sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Precisamos de escolas para garantir ensino básico"

Por Jade Percassi



Um diagnóstico da educação na área rural, divulgado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, apresenta a insuficiência e a precariedade das instalações físicas da maioria das escolas.

 
Além disso, as dificuldades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da falta de um sistema adequado de transporte escolar e um currículo escolar que privilegia uma visão urbana de educação e desenvolvimento.

 
A pesquisa do Censo Escolar 2002 a 2009 e a Pesquisa de Avaliação da Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária INCRA (2010), apontam que o número de matrículas no meio rural reduziu de 7.916.365 para 6.680.375 educandos, representando um número de 1.235.990 que estão sem escola ou que foram obrigados a estudar na cidade.

 
“Defendemos que é urgente uma política que garanta recursos específicos para educação do campo, tendo em vista as demandas concretas e as características deste território. Os sujeitos do campo precisam ter acesso a educação básica em sua totalidade, desde o ensino fundamental até o ensino médio”, afirma Maria Cristina Vargas, do Setor de Educação do MST.

 
Abaixo, leia a entrevista sobre as propostas do MST na área da educação, que é um dos eixos das reivindicações na Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária, ao lado do assentamento das famílias acampadas e o fortalecimento dos assentamentos existentes.

 
Quais os elementos centrais da proposta do MST para a educação do campo?


A pauta que temos defendido para a educação do campo busca fazer valer nos marcos da legislação o direito de acessar as políticas públicas da educação pelos camponeses de todo o país, pois o que se percebe é que o regime de colaboração entre os entes federados na maioria das vezes não se concretiza, seja na execução das políticas obrigatórias da educação ou mesmo nos programas especiais do governo federal. Resultado disso são escolas com estruturas precárias, um grande número de escolas sendo fechadas, e muitas comunidades sem nunca ter tido a oportunidade de ter uma escola.

 
Defendemos que é urgente uma política que garanta recursos específicos para educação do campo, tendo em vista as demandas concretas e as características deste território. Os sujeitos do campo precisam ter acesso a educação básica em sua totalidade, desde o ensino fundamental até o ensino médio. Precisamos de uma política de construção de escolas do campo e estruturação das escolas que já existem. É fundamental também uma política de formação continuada de educadores do campo.

 
Temos a necessidade também da revisão da política de transporte escolar do campo, de maneira que o transporte não seja para levar os estudantes para a cidade, mas apenas uma política pontual para atuar na necessidade de deslocamento intra-campo.

 
O MST faz um esforço para enfrentar o problema do analfabetismo, com o método sim eu posso. Como acabar com essa vergonha nacional?

 
Nossa proposta é que o governo realize uma campanha nacional, envolvendo o maior numero possível de forças sociais, para alfabetizar em quatro anos. Nosso entendimento é que para erradicar o analfabetismo dos 14 milhões da população adulta de nosso país é preciso ser de forma massiva, demonstrando vontade política de uma ação mais efetiva, com as condições de desenvolver o trabalho, podendo utilizar dentre outros métodos o “Programa Sim, Eu Posso”, de Cuba.

 
Existe um apoio à ideia da expansão das escolas técnicas. No entanto, ainda não chegaram no campo. Por que é importante para os assentamentos a interiorização das escolas técnicas no campo?

 
Nas áreas de Reforma Agrária somente 6% da população assentada concluiu o ensino médio, portanto é urgente conquistarmos escolas que atendam essa modalidade de ensino. Junto a essa demanda, vem o ensino médio técnico vem como uma necessidade de qualificarmos a juventude para o trabalho no campo. As escolas técnicas não somente agrícolas, mas com as outras áreas do conhecimento, devem estar próximas às comunidades, podendo aliar o ensino teórico com as atividades práticas, necessárias de serem desenvolvidas nas comunidades. Digo não somente agrícola, pois no campo a necessidade não é só vinculada à área de produção de alimento. Existem outras áreas como saúde, agroindústria, artes.

 
Muitos trabalhadores rurais, inclusive os assentados, são obrigados a sair do campo para fazer cursos universitários e, por conta disso, abandonam o campo. Como o governo pode enfrentar esse problema?

 
O acesso à universidade é um problema para toda a população trabalhadora brasileira. No campo, como o acesso à educação básica (fundamental e médio) é ainda muito distante de atender nossa real necessidade, a educação superior é ainda mais difícil. O governo deve investir na interiorização de cada vez mais universidades públicas, com campus/unidades que possam ser construídos nas áreas camponesas, em municípios que a agricultura camponesa é forte, e com incentivo aos cursos voltado às áreas de maior necessidade nos assentamentos e comunidades da agricultura familiar. A democratização do acesso a universidade deve ser resultado de uma ampla reforma do sistema educacional, capaz de universalizar a educação em todos os níveis de ensino, inclusive superior.

 
Para estudar na cidade, as crianças muitas vezes passam por constrangimentos. O que pode ser feito para que esse tipo de situação seja evitada?

 
Devemos ter ações que sejam estruturantes. A desigualdade econômica e social é a grande reprodutora de preconceitos, resultando em discriminações entre seres humanos. No campo, mais do que resolver a questão educacional, é necessário entender o campo como espaço de produção de existência, onde possamos ter acesso a terra, cultura, moradias dignas, políticas públicas para saúde, incentivo à tecnologia, e que a educação seja agregadora deste desenvolvimento.

 
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou um decreto que transforma a educação do campo em política pública. Em que medida o Movimento avalia que este decreto representa um avanço para a consolidação de um programa político pedagógico comprometido com nossas reivindicações?

 
Nossa avaliação é de que o decreto vai ser agilizado a partir do Plano Nacional de Educação. O decreto é traduzido como uma política de Estado e não de governo, o que é muito positivo. Nele é definido de forma ampla quem são os sujeitos do campo e isso contribuirá para fazermos os diálogos e os enfrentamentos ao poder público municipal e estadual. Em resumo, o decreto é o reconhecimento de uma luta feita a partir da mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.

 
O MST participou diretamente da Conferência Nacional de Educação para elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), que o governo federal vai encaminhar ao Congresso Nacional, com as metas educacionais a serem alcançadas pelo Brasil no período de 2011 a 2020. Quais são os principais pontos referentes à Educação do Campo contemplados por esse documento?

 
Defendemos antes de tudo nesse espaço a educação publica na sua totalidade, com o financiamento publico de 10% do PIB brasileiro, e não deixando na responsabilidade das empresas privadas, que em muitas vezes gerem não somente via financiamento, como também determinam o conteúdo desta educação. A responsabilidade das empresas é pagar os impostos e estes serem revertidos em políticas publicas. Defendemos a universalização do atendimento escolar; e que a educação publica com a qualidade que garanta a formação dos sujeitos para a vida, com acesso a cultura, lazer e aos conteúdos críticos. Defendemos a educação pública com a participação da sociedade (entendendo aqui, trabalhadores e trabalhadoras) e as organizações que defendem os trabalhadores.

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