses cognitivos que conspiram contra abordagens racionais.


A situação não melhora quando abandonamos o reino das abstrações para entrar no terreno do interesse pessoal. Vários estudos têm mostrado que a maioria das pessoas comete verdadeiros desatinos lógico-financeiros ao administrar seus fundos de pensão.


Mercier e Sperber afirmam que é possível explicar esse e outros paradoxos se deixarmos de lado a noção clássica para adotar o que chamam de teoria argumentativa. Apresentam uma convincente massa de estudos e evidências em favor de sua tese.


A ideia básica é que a capacidade de raciocinar é um fenômeno social e não individual, cujo objetivo é persuadir nossos semelhantes e fazer com que sejamos cautelosos quando outros tentam nos convencer de algo.

 
SOLUÇÕES


A teoria, dizem os autores, não só faz sentido evolutivo como ainda resolve uma série de problemas que há muito desafiavam a psicologia.


O mais importante deles é o chamado viés de confirmação, que pode ser definido como "buscar ou interpretar evidências de maneira parcial, para acomodar crenças, expectativas ou teorias preexistentes". O fenômeno está na base daquela mania irritante de políticos de só responder o que lhes interessa.


O viés de confirmação é ainda uma das razões de persistência no erro, mesmo quando ele nos prejudica.


Temos dificuldade para processar informações que contrariam nossas convicções. Em suas versões extremas, ele produz pseudociências, fé em religiões e sistemas políticos e também teorias da conspiração.


Sob o modelo clássico, o viés de confirmação é uma falha de raciocínio mais ou menos inexplicável.


Mas, se a razão foi selecionada para nos fazer vencer em debates, então faz sentido que eu busque apenas provas em favor da minha tese, e não contra ela.


Adotada a lógica da produção de argumentos, o que era erro se torna um dos pontos fortes da teoria.

 
FENÔMENO SOCIAL


O modelo tem, evidentemente, implicações fortes. A mais evidente delas é que a razão só funciona bem como fenômeno social. Se pensarmos sozinhos, vamos muito provavelmente chafurdar cada vez mais fundo em nossas próprias intuições.


Mas, se a utilizarmos no contexto de discussões, aumentam bastante as chances de, como grupo, nos dar bem. Ainda que nem sempre, por vezes as pessoas se deixam convencer por evidências.


Trabalhos mostram que, quando submetidas a situações nas quais é preciso chegar a uma resposta correta (testes matemáticos ou conceituais), pessoas atuando sozinhas se saem mal, acertando em torno de 10% das respostas (Evans, 1989).


Quando têm de solucionar os mesmos problemas em grupo, o índice de acerto vai para 80%. É o chamado efeito do bônus de assembleia.



Teoria tem várias aplicações em educação e política



A teoria dos franceses pode ter aplicações práticas na educação e na política.


Crianças se beneficiariam de mais trabalhos em grupo na escola -desde que bem desenhados, é claro.


Já a política, ganharia se conseguíssemos enfatizar situações deliberativas, em vez de apenas coletar opiniões.


O pensamento coletivo é um bom caminho, concluem os autores. Mas naturalmente não existem garantias.


Embora as grandes realizações da humanidade tenham vindo através do exercício coletivo da razão, apenas esforçar-se para utilizá-la não basta. Os sucessos dependeram em boa medida de sorte epistêmica.

 
REPERCUSSÃO


O artigo de Mercier e Sperber foi publicado na edição de abril de "Behavioral and Brain Sciences", que costuma trazer um texto de fôlego e vários comentários menores de especialistas das mais variadas áreas.


Como não poderia deixar de ser, eles apontam uma série de dificuldades e pontos controversos da teoria.


Um dos mais lembrados é que os autores parecem subestimar a possibilidade de a razão -sob as condições certas- nos levar a decisões individuais corretas, mesmo que ela não tenha exatamente evoluído para isso.


Há também quem conteste as próprias bases da pesquisa, como a cientista Darcia Narvaez, da Universidade Notre Dame, na França.


De acordo com a pesquisadora, os estudos sobre raciocínio são deterministas e enviesados, ignorando grande parte das situações em que usamos a razão.


FONTE: Folha de São Paulo, 25 de junho de 2011.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

E agora, Zelaya?

De volta a seu país, ex-presidente depara-se com desafios na construção de unidade da esquerda e com disputas em sua base



Sílvia Alvarez
de Tegucigalpa (Honduras)


Aos 59 anos, Manuel “Mel” Zelaya é um homem em busca de sua identidade. “Ainda me sinto um estrangeiro, não é fácil viver fora de seu país, perdem-se as origens”, desabafou quando perguntamos como passou os primeiros dias em Honduras depois de 17 meses de exílio na República Dominicana. O ex-presidente está de volta à casa de onde o tiraram, ainda de pijama, na madrugada de 28 de junho de 2009, quando sofreu um golpe de Estado civil-militar. O portão está bem mais vigiado, mas a casa mantém os mesmo móveis rústicos de antes, além dos muitos porta-retratos com fotografias da família.

 
Zelaya, no entanto, não mantém a mesma animação de quando andava com chapéu de vaqueiro convocando a população a ir às urnas opinar sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Está com ar cansado, agenda cheia e constantemente pressionado – e disputado – pelas forças políticas contrárias ao golpe. A pergunta que todos se fazem é: afinal, onde se dará a luta política de Mel, no Partido Liberal – pelo qual foi eleito presidente em 2005 e que tem em suas fileiras nomes como Micheletti - ou na Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), da qual é coordenador-geral?

 
Com a experiência de um político tradicional e com a diplomacia que lhe é característica, Zelaya evita a imprensa “golpista” e declarações decisivas sobre o tema. Propôs a criação de uma Frente Ampla, similar à que governa o Uruguai, onde poderiam conviver liberais e FNRP contra as forças mais conservadoras do país. Mas, “quem vai decidir é a assembleia nacional da Frente Nacional de Resistência Popular”, avisa. Quer retomar o projeto de convocação de uma Constituinte e defende um tipo de política que chama de liberalismo pró-socialista.

 
O ex-mandatário voltou ao país em 28 de maio depois de um acordo de reconciliação firmado entre ele e o atual presidente Porfírio Lobo Sosa, no marco do processo de mediação impulsionado pelos presidentes venezuelano Hugo Chávez e colombiano Juan Manuel Santos. Foi recebido por uma multidão que o esperou durante horas no aeroporto da capital Tegucigalpa.

 
Zelaya recebeu o Jornal Brasil de Fato para uma conversa, metade dela em sua casa, de onde saía de uma reunião com assessores, e a outra metade em um carro, rumo a outra reunião. Durante a entrevista penteava o cabelo e sorvia um ovo cru. Afinal, não há mais tempo a perder: já se foram quase dois longos anos longe do povo e da política hondurenha.

Brasil de Fato – Desde que voltou ao país, você fala na criação de um bloco político amplo, semelhante ao do Uruguai. Como se dará esse bloco e qual será a atuação da FNRP dentro desse novo campo político?
Manuel Zelaya – Bom, primeiro é somente uma ideia. Ainda não foi aprovada, temos que ir à assembleia, conseguir respaldo popular e depois aprovar. Eu vim em primeiro lugar tratar de resgatar minha própria identidade, depois de quase dois anos de golpe de Estado e de 17 meses de exílio. É um processo de transformação e de mudança ao qual vamos nos adaptando. Estamos voltando ao nosso ritmo de trabalho habitual. Tenho me dedicado por 30 anos à política... no exílio recebi muito amor da República Dominicana, mas o desterro sempre significa incerteza, uma tensão. Agora já estamos aqui, temos essa proposta (da criação da Frente Almpa) e dentro de 15 dias teremos uma assembleia e uma resposta da FNRP.

 
E em relação às eleições de 2013? A FNRP disse que irá se transformar em partido. Mas se esse bloco político amplo tem uma candidatura, sairá por qual partido?
A Frente Ampla é uma somatória de tendências, de correntes e de bandeiras. Se conforma como uma organização política, onde em seu seio há vários partidos políticos. Mas não necessariamente a institucionalidade dos partidos está, e sim sua militância.

 
O senhor tem se definido com um liberal pró-socialista. O que seria isso?
[Risos] É uma pergunta interessante. Principalmente os que lidam com o “ideológico” buscam uma definição... o que eu quero dizer com liberal pró-socialista? É uma política de transição. Nós queremos avançar a um processo pró-socialista respeitando muitos dos princípios de liberdade econômica, que são a base da diferença entre liberalismo e socialismo. Então, misturam-se ideias da visão e da responsabilidade social que têm o conceito de liberdade, mas se mantêm os princípios de liberdade econômica, onde o Estado tem poderes que lhe dá a lei, a constituição. Ou seja, são duas filosofias juntas nas partes em que coincidem: a busca do direito e da justiça para o bem comum e a liberdade a que todos nós aspiramos.

 
O senhor falou em liberdade econômica. Recentemente o governo de Porfírio Lobo Sosa fez um evento chamado Honduras is Open For Business que está no marco de uma política econômica de abertura para o investimento estrangeiro, inclusive com novas leis que fazem possível a construção das “cidades modelo”. O que acha desse tipo de política?
A liberdade econômica é um princípio básico para obter maior investimento nacional e estrangeiro. O que acontece é que quando se dão tantas liberdades ao capital, ele abusa e comete fraudes, como o que tem passado em Wall Street e em todas as operações financeiras que têm gerado especulação. Estou de acordo em buscar mecanismos de desenvolvimento mantendo princípios de liberdade, mas tem que colocar limites a esse conceito, se não se produzem abusos.
Agora, processos como o Honduras is open for Business não se definem como de liberdade econômica. Esses são processos de concessão. Aí não há liberdade econômica, o que há é uma proteção econômica aos que se estabelecem dentro desse processo.

Qual sua análise da situação de Honduras hoje, depois de quase dois anos do golpe?
Em Honduras há uma crise social há vários séculos, desde a época da conquista. O extermínio indígena que aconteceu aqui foi um fato pavoroso na história do país. Há uma crise econômica também por falta de capacidade produtiva e extrema pobreza. Quando cheguei ao governo (em 2005), 45% da população estava em extrema pobreza. Nós baixamos esse percentual em quase 19 pontos em dois anos, e conseguimos um crescimento de 7% sustentado em todo o meu governo. Então, há uma crise histórica e uma crise agravada depois do golpe de Estado militar. Hoje, estamos vivendo os aspectos específicos do agravamento dessa crise que se deu por uma interrupção da ordem democrática do país, a qual gerou terríveis conflitos dentro dos problemas que já estavam latentes em todo o conceito de governabilidade social.

 
Por causa dessa crise, ocorreram muitas mobilizações de rua nesses dois anos, principalmente as organizadas pela FNRP. Qual sua opinião sobre esse tipo de luta?
Ela sempre existiu. Existe algum lugar no mundo em que os operários não reclamem por melhores salários? Onde os camponeses não exijam o acesso à terra? São processos que nascem da necessidade e se resolvem de acordo com a capacidade de diálogo que tem o governo. O povo tem o direito a fazer greve, manifestações públicas. O que aconteceu é que o índice de conflito social aumentou. Depois do golpe aumentou 100%.

Uma das principais bandeiras da FNRP é a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte. Como se dará esse processo?
A América Latina está conduzindo vários processos democráticos, pacíficos e revolucionários. É a América Latina que está dirigindo essa visão no mundo. Primeiro de descolonização frente às economias dominantes que são as do dólar e as do euro. Um dos países que estão dirigindo isso é o Brasil. No governo de Lula e agora com a continuidade de Dilma, assim entendo, se abriram as fronteiras para Ásia, para o Leste Europeu e para a África, Índia, China – e o mesmo estão fazendo as outras economias da América do Sul. E tratando de sair da hegemonia do dólar e do euro.

 
O segundo processo que se está impulsionando na América Latina é o empoderamento dos direitos da população. O povo está conhecendo mais em que consistem seus direitos democráticos. Considero uma das ações mais importantes do século 21 e do final do século 20. “Empowering men” dizem os americanos. Empoderando-se os seres humanos deles mesmos.

 
O terceiro conceito que também se está promovendo de forma pacífica é a soberania popular. O fato de que o povo tem a capacidade de conduzir-se através de processos de consulta, referendo, é parte dessa revolução democrática pacífica que está liderando a América Latina. Criou-se a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), por exemplo, estão criando a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac). Estamos em um verdadeiro processo de independência e de descolonização. A Assembleia Nacional Constituinte que se dará em Honduras está nesse mesmo conceito de soberania, ampliação democrática e de descolonização.

 
Os Estados Unidos anunciaram recentemente a intenção de construir outra base militar em Honduras. Sabemos que a base militar de Palmerola teve função importante no golpe de Estado, inclusive foi pra lá que o senhor foi levado quando sofreu o golpe. Que papel os EUA seguem tendo no atual governo de Honduras?
Honduras é um país sob intervenção comercial, econômica, militar e cultural dos Estados Unidos. E esse controle férreo sobre todos os passos de Honduras não deu todos os resultados de benefícios e desenvolvimento que nós queremos. Honduras é a terceira economia mais pobre do continente americano. Eu não vou culpar a outro país pelos problemas de Honduras. Mas sim, temos o direito no nosso país de buscar maior independência. Os responsáveis pela direção de Honduras são os da sua classe governante. A burguesia hondurenha é extremamente débil frente ao capital estrangeiro, o capital de Washington. Então, se submetem a condições onerosas, as quais não lhe permitem criar as bases para um desenvolvimento equitativo de Honduras.

 
Na última assembleia da OEA, na qual Honduras já estava inserida, tratou-se do tema da violência e do narcotráfico. Sabemos que Honduras está na rota do fluxo de droga proveniente da Colômbia rumo à América do Norte. Na sua opinião, quais são os interesses envolvidos nessa questão?
Veja, América Central e México estão em um corredor, onde a droga que se produz no sul se consome no norte. E todo o nosso povo, nossos governos, são vítimas desse negócio ilícito, que é o tráfico. Organizam máfias, grupos de terror, criam destruição e morte por onde vão passando. Isso não vai se resolver enquanto não se faça um acordo entre Estados Unidos e América do Sul, América Central e México. Esse não é um problema local. Tem que ter um acordo internacional.

 
Ainda no tema da violência. Na região do Baixo Aguan, ao norte de Honduras, aconteceram 31 assassinatos de camponeses nos últimos 15 meses. Quais as origens dessa violência e do conflito por terras nessa região?
Eu, por minha natureza ideológica, sou contra as penas difamantes, como a pena de morte. E defendo, pela minha religião cristã, o direito à vida. Todos os atos de violência, para mim, são contrários à civilização. Nós condenamos os assassinatos no Baixo Aguan, assim como os massacres que ocorreram em San Pedro Sula e os assassinatos de pessoas da Frente Nacional de Resistência Popular. Sempre levamos denúncias aos organismos de direitos humanos e internacionais. Vamos seguir nessa luta pela paz para que em Honduras cessem os assassinatos, crimes e violência. E também que, especialmente esse tipo de crime, o político, não aconteça mais em nosso país. E que não tenham perdão, nem anistia.

 
E os conflitos pela terra, quais são as origens?
Eu conheço muito bem o processo que se degenerou até chegar a esse nível de violência em Baixo Aguan. Eu governei esse país numa época em que se deram processos de recuperação de terra. Fui firmar acordos com organizações campesinas para buscar solução. Considero que esses conflitos – que se dão pelo direito à propriedade – devem resolver-se o mais rápido possível. E devem resolver-se com base na justiça e na equidade. Tantos direitos têm os homens sem terra, por exemplo, o direito de buscar a vida que perderam nesse conflito.

 
O senhor saudou o retorno de Honduras à OEA, ao mesmo tempo a maior parte da resistência é contrária a esse retorno. Porque essas opiniões discordantes?
Tem que respeitar as opiniões diferentes e os critérios deles. Têm razão em reclamar a defesa dos seus direitos. O que acontece é que pensar que a OEA vai vir fazer a justiça em Honduras... a justiça temos que fazer nós, hondurenhos, e fazê-la nas urnas, como democratas. Estou falando politicamente. Em relação aos direitos humanos, os assassinatos e crimes, estes não são anistiáveis. Temos que buscar nossa própria legalidade. Que tenhamos o governo que o povo merece. Não esperemos que venham organismos internacionais a fazer por nós o que nós temos a responsabilidade de fazer.

 
A OEA fez muitas ações em defesa da democracia hondurenha. Suspendeu Honduras [logo depois do golpe, em 2009] e realmente defendeu Honduras nos momentos mais críticos da ditadura. Agora estamos em outra etapa. O governo firmou um acordo de reconciliação, que é uma reconciliação política e, desse ponto de vista, abriu as portas de Honduras para a legitimidade internacional. Mas, ainda falta muito na questão dos direitos humanos, sociais e econômicos.

 
Como está sua agenda desde que chegou a Honduras?
Desde que cheguei aqui estou em atividade. Não tenho feito mais do que lutar por direitos políticos do povo hondurenho e a isso estou dedicado. Propus uma Frente Ampla, acredito que esse é o caminho para aglutinar força política frente às forças mais conservadoras do país.

 
O Brasil cumpriu um papel importante na época do golpe, inclusive colocando a embaixada brasileira à sua disposição. Quais são suas expectativas com o governo de Dilma?

Sei que ela tem continuado a política de distribuição econômica do governo Lula e isso é muito bom. Estou muito agradecido ao Brasil, com o apoio que nos deu. Não seria possível meu retorno sem o apoio do Brasil.

 

Cronologia do golpe

 
28 de junho de 2009
Zelaya ia consultar a população sobre a inclusão de uma quarta urna, nas eleições de outubro, que perguntaria ao povo se apoiava a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que aprovaria uma nova Constituição. O Congresso Nacional, liderado por Roberto Micheletti – do mesmo partido que Zelaya, o Liberal – desautorizou a consulta e, numa aliança com a oligarquia, a embaixada estadunidense e o exército, executou um golpe de Estado. Zelaya foi deportado para a Costa Rica e milhares de manifestantes se dirigiram à Casa Presidencial.

 
29 de junho de 2009
A população vai novamente às ruas e forma-se a Frente Nacional Contra o Golpe de Estado que agrega organizações sindicais, camponesas, indígenas, intelectuais e partidos políticos que condenaram a ruptura institucional. Posteriormente se chamaria Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP).

 
4 de julho de 2009
A comunidade internacional rechaça o golpe e Honduras é suspensa, por unanimidade, da Organização dos Estados Americanos (OEA).

 
5 de julho de 2009
O presidente deposto Manuel Zelaya tenta voltar ao país, apesar das ameaças de prisão, pelo aeroporto Toncontín, da capital Tegucigalpa. Milhares de manifestantes o esperavam nas imediações. Um atirador de elite assassinou o jovem Isis Obed, considerado a primeira vítima fatal da ditadura. Militares ocuparam a pista de aterrisagem impedindo pouso do avião que trazia Zelaya.

 
24 de julho de 2009
Em mais uma tentativa de retornar ao seu país, Zelaya cruza a fronteira de Honduras pela Nicarágua, onde centenas de militantes da resistência o esperavam. Devido à forte repressão decidiu recuar.

 
21 de setembro de 2009
Zelaya retorna a Honduras escondido e refugia-se na embaixada brasileira nesse país. As centenas de pessoas que se manifestavam em frente à embaixada eram duramente reprimidas. Ali, o presidente deposto permaneceu por mais de 4 meses.

 
29 de novembro de 2009
A administração provisória de Roberto Micheletti organiza eleições para eleger o novo presidente de Honduras. Considerando-as fraudulentas e inconstitucionais, Zelaya e a FNRP conclamam a população a boicotar o pleito. Apesar disso, Porfírio Lobo Sosa foi eleito, prometendo uma reconciliação nacional e anistia para Zelaya e golpistas.

 
27 de janeiro de 2010
Zelaya parte para o exílio na República Dominicana e Porfírio Lobo Sosa toma posse do governo de Honduras. Seu governo é marcado por graves violações de direitos humanos e avanço do neoliberalismo no país.

 
15 de setembro de 2010
A FNRP anuncia que obteve, durante um processo que começou em abril desse mesmo ano, 1,35 milhão de assinaturas, número mais do que necessário para se iniciar uma convocatória para um processo constituinte.

 
24 de fevereiro de 2011
A Frente Nacional de Resistência Popular realiza sua primeira assembleia geral, chamada Mártires Campesinos do Aguán e ratificam Manuel Zelaya como coordenador-geral da organização.

 
2 de maio de 2011
A Suprema Corte de Justiça anulou os julgamentos que foram abertos contra Zelaya por ocasião do golpe, o que foi o início do processo de retorno do ex-presidente ao seu país.

22 de maio de 2011
Manuel Zelaya e Porfírio Lobo Sosa assinaram o acordo de Reconciliação Nacional, em Cartagena das Índias (Colômbia), no marco de um processo de mediação promovido pelos presidentes venezuelano Hugo Chávez e colombiano Juan Manuel Santos. O acordo pressupunha o retorno de Zelaya a Honduras com garantia de direitos e a reintegração de Honduras à OEA.

 
28 de maio de 2011
Zelaya regressa a Honduras e é recebido por uma multidão no aeroporto de Toncontín, na capital Tegucigalpa.

 
01 de junho de 2011
A Organização dos Estados Americanos aprovou a reintegração de Honduras após quase dois anos de suspensão. A decisão teve o apoio de 32 dos 33 países do bloco, sendo Equador o único país a votar contra.

Os "Grundrisse" de Marx, pela primeira vez em português

Muito mais que “esboços” ou adiantamento da obra maior de Karl Marx, os três manuscritos econômicos de 1857-1858 que compõem os quase lendários Grundrisse constituem patrimônio das ciências humanas de inestimável valor.

Parte de uma luta ideológico-política pela exclusividade do “verdadeiro” Marx, a obra somente veio à luz já na primeira metade do século XX, em virtude dos conflitos centrados no controle que o Partido Comunista da ex-URSS exerceu sobre os escritos não divulgados do filósofo alemão.

Considerados inicialmente espécie de amostra ou work in progress do que viria a ser a obra central de Marx, sabe-se hoje que examinar os Grundrisse é como ter acesso ao laboratório de estudos de Marx no curso de sua extensa atividade intelectual, o que permite acompanhar a evolução de seu pensamento, as áreas específicas de interesse que deles se desdobram, e, sobretudo, compreender no detalhe o seu método de trabalho.

Publicada integralmente e pela primeira vez em português, esta obra crucial de Marx para o desenvolvimento de sua crítica da economia política consiste em três textos bastante distintos entre si em natureza e dimensão. O primeiro, que só mais tarde o filósofo intitularia “Bastiat e Carey”, foi escrito em um caderno datado de julho de 1857. O segundo, contendo o que seria uma projetada Introdução à sua obra de crítica à economia política, é de um caderno de cerca de trinta páginas, marcado com a letra M e redigido, ao que tudo indica, nos últimos dez dias de agosto de 1857. O terceiro manuscrito, e o mais extenso, compreende a obra póstuma de Marx que ficou conhecida como Esboços da crítica da economia política, ou simplesmente Grundrisse, conforme o título da edição alemã. Tal texto consiste em dois capítulos (“Capítulo do dinheiro” e “Capítulo do capital”) distribuídos em sete cadernos numerados de I a VII.

Segundo Francisco de Oliveira, professor de sociologia da Universidade de São Paulo (USP), na capa do livro, “o vigoroso teórico pode ser justamente tido como um escritor de primeira plana; ele tinha, sem muita modéstia, inteira consciência de seu valor literário e, talvez por exagero – e que temperamento! –, tenha deixado na obscuridade muitos textos dos Grundrisse e que estão agora com os leitores do Brasil e de outras paragens para nossa delícia teórica e nossas elaborações na tradição marxista”.



Trabalho de anos de tradução rigorosa diretamente dos originais em alemão, com coedição da Boitempo Editorial e Editoria UFRJ, os Grundrisse constituem a versão inicial da crítica da economia política, planejada por Marx desde a juventude e escrita entre outubro de 1857 e maio de 1858. Ela seria depois muitas vezes reelaborada, até dar origem aos três tomos de O capital.



“O fato de ser uma primeira versão não faz destes escritos algo simples ou de mero interesse histórico. Além de entender o ponto de partida da grande obra de maturidade de Marx, eles permitem vê-la de uma perspectiva especial só possível com manuscritos desse tipo, pois, como não pretendia ainda publicá-los, o autor os considerava uma etapa de seu próprio esclarecimento, concedendo-se liberdades formais abolidas nas versões posteriores”, afirma na orelha o professor de história da USP, Jorge Grespan.



Segundo o tradutor e supervisor da edição, Mário Duayer, mesmo diante de mazelas da vida, o prognóstico de uma crise econômica iminente forneceu a Marx o estímulo para pôr no papel as descobertas de seus longos anos de estudos de economia política e dar uma primeira forma à sua crítica. “Vivendo em extrema pobreza, permanentemente sitiado por credores, cliente habitual de lojas de penhor, castigado por problemas de saúde e devastado pela morte prematura de quatro dos seus sete filhos – decerto em virtude das condições materiais em que vivia a família –, o que de fato surpreende é como ele foi capaz de produzir, nessas circunstâncias, não só um trabalho tão magnífico, uma das obras científicas mais importantes e influentes de todas as épocas, mas, acima de tudo, uma obra motivada por uma paixão genuína pelo ser humano”.

Trecho do livro

“Carey, cujo ponto de partida é a emancipação da sociedade burguesa do Estado na América do Norte, termina, entretanto, com o postulado da intervenção do Estado para que o desenvolvimento puro das relações burguesas, como de fato ocorreu na América do Norte, não seja perturbado por influências exteriores. Ele é protecionista, ao passo que Bastiat é livre-cambista. A harmonia das leis econômicas aparece em todo o mundo como desarmonia, e os primeiros indícios dessa desarmonia surpreendem Carey inclusive nos Estados Unidos. De onde vem esse estranho fenômeno?

Carey o explica a partir da influência destrutiva da Inglaterra sobre o mercado mundial com sua ambição ao monopólio industrial. Originalmente, as relações inglesas foram distorcidas no interior do país pelas falsas teorias de seus economistas. Atualmente, como poder dominante do mercado mundial, a Inglaterra distorce a harmonia das relações econômicas em todos os países do mundo. Essa é uma desarmonia real, de maneira nenhuma baseada meramente na concepção subjetiva dos economistas. O que a Rússia é politicamente para Urquhart, a Inglaterra é economicamente para Carey. A harmonia das relações econômicas, para Carey, baseia-se na cooperação harmônica de cidade e campo, de indústria e agricultura. Essa harmonia fundamental, que a Inglaterra dissolveu em seu interior, ela destrói por meio de sua concorrência no mercado mundial e, assim, é o elemento destrutivo da harmonia universal.”



Sobre a coleção Marx-Engels

A publicação dos Grundrisse coroa o ambicioso projeto da Boitempo Editorial de traduzir o legado de Karl Marx e Friedrich Engels, contando com o auxílio de especialistas renomados e sempre com base nas obras originais. Com 12 volumes publicados, a coleção teve início com a edição comemorativa dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998. Em seguida foi publicada A sagrada família (2003), obra polêmica que assinala o rompimento definitivo de Marx e Engels com a esquerda hegeliana. Os Manuscritos econômico-filosóficos (2004) vieram na sequência, ao qual se seguiram os lançamentos de Crítica da filosofia do direito de Hegel (2005); Sobre o suicídio (2006); A ideologia alemã (2007); A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (2008); Sobre a questão judaica (2010); Lutas de classes na Alemanha (2010); O 18 de brumário de Luís Bonaparte (2011); A guerra civil na França (2011), em comemoração aos 140 anos da Comuna de Paris; e agora os Grundrisse (2011).


FONTE: Editora Boitempo