domingo, 30 de janeiro de 2011

Lançamento do livro A Coluna Prestes na XX Feira Internacional do Livro Cuba 2011


Durante a XX Feira Internacional do Livro Cuba 2011, que acontecerá entre os dias 10 e 20 de fevereiro,em Havana, e, em seguida, percorrerá todas as províncias do país, a prestigiosa Casa de las Américas lançará cerca de 20 títulos, novos e reedições. Entre eles, "La columna Prestes", de autoria de Anita Prestes, que estará presente ao evento. O livro de Anita foi agraciado com o Prêmio Casa de las Américas 1990. Com 21 anos de atraso, ele agora será lançado por esta renomada instituição.


Mais informações: Cubasí.cu

sábado, 29 de janeiro de 2011

Revista de História Comparada já está no ar


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA


http://www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/revistahc/revistahc.htm


Volume 4 - Número 2 - Dezembro/2010






S U M Á R I O

DOSSIÊ: AÇÃO POLÍTICA E CONSTRUÇÃO DE REALIDADE


ANTÔNIO GRAMSCI E O OFÍCIO DO HISTORIADOR COMPROMETIDO COM AS LUTAS POPULARES
Anita Leocadia Prestes


LAS DERECHAS EN ARGENTINA, BRASIL Y CHILE (1945-1959): UNA PROPUESTA COMPARATIVA
Ernesto Bohoslavsky


CONDIÇÕES HISTÓRICAS PARA A FORMAÇÃO DA RÁDIO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
Victor Nigro Fernandes Solis


ARTIGOS


CORPOS QUE FALAM, CORPOS QUE CALAM: UM ESTUDO COMPARATIVO DAS PERSONAGENS RYMENHILD, DE KING HORN, E A DONZELA, DE ARMER HEINRICH, DE HARTMANN VON AUE
Gabriela da Costa Cavalheiro Daniele Gallindo Gonçalves Silva


APONTAMENTOS ACERCA DO DISCURSO AUTOBIOGRÁFICO NO DIÁRIO DE HERCULINE BARBIN.
Sarug Dagir Ribeiro


EXPERIMENTAÇÃO CIENTÍFICA COM ANIMAIS: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS COMITÊS DE ÉTICA
Selson Garutti Bibiana Palma


RESENHAS


VALOBRA, Adriana María. Del hogar a las urnas. Recorridos de la ciudadanía política femenina. Argentina, 1946-1955. Rosario. Prohistoria. 2010.192 p. Uma genealogia da cidadania das mulheres argentinas.
María Laura Osta Vázquez

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cinema Cult: Download de filmes políticos


O blog Filmes Políticos disponibiliza para download uma série de filmes bem interessantes (recentes e antigos). Segue alguns exemplos:

Ao Sul da Fronteira (South of the Border/Al Sur de la Frontera; Oliver Stone; 2009)

Capitalism: A Love Story (Michael Moore; 2009)

Luiz Carlos Prestes; entrevistado no Roda Viva (1986)

Rio, 40 Graus (Nelson Pereira dos Santos; 1955)

O Petróleo Tem Que Ser Nosso - Última Fronteira (Peter Cordenonsi; 2009)

Salvador Allende (Patricio Guzmán; 2004)

Cinco Vezes Favela (Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman; 1962)

O discreto charme da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie; Luis Buñuel; 1972)

Chove sobre Santiago (Il pleut sur Santiago; Helvio Soto; 1976)

Guerra ao Terror (The Hurt Locker; Kathryn Bigelow; 2009)

Outubro (Sergei Eisenstein; 1928)

Pixote, a Lei do mais Fraco (Héctor Babenco; 1981)

Pro dia nascer feliz (João Jardim; 2006)

O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation; D. W. Griffith; 1915)

Barravento (Glauber Rocha; 1962)

Deus e o diabo na terra do Sol (Glauber Rocha; 1964)

Frost/Nixon (Ron Howard; 2008)

Memórias do Subdesenvolvimento (Memorias del Subdesarrollo;Tomás Gutiérrez Alea; 1968)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Senegal: quem paga suas dívidas empobrece


Os EUA e a Europa não seriam o que são hoje se não tivesse havido a escravidão e a colonização. Os países do Norte construíram em grande parte sua riqueza e sua potência sobre a base de uma política muito agressiva e violenta contra as populações do Sul e contra a natureza. Esta parte da história é suficiente, por si só, para afirmar que os povos africanos são credores de uma dívida histórica e ecológica gigantesca, das potências do Norte. No entanto, o “sistema da dívida” que passa a funcionar no início dos anos 60 inverterá o mecanismo: são os povos africanos que ficarão cada vez mais endividados. O artigo é de Adama Soumare e Olivier Bonfond.

Adama Soumare e Olivier Bonfond - Alainet

Salvo para os economistas e outros tecnocratas obnubilados pelas taxas de crescimento do PIB, a situação do povo senegalês em particular, e dos povos africanos em geral persevera dramática. Essa situação não se explica por um fanatismo qualquer ou por uma desorganização “natural’ dos povos desse continente, mas antes por uma longa tradição de pilhagem, de exploração e de opressão no quadro do sistema capitalista.

“Antes de ontem”, a dominação pela escravidão: pilhagem dos recursos humanos

Entre os séculos XV e XVIII, o Senegal constituiu para as potências europeias uma plataforma giratória do comércio triangular. Com Benin e seu porto de Ouidah, o Senegal pagou um alto tributo pelo comércio negreiro: da ilha de Gorée até Dakar, partiram mais de um milhão de escravos para o “novo” mundo.

“Ontem”, a dominação pela colonização: pilhagem dos recursos agrícolas e minerais.

No século XX, as riquezas naturais do país (fosfato e amendoim) são exploradas para o lucro da metrópole francesa. Quando das duas guerras mundiais, a França utilizou as colônias como reserva de homens para defender os seus interesses. Isso não impediu absolutamente o poder colonial de reprimir muito duramente os movimentos de emancipação que se desenvolveram no Senegal depois da Segunda Guerra Mundial. É preciso esperar até 1960 para que o Senegal se torne formalmente “independente”.

Essas duas partes da história não podem ser esquecidas sob o pretexto de que é preciso parar de lamentar o passado e avançar para o futuro. Por um lado, a África não seria o que é hoje não fosse o comércio negreiro. É sempre bom lembrar que antes dessa verdadeira pilhagem das forças vivas africanas, as três grandes civilizações existiram na África, com um bom nível de desenvolvimento social, político e cultural. Além disso, os Estados Unidos da América e a Europa não seriam tampouco o que são hoje se não tivesse havido a escravidão e a colonização. Os países do Norte, com efeito, construíram em grande parte sua riqueza e sua potência sobre a base de uma política muito agressiva e violenta, contra as populações do Sul e contra a natureza. Esta parte da história é suficiente, por si só, para afirmar que são os povos africanos os credores de uma dívida histórica e ecológica gigantesca, das potências do Norte. No entanto, o “sistema da dívida” que tomará lugar no início dos anos 60 inverterá o mecanismo: são esses povos [africanos] que vão se encontrar endividados...

De 1960 a 1980, a pseudo-independência: busca-se a dominação e a pilhagem


As forças sociais senegalesas, que tinham combatido corajosamente a colonização são exortadas em nome da construção nacional, para pôr as lutas entre parênteses e aceitar a colaboração necessária com o antigo poder colonizador. Como em muitos outros países africanos, fora a bandeira, um hino nacional e um presidente (frequentemente escolhido pelas antigas potências coloniais) para substituir um governante, as independências não conduzirão à mudança. Por um lado, a economia senegalesa continua a ser orientada para a exportação de alguns produtos primários (fosfato, amendoim e produtos da pesca). Por outro, as relações de submissão política são mantidas, via a consolidação da rede França-África.

Um antigo deputado francês e amigo íntimo de George Pompidou, o presidente Léopold Sédar Senghor permanecerá no poder durante duas décadas, em colaboração estreita com a ex-metrópole. Esses vínculos serão conservados pelo seu sucessor designado, Abdou Diouf, que presidirá o Senegal durante vinte anos consecutivos. Apresentado por alguns como um exemplo de democracia na África, o país não conheceu então qualquer alternância de poder durante suas quatro primeiras décadas de independência!

De 1980 aos dias atuais, o neocolonialismo: a dominação pela dívida

Nos anos de 1970, no contexto da crise econômica mundial, a dívida do Senegal explode. A reciclagem dos petrodólares pelos bancos do Norte, a compra massiva de produtos importados via empréstimos vinculados (servindo para dinamizar as economias do Norte, então em crise de superprodução) e a queda do fluxo de produtos primários vão multiplicar a dívida por dez, em dez anos: a dívida externa pública passa de 114 milhões de dólares, em 1970, para 1,1 bilhão, em 1980.


Desde 1979 uma série de medidas são impostas pelos “experts” do FMI e do Banco Mundial (congelamento de salários dos servidores públicos, supressão das subvenções aos produtos de primeira necessidade e aumento de impostos), mas, quando os preços do fosfato despencam e as taxas de juros internacionais dos bancos interditam o fornecimento de crédito, a crise da dívida se abate sobre o Senegal, propagando-se por todo o Sul do planeta.


Em 1984, asfixiado financeiramente, o Senegal, em troca de um reescalonamento de sua dívida, põe em curso seu primeiro plano de ajuste estrutural, cobrindo o período de 1985-1992. O programa: redução dos orçamentos de educação e de saúde, aumento das exportações e privatizações dos setores rentáveis. Um novo plano de ajuste estrutural é posto em curso em 1994, enquanto o país enfrenta uma forte desvalorização de 50% do franco CFA (o que implica forte diminuição de salários e uma alta de preços das importações) e conhece de novo revoltas e repressão. O desemprego e o endividamento aumentam de maneira incontrolável. Um terceiro plano de ajuste é assinado em 1998, desta vez com o objetivo de estender os programas de privatização a todos os setores (energia, telecomunicações, transporte, água, etc). Em 2000, o Senegal integra a iniciativa PPTE (Países Pobres Muito Endividados). Microscópicos perdões da dívida aparecem no horizonte, mas sob a única condição de que o país aprofundasse essas reformas neoliberais, tão dramáticas para as populações.

Balanço: persegue-se o sofrimento dos povos…

Em outros tempos principal produto de exportação e principal fonte de renda dos campesinos, o setor de amendoim está hoje prejudicado. O Estado quase não apoia mais os pequenos produtores; aqueles que continuam a produzir sem cessar no setor estão condenados a lutarem contra as indústrias de óleo [para biocombustíveis] e os setores intermediários que especulam com os preços de mercado.


Os agricultores em geral não estão numa situação melhor. As iniciativas governamentais recentes, a saber, o plano REVA (Retorno para a Agricultura – 2006) concebido para “fixar as populações” e conter a migração dita clandestina [1], e a GOANA (Grande Ofensiva para a agricultura, o alimento e a abundância), iniciada em resposta à crise alimentar de 2008, não deram qualquer resultado comprovado. Na realidade, esses programas agravam a situação da pequena agricultura, beneficiando os membros e pessoas próximas do regime presidencial, que se apropriaram de centenas de hectares de terras e transformaram os agricultores em operários agrícolas.


Os pecuaristas não foram beneficiados pelas tentativas de políticas e de programas liberais. A exemplo de milhares de pecuaristas da região de Dakar, eles foram expropriados de suas terras e realocados em zonas hostis, onde o entorno e o pasto foram destruídos por conta de projetos imobiliários com especulação forçada, sem falar do déficit de pessoal veterinário qualificado, dado o desengajamento do Estado no setor.


O setor educacional vai por terra. Os professores conhecem com muita regularidade os atrasos de pagamentos, de muitos meses, dos seus magros salários. Os pais, que dificilmente conseguem juntar dinheiro, cada vez menos conseguem enfrentar os altos custos da inscrição instaurada nas escolas públicas e na universidade. Os estudantes são vítimas de extorsões de fundos ou de chantagem, à medida que, num país com uma alta taxa de desemprego, chegando à casa dos 50%, aquelas e aqueles com diploma têm muito poucas chances de encontrar um emprego ligado à sua formação.


Enfim, todas as famílias se submetem duramente ao aumento constante dos preços dos produtos de base. Para ilustrar, o preço de um botijão de gás butano de 6kg, utilizado diariamente pela grande maioria das residências urbanas, praticamente dobrou num intervalo de 4 meses, passando de 2500 FCFA para 4000 FCFA. As faturas de água e de eletricidade, apesar dos cortes constantes, aumentam frequentemente.


Os credores lavam as mãos


O discurso dominante afirmava que se as medidas “propostas” pelo FMI e pelo Banco Mundial fossem aplicadas rigorosamente, as economias do Sul iriam se encaminhar para ver o nível de endividamento diminuir. O Senegal, apesar de muito bom aluno da lógica neoliberal, não conheceu esse caminho. Longe disso. Não somente a dívida externa pública não diminuiu como foi multiplicada por três, entre 1980 e 2009, passando de 1,11 para 2,96 bilhões de dólares.


Neste mesmo período, o Senegal reembolsou, no entanto, somas consideráveis: o montante transferido pelo Senegal a título de reembolso da dívida ao longo do período de 1980 a 2008 aumentou para 5,03 bilhões de dólares. Concretamente, isso quer dizer que o Senegal, depois de ter pagado cinco vezes o montante que devia em 1980, está hoje três vezes mais endividado. O sistema dívida jogou, portanto, um papel chave na manutenção da transferência de enormes riquezas africanas para os ricos credores do centro capitalista. E esse negócio altamente rentável para alguns, a não ser que haja uma revolução, está programado para durar muito tempo.

O FMI e o Banco Mundial aplaudem

Em 14 de dezembro de 2010, o FMI declarou: “Deve-se felicitar as autoridades senegalesas por terem realizado um programa econômico satisfatório, apoiado pelo instrumento de sustentação à política econômica (ISPE). O crescimento econômico reencontrou o caminho em 2010 e deverá ser fortalecido já em 2011. Progressos consideráveis foram registrados, em matéria de políticas públicas e as autoridades estão determinadas a perseguirem as reformas destinadas a superar os desafios importantes que subsistem”. Declarações desse tipo se multiplicam nas mídias. O crescimento da precariedade e da pobreza não pesam na mídia frente ao crescimento do PIB.

Recriar a esperança a partir dos povos


Uma coisa é certa: a solução não virá “de cima”. Os capitalistas africanos, os governantes e as instituições regionais a seu serviço fazem tudo para que essa situação perdure, com a benção do capital internacional cuja sede de lucro não tem limite. Essa sede se manifesta hoje de maneira cada vez mais agressiva, não somente na África, mas também no mundo. E também está contida nos países do Norte, que desde a crise que eclodiu em 2008 vivem a dura experiência do ajuste estrutural com, não duvidemos disso, as mesmas consequências que as sofridas pelos povos do Sul nos últimos trinta anos. Construir uma sociedade de igualdade e de justiça social que seja alternativa ao capitalismo neocolonial é perfeitamente possível. Mas isso só será possível com a unidade e as conquistas das lutas locais e internacionais. Esperamos que o próximo Fórum Social Mundial, que vai se realizar de 6 a 11 de fevereiro, em Dakar esteja à altura de todos esses desejos.

(*) Adama Soumare (CADTM – Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo Senegal) e Olivier Bonfond (CADTM Bélgica)

NOTAS
[1] Fonte: “Prisioneiros do Deserto: investigação sobre a situação dos migrantes”: http://www.cimade.org/publications/47

[2] As taxa de desemprego era de 49% em 2008, segundo a Agência Nacional de Estaística e Demografia do Senegal http://www.cadtm.org/Adama-Soumare?lettre=O

[4] Fonte: Banco Mundial, Global Development Finance.

Tradução: Katarina Peixoto

Patrice Lumumba, um herói africano

Por Carlos Lopes Pereira*



Faz agora meio século. Foi a 17 de Janeiro de 1961 que agentes do colonialismo belga e do imperialismo norte-americano, com a conivência de traidores congoleses, assassinaram de forma bárbara Patrice Lumumba, combatente da independência da sua terra e primeiro chefe do governo da República do Congo. Apesar de ter desaparecido há 50 anos, ainda muito jovem, a sua figura emerge hoje como a de um patriota íntegro e corajoso, de um lutador anticolonialista e anti-imperialista. Em África, na Ásia e na América Latina, diferentes gerações de revolucionários admiram-no, a par de Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Agostinho Neto ou Samora Machel, como um herói da libertação africana cujo legado se mantém actual e inspira novas lutas pela emancipação social dos povos do continente e de todo Mundo.

A biografia de Patrice Lumumba pode ser resumida em poucas linhas. Nasceu em 2 de Julho de 1925, filho de camponeses pobres, na aldeia de Onalua, na província do Kasai, na então colónia do Congo Belga (mais tarde República do Congo, depois Zaire e hoje República Democrática do Congo). Fez os estudos primários numa escola missionária católica - a única possibilidade para muitos jovens africanos da época - e, na juventude, trabalhou como funcionário dos correios e empregado de algumas companhias belgas.

A partir dos 23 anos participou activamente na vida política da sua terra, então uma possessão belga, desenvolvendo os seus ideais independentistas e sofrendo com isso a repressão dos colonialistas belgas - esteve várias vezes preso. Foi sindicalista, escreveu em jornais como o «Uhuru» («Liberdade») e «Independance» e, em 1958, fundou e tornou-se líder do maior partido nacionalista congolês, o Movimento Nacional Congolês (MNC) - o único constituído em bases não tribais.

Em 1958-1959 assistiu, em Accra, capital do recém-independente Gana, de Nkrumah, à primeira conferência pan-africana dos povos - onde foi eleito para o seu secretariado permanente -, e em Ibadan, na Nigéria, a um seminário internacional sobre cultura, onde fez um discurso defendendo a unidade africana e a independência nacional.

No começo de 1960, em Bruxelas, participou na conferência belga-congolesa em que foi acordada, entre os nacionalistas congoleses e a potência colonial, a independência do Congo, imposta pela longa resistência popular e pelas reivindicações das forças nacionalistas.

Nas eleições parlamentares de Maio de 1960, o MNC e partidos que o apoiavam conquistaram a maioria dos votos. A 30 de Junho o Congo tornou-se independente e Patrice Lumumba foi nomeado primeiro-ministro do governo da república. O seu discurso nesse dia permanecerá nos anais da diplomacia mundial como uma peça oratória magnífica, em que o jovem dirigente africano, na presença do rei Balduíno, da Bélgica, e de outros dignitários estrangeiros, denunciou abertamente os crimes hediondos do colonialismo belga sobre o povo congolês e traçou as perspectivas do futuro Congo, liberto das grilhetas da dominação estrangeira.

Em Setembro desse ano Lumumba foi demitido pelo presidente Kasavubu, apoiado pelos Estados Unidos e por militares golpistas comandados por um certo coronel Mobutu. Em Novembro é preso e, a 17 de Janeiro de 1961, depois de meses de detenção ilegal, é barbaramente torturado e assassinado. Não tinha ainda completado 36 anos e idade.

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Historiadores e jornalistas que investigaram as circunstâncias do assassinato de Patrice Lumumba convergem na descrição do que se passou nesse deplorável 17 de Janeiro de 1961.

De manhã, a polícia política mobutista foi buscar Lumumba à prisão de Thysville e meteu-o num avião, com mais dois companheiros, Mpolo e Okito, enviando-os para a capital do Katanga «independente». Durante a viagem para Elizabethville (depois Lubumbashi), os presos sofreram agressões selváticas e, chegados ao aeroporto, foram recebidos por militares secessionistas catangueses e mercenários belgas. Atirados para dentro de um jipe e levados para uma quinta próxima, foram fuzilados nessa noite por um pelotão comandado por um oficial belga. Os seus verdugos fizeram desaparecer os corpos de Lumumba e seus dois companheiros.

Mais tarde, uma comissão das Nações Unidas encarregada de investigar o assassinato do jovem líder congolês responsabilizou pelo crime a administração de Léopoldville chefiada pelo então presidente Kasavubu e onde pontificava já Mobutu; as autoridades do Katanga; responsáveis da empresa belga Union Minière du Haut Katanga; e um grupo de mercenários ao serviço de Tchombé, líder dos secessionistas catangueses.

É conhecido também que uma outra comissão, esta do Senado dos Estados Unidos, que em meados dos anos Setenta do século passado investigou as actividades dos serviços de «intelligence» norte-americanos, descobriu que a CIA organizou em Agosto de 1960 - o Congo era independente há apenas dois meses! - uma conspiração com o «objectivo urgente e prioritário» de assassinar o primeiro-ministro congolês. Para Allen Dulles, o então director dos serviços secretos norte-americanos, Patrice Lumumba era «um perigo grave» que os Estados Unidos tiveram que eliminar.

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O afastamento de Lumumba da chefia do governo, a sua prisão e o seu assassinato foram o resultado conjugado dos interesses do colonialismo belga - que, apesar da independência do Congo, continuou a pretender explorar a seu bel-prazer as riquezas do país - e da intervenção do imperialismo norte-americano, através da CIA - o jovem primeiro-ministro era considerado por Washington um «esquerdista», simpatizante da União Soviética -, coniventes com as Nações Unidas e com sectores da burguesia congolesa que não hesitaram em trair o seu povo e aliar-se à dominação estrangeira.

Um factor decisivo da tragédia congolesa foi a secessão do Katanga, província congolesa rica em minérios, que Moisés Tchombé proclamou independente do Congo, financiado pela companhia Union Minière e com apoio de soldados belgas e de mercenários. O presidente Kasavubu e o primeiro-ministro Lumumba apelaram à intervenção das Nações Unidas, que enviou uma pequena força para o país, sem conseguir evitar a guerra civil, que se prolongou até 1964. No ano seguinte, neste contexto de prolongada conflitualidade, Mobutu assumiu a liderança do país, rebaptizado como Zaire, e implantou uma ditadura sangrenta, reinando despoticamente até 1997, como um fantoche dos Estados Unidos e das potências ocidentais.

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Já preso pela soldadesca golpista e antes de ser entregue aos secessionistas catangueses e mercenários estrangeiros que o haviam de assassinar poucos dias depois, Lumumba escreveu uma carta de despedida a sua mulher Pauline, em que reafirma a sua confiança no futuro. São belas e comoventes, mas cheias de esperança, essas breves palavras, publicadas mais tarde pela revista «Jeune Afrique»:

«(…) Não estamos sós. A África, a Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do mundo estarão sempre ao lado dos milhões de congoleses que não abandonarão a luta senão no dia em que não houver mais colonizadores e seus mercenários no nosso país. Aos meus filhos, a quem talvez não verei mais, quero dizer-lhes que o futuro do Congo é belo e que o país espera deles, como eu espero de cada congolês, que cumpram o objectivo sagrado da reconstrução da nossa independência e da nossa soberania, porque sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.

Nem as brutalidades, nem as sevícias, nem as torturas me obrigaram alguma vez a pedir clemência, porque prefiro morrer de cabeça erguida, com fé inquebrantável e confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e no desprezo pelos princípios sagrados. A História dirá um dia a sua palavra; não a história que é ensinada nas Nações Unidas, em Washington, Paris ou Bruxelas, mas a que será ensinada nos países libertados do colonialismo e dos seus fantoches. A África escreverá a sua própria história e ela será, no Norte e no Sul do Sahara, uma história de glória e dignidade.

Não chores por mim, minha companheira, eu sei que o meu país, que sofre tanto, saberá defender a sua independência e a sua liberdade.

Viva o Congo! Viva a África!».

Para os revolucionários do século XXI em África e em todo o mundo, que hoje continuam a lutar em condições diferenciadas contra a dominação imperialista e a exploração capitalista, Patrice Lumumba continua bem presente com o seu exemplo de patriota e combatente pela liberdade. E são de uma enorme actualidade as ideias que defendeu generosamente e pelas quais deu a vida - a urgência da independência nacional e da genuína soberania para todos os países, a unidade africana, a luta intransigente contra o colonialismo e o neocolonialismo, o combate pela emancipação social dos povos.

 
* Jornalista, amigo e colaborador de odiario.info.

Este texto foi publicado no Avante nº 1.938 de 20 de Janeiro de 2011.

FONTE: http://www.odiario.info/?p=1944

sábado, 22 de janeiro de 2011

Especial: 120 anos de Antonio Gramsci


"Alguns me consideram um demônio, outros quase um santo. Não quero ser mártir nem herói. Acredito ser simplesmente um homem médio, que tem suas convicções profundas e não as troca por nada no mundo."

Carta de Antonio Gramsci, do cárcere, a seu irmão Carlo, em 12 desetembro de 1927.


22 de janeiro - 120 anos do nascimento do revolucionário italiano Antonio Gramsci




Clique no título para ler o texto na íntegra.

Qual o papel da coerção e do consentimento na dominação de classes nos Estados modernos? Marx, Lênin, Mao e Gramsci enfrentaram essa questão na busca dos caminhos da revolução.
Por Lincoln Secco
Publicado em 22.01.2011


O pensamento revolucionário deve apropriar-se criticamente do legado marxista de Antonio Gramsci e retomar as leituras reformistas “A política não pode deixar de ter primazia sobre a economia. Pensar o contrário é esquecer o abc do marxismo” (Lênin).
Por Lincoln Secco
Publicado em 22.01.2011

Gramsci utilizou a literatura como documento histórico. Mesmo no cárcere, isolado da luta política, contrubuiu com a teoria marxista, analisando a história a partir dos elementos que lhe eram possíveis Nenhum teórico marxista estabeleceu um diálogo mais fecundo da modernidade com a tradição ocidental antiga e medieval do que Antonio Gramsci.
Por Lincoln Secco
Publicado em 22.01.2011


Criou-se um hábito – um mau hábito – de se separar um autor das bases teóricas que lhes serviram de suporte; separá-lo de seus pressupostos teóricos e históricos imediatos. Esta separação levou alguns a conferirem os louros de pensamento original, no sentido de exclusividade, a autores cujo grande mérito foi justamente desenvolver teses elaboradas por outros, ainda que as enriquecendo. Nos trabalhos acadêmicos sobre Gramsci parece ser bastante comum este procedimento. Estudou-se, e escreveu-se, sobre o pensamento de Gramsci desvinculando-o de seus pressupostos teóricos e políticos imediatos, que foram o pensamento e a ação política de Lênin. E Gramsci foi, em minha opinião, acima de tudo um leninista.
Por Augusto C. Buonicore
Publicado em 21.01.2011


Ele concebe a ideologia como “uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, nas atividades econômicas e em todas as manifestações da vida intelectual e coletiva”. (1) Portanto, para Gramsci, a ideologia estaria presente em todas as atividades humanas, não se traduziria apenas no campo da produção de ideias.
Por Augusto C. Buonicore
Publicado em 21.01.2011


O autor, através deste artigo, pretende mostrar em grandes traços alguns momentos da vida e da elaboração teórica do dirigente comunista italiano Antônio Gramsci. Apesar de sua importância para o movimento comunista nas décadas de 1920 e 1930, sua vida e obra são ainda pouco conhecidas pelo conjunto da militância socialista no Brasil.
Por Augusto C. Buonicore
Publicado em 21.01.2011


Com o impacto da Revolução Russa de 1917 e a crise econômica e social do pós-guerra, o movimento operário italiano adquiriu uma dimensão até então nunca vista. Isso fez com que a burguesia, amedrontada, lhe concedesse alguns direitos sociais. Nesse mesmo período começou a se desenvolver um novo instrumento de organização e de luta dos trabalhadores: as comissões internas de fábrica.
Por Augusto César Buonicore
Publicado em 21.01.2011


Quando Antônio Gramsci, deputado ao Parlamento Italiano e portanto protegido pelas imunidades asseguradas na Constituição, acusado de crimes que não havia cometido, foi arrastado ao Tribunal Especial de Roma, em 1928, o procurador fascista não se deu ao trabalho de demonstrar que as acusações, lançadas contra ele, se baseavam cm fatos.
Por Palmiro Togliatti
Publicado em 20.01.2011


É inegável a influência do pensamento de Antonio Gramsci nas Ciências Sociais brasileiras1. Desde que Florestan Fernandes levou a cabo o complexo e sofisticado projeto intelectual de fusão do método funcionalista de Émile Durkheim com o método compreensivo de Max Weber e o método dialético de Karl Marx, este último havia recebido a legitimidade que lhe permitia integrar a matriz do pensamento social brasileiro. E mesmo aceito a contragosto por uma ciência em via de institucionalização, ele lá permaneceu como dos clássicos das Ciências Sociais, ou pelo menos dessa forma particular que as Ciências Sociais assumiram em nosso país. Mas Gramsci? O que ele está fazendo nessa matriz?
Por Álvaro Bianchi
Publicado em 20.01.2011


O ano de 1997, sexagésimo aniversário da morte de Gramsci, foi um ano de celebrações em todo o mundo, aberto pelo seminário ocorrido no mês de fevereiro em Havana, que pela primeira vez sediava um encontro internacional inteiramente dedicado ao pensamento gramsciano; e continuado em seguida com encontros internacionais de estudo na Itália – Cagliari, Nápoles e Turim – mas também no Japão, em Kyoto, e no Brasil, em Juiz de Fora e outras universidades; e ainda em muitos outros países e lugares.
Por Guido Liguori
Publicado em 20.01.2011


Giorgio Lunghini, em sua introdução à coletânea antológica dos Escritos de economia política de Gramsci, recentemente publicada por Bollati Boringhieri, quase sentiu a necessidade de “justificar” a atribuição de um título como este aos textos nela incluídos, que vão desde os escritos anteriores à prisão até algumas das notas dos Cadernos. “A teoria econômica de Gramsci – escreve – é a crítica marxiana da economia política (verdadeiro título de O capital)”.
Por Luigi Cavallaro
Publicado em 20.01.2011


À primeira vista pode parecer surpreendente que um pensador como Gramsci, inteiramente comprometido com a práxis marxista, tenha se dedicado ao tema do americanismo, território distante das análises clássicas desta vertente, e mesmo resistente à organização operária de tipo comunista. Num exame mais detido, entretanto, a surpresa se desfaz.
Por Felipe Maia Guimarães da Silva (1)
Publicado em 20.01.2011


O primeiro elemento teórico de destaque no pensamento de Togliatti (ainda em fase de maturação, no segundo lustro dos anos vinte) foi, sem sombra de dúvida, o uso, originado pela sua adesão juvenil ao historicismo, da categoria de “análise diferenciada”.
Por Marco Mondaini - 2003
Publicado em 20.01.2011


A visível e crescente expansão do direito, dos seus procedimentos e instituições sobre a política e a sociabilidade da vida contemporânea tem sido objeto de uma vasta produção que não mais se contém no seu campo específico de conhecimento, tornando-se matéria corrente da reflexão de vanguarda da teoria social e da filosofia política.
Por Luiz Werneck Vianna - Novembro 2005
Publicado em 20.01.2011

Coube-me, como tema de abertura deste seminário [Franca, 1997], falar sobre a atualidade de Gramsci. Irei me deter aqui em algumas das razões pelas quais, em minha opinião, Gramsci continua atual, talvez mais atual do que nunca. Digo "algumas" porque, decerto, são muitíssimas as razões que asseguram essa atualidade.
Por Carlos Nelson Coutinho - 1997
Publicado em 20.01.2011

 
O italiano Antonio Gramsci desenvolveu uma interpretação bastante original da filosofia de Marx. Para ele, a perspectiva do pensador alemão era a de um "historicismo absoluto". No essencial, o pensamento de Marx nos desafia - sempre! - a pensar historicamente. E esse desafio nos põe diante tanto de possibilidades magníficas como de dificuldades colossais.
Por Leandro Konder - 2002
Publicado em 20.01.2011


A história do livro e da leitura constitui um campo de estudo de muitas possibilidades analíticas. Numa zona intermediária que une a história social e a história econômica, ela tem inspirado estudos sobre livrarias, livreiros, editoras, bibliotecas [1]. É também um ramo fecundo para iluminar novas facetas da Revolução Francesa (por exemplo, os estudos de Robert Darnton), da história cultural (Roger Chartier), da História Antiga (Luciano Canfora e Guglielmo Cavallo). Desde o clássico de Daniel Mornet (As origens intelectuais da Revolução Francesa), foi possível ampliar muito o conhecimento das relações (nem sempre tão diretas) entre as luzes e a Revolução.
Por Lincoln Secco - Dezembro 2005
Publicado em 20.01.2011


Tradução: Luiz Sérgio Henriques
Por Valentino Gerratana - 1997
Publicado em 20.01.2011


Da edição brasileira dos Cadernos - 1999
Por Tradução: Carlos Nelson Coutinho
Publicado em 20.01.2011

FONTE: Fundação Maurício Grabois

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Só 11% do Parlamento Europeu aprovaram moção sobre Battisti


A velha mídia continua em sua campanha ridícula contra a soberania do Brasil

Celso Lungaretti, em seu blog

SÓ 11% DOS MEMBROS DO PARLAMENTO EUROPEU APÓIAM MOÇÃO ITALIANA

A Folha.com informa: "Os membros do Parlamento Europeu pediram nesta quinta-feira [19/01] que o Brasil reveja a decisão de não extraditar o ativista italiano Cesare Battisti".

A verdadeira notícia é a seguinte: dos 736 membros do Parlamento Europeu, apenas 86 -- 77 italianos e 9 de outros países -- se dignaram a comparecer para votar a estapafúrdia, inconsequente e meramente propagandística moção apresentada pelo Governo Berlusconi.

Uma recomendação dessas só seria pertinente e cabível se endereçada a uma nação-membro... e o Brasil não integra a Europa, embora ela seja o continente do coração de alguns maus brasileiros, que não se vexam de assumir a defesa incondicional de interesses estrangeiros contra uma decisão soberana do governo de seu país.

Então, a grande imprensa vai trombetear a decisão e o placar (83 votos a favor, um contra e duas abstenções), mas esconderá que não se trata de assunto da alçada do Parlamento Europeu e que a votação se deu numa sessão fantasma, com risível comparecimento de 11,7% e anuência de 11,3% dos, repito, 736 membros.

Não se mencionará a quanto montava o universo de delegados habilitados, nem se vai fazer referência nenhuma à participação ínfima e restrita quase que apenas aos diretamente empenhados no linchamento de Battisti.

Em 2009, Berlusconi exerceu idêntica pressão para arrancar do Parlamento Europeu qualquer coisa que parecesse um endosso à sua vendetta. Daquela vez, o quórum foi ainda menor: 7,6% do plenário.

Isto não impediu que utilizasse descaradamente esse rato parido pela montanha como trunfo goebbeliano; nem que a mídia fizesse seu jogo, omitindo uma informação que até o mais inexperiente dos focas se lembraria de colocar no seu texto.

FONTE: Luis Nassif Online

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Dois pesos duas medidas

Enquanto acolhe os pedófilos, em ato de "extrema misericórdia", a Igreja Católica condena todos aqueles que se colocam ao lado dos pobres, dos explorados e oprimidos.


"Não é a velha Europa que dá o exemplo, é a América Latina"

Hernando Calvo Ospina


São poucos os franceses que conhecem o nome da máxima autoridade da Igreja Católica no país, mas a imensa maioria sabe quem é o Monsenhor Jacques Gaillot. Homem extremamente humilde, de olhar sereno e voz pausada, que sem usar frases grandiloquentes diz o que gostaríamos de escutar de muitos políticos.

Nasceu em 11 de setembro de 1935 em Saint-Dizier, uma pequena cidade da França. Aos 20 anos, deixou o seminário para realizar o serviço militar. Foi para a Argélia, onde havia uma guerra de libertação contra o colonialismo francês. Conta que foi uma sorte não ter sido obrigado a usar armas, pois foi destacado para trabalhos sociais, a viver com a comunidade.

- O que significou para você ter vivido essa guerra?

Esta experiência começou a mudar a minha vida. Ali me encontrei com o Islã, uma religião muito diferente da católica e sobre a qual nada conhecia. Fiquei sabendo que os muçulmanos tinham fé em um Deus, que oravam e que eram hospitaleiros. Eles foram como meus irmãos. Esta interreligiosidade influiu em minha fé. Também vivi a violência da guerra, razão pela qual fui me convertendo em um militante da não violência. Realmente, a Argélia foi um seminário para mim.

- Após 22 meses na Argélia, você foi enviado a Roma e, em 1961, foi ordenado sacerdote. Até que, em 1982, foi nomeado bispo da cidade de Evreux, na França. Mas em 13 de janeiro de 1995, o Vaticano decidiu retirar-lhe essa missão pastoral. O que aconteceu?

Alguns dias antes dessa data fui chamado a comparecer diante das autoridades do Vaticano sem saber por quê. Ante minha incredulidade, em algumas horas fui declarado culpado e, em menos de um dia, foi decretada minha expulsão da diocese. O cardeal Bernardin Gantin, prefeito da Congregação dos Bispos, me propôs que eu assinasse minha demissão e assim poderia manter o título honorífico de bispo emérito de Evreux. Não assinei nada. Então me nomearam bispo de Partenia, uma diocese que não existe desde o século V, situada na atual Argélia.

Com minhas poucas roupas deixei a diocese de Evreux. Como não tinha onde ficar, me instalei durante um ano em um prédio recuperado por famílias sem teto e estrangeiros sem documentos, em Paris. Depois fui acolhido por uma comunidade de missionários.

- O que levou o Vaticano a tomar uma decisão tão drástica? Talvez suas posições políticas e compromissos sociais? Porque, vejamos: em 1983, foi um dos bispos que não votou a favor de um texto episcopal sobre a dissuasão nuclear. Em 1985, apoiou o levante palestino nos territórios ocupados por Israel, além de se encontrar com Yasser Arafat em Tunís. Em 1987, preferiu viajar até a África do Sul para visitar um preso, militante contra a segregação racial, ao invés de ir à peregrinação pela Virgem de Lourdes. Em 1988, defendeu na revista “Ele” a ordenação de homens casados. No mesmo ano se declarou a favor de dar a benção a homossexuais. No dia 2 de fevereiro de 1989, publicou na revista “Gai Pied” um artigo intitulado “Ser homossexual e católico”. Desde 1994, você se envolveu diretamente na fundação de associações de apoio a marginalizados, passando a ser conhecido como “O bispo dos sem”: sem documentos, sem teto...Não acredita que isso já seja o suficiente para conseguir inimigos entre os círculos de poder eclesiástico e civil?


Ainda que siga sem provas concretas até hoje, fontes confiáveis me disseram que o governo francês, em particular o ministro do Interior da época, Charles Pascua, tem a ver com a decisão do Vaticano. Não esqueçamos que, na França, este ministério está encarregado dos Cultos. Tenho certeza que um livro meu contra a lei de imigração foi a gota d’água que entornou o copo.

O Vaticano e o governo francês quiseram me isolar. Mas em 1996, no primeiro aniversário de minha partida de Evreux, alguns amigos criaram na internet a Associação Partenia (1), fazendo de mim um “bispo virtual”. Não imaginaram que eu iria acabar animando a única diocese em expansão, com mais fiéis no mundo e em diferentes idiomas.

Imediatamente agradeci ao Vaticano e a Pascua, porque eles me fizeram dar mais passos na direção da outra margem, onde encontrei outra vida. Agora tenho toda a liberdade, vivo na ação com os excluídos da sociedade. Posso viver com as pessoas, compartilhar suas alegrias e suas angústias. Tem sido maravilhoso conhecer todas as pessoas que conheci. Enquanto isso, Pascua está sendo processado por vários delitos e a Igreja a cada dia perde mais cristãos.

- Como, você avalia atualmente a Igreja Católica?

A Igreja nos ensinou que Deus quis trazer-nos as desgraças e assim nos leva à resignação. Isso não é cristão. A Igreja procura fazer Deus intervir para nos forçar a obedecer e a não pensar. Muitos discursos sobre Deus falam dele, mas quando alguém fala bem do ser humano, isso me diz muito de Deus. A Instituição segue impávida em seu pedestal, longe do povo e de Deus. A seguir assim, se converterá em uma seita, porque muitas pessoas estão partindo para outras religiões. A Igreja vive uma hemorragia.

A Igreja deve mudar, modernizar-se, reconhecer que os casais têm direito a se divorciar e a usar a camisinha, que as mulheres podem abortar, que homens e mulheres podem ser homossexuais e se casar, que as mulheres podem chegar ao sacerdócio e ter acesso às esferas de decisão. Deve-se revisar a disciplina do celibato para que os sacerdotes possam amar como qualquer outro ser humano, sem ter que viver relações clandestinas, como delinquentes.

A situação atual é perversa e destruidora tanto para os indivíduos como para a Igreja. O Vaticano é a última monarquia absoluta da Europa. A Igreja deve aceitar a democracia em todos os níveis. E deve mudar de modelo porque o atual não é evangélico.

- O que você pensa da Teologia da Libertação, que teve um desenvolvimento importante na América Latina?


Eu me interessei por ela porque é uma teologia que fala dos pobres. Não se fala da liturgia, nem do catecismo, nem da Igreja; fala-se do povo pobre. Ensina que são os próprios pobres que devem tomar consciência da necessidade de sua libertação.

Alguns de nós fomos muito tocados pelos ensinamentos de Dom Helder Câmara, no Brasil, um grande teólogo (2); do Monsenhor Leónidas Proaño, no Equador (3); de Oscar Romero, em El Salvador, e outros sacerdotes latino-americanos, principalmente. Para mim foi um choque brutal quando Romero foi assassinado celebrando a missa, em 24 de março de 1980. Ele havia deixado a Igreja dos poderosos para estar com os pobres. Achei admirável essa conversão.

Na América Latina, existiram alguns padres e freiras que pegaram em armas (4). Eu respeito sua decisão, não os julgo, ainda que não esteja de acordo com ela por ser um adepto da não-violência.

Evidentemente, a Teologia da Libertação é perigosa para os poderosos. Quando os pobres são submissos aceitam seu triste destino, então não há nada que temer, são pão abençoado para os poderosos. Os detentores do poder podem dormir tranquilos. Mas se os pobres despertam e adquirem consciência de sua condição, convertendo-se em atores da mudança, então isso produz medo no poder.

Parece que é terrível quando os pobres tomam a palavra e questionam a instituição eclesiástica. No mesmo instante, ela diz: “Atenção, cuidado com esses comunistas”. Porque sempre prevaleceu a obsessão da infiltração comunista. Por isso, regularmente, as ditaduras, os governos repressivos e o Vaticano se unem em um combate comum. Infelizmente não existem muitos rebeldes na Igreja, porque a instituição sempre formou para a obediência e para a submissão.

- Como você vê a situação social e econômica na França hoje?

Eu julgo uma sociedade em função do que ela faz pelos mais desfavorecidos. E é claro que eu só posso fazer um juízo severo, porque na França não se respeita a todos os seres humanos. Para mim o problema número um é a injustiça que reina por toda parte. Os que estão no poder não investem nos pobres. Temos um governo que só favorece os ricos. Por isso temos três milhões de pobres.

Muitos de nossos cidadãos acreditam que os trabalhadores ilegais se aproveitam do sistema, sem saber que eles recebem o formulário de impostos em suas casas. Ou seja, eles são conhecidos pelo governo, mas como não estão com os papéis em dia não podem se beneficiar de nenhuma ajuda social. Isso é uma extorsão por parte do Estado!

E a Igreja o que faz? Tomemos como exemplo o que ocorreu em 23 de agosto de 1996, quando quase mil policiais das forças especiais forçaram a ponta de machado as portas da Igreja Saint-Bernard-de-la-Chapelle em Paris, tirando a força 300 estrangeiros em situação irregular. Eu estava escandalizado e desgostoso porque o próprio bispo havia pedido sua expulsão. E quando alguém expulsa humanos que se protegem em uma igreja, está dessacralizando essa igreja. Desgraçadamente, isso continua acontecendo.

E o que se faz com os estrangeiros ilegais? São jogados em centros de detenção, e recebem um tratamento próprio de campos de concentração. Isso é o que ocorre hoje na França. Nas prisões, ocorre um suicídio a cada três dias. É um número enorme. O único horizonte para muitos desses presos é o suicídio, Nunca se viu algo igual. Na Europa, a França tem o recorde de suicídios por enforcamento na prisão.

- E o discurso sobre a crise econômica, onde se situa?

Nesta crise, não são os ricos que estão em crise, são os mais pobres. Protestamos o ano passado contra as leis propostas pelo governo porque elas penalizavam os pobres. Hoje, muitos franceses só vão ao médico, ao dentista, ao oftalmologista quando é algo verdadeiramente de urgência. E às vezes já é tarde. Os direitos sociais estão sendo eliminados. E a crise atinge as famílias. Se alguém comprou uma casa, perde o trabalho e não arruma outro, deve revendê-la. Isso traz muitos problemas de droga e delinquência.

A moradia social não é uma prioridade política, porque aqueles que estão no poder possuem boas mansões. Constrói-se pouco e as pessoas não sabem aonde ir, restando-lhes as ruas ou algum sótão insalubre. E isso não importa, ainda que existam muitos edifícios vazios em Paris. Quando chega o inverno, o governo fala de “planos”. Então, abrem-se ginásios ou algumas salas para abrigar os milhares que não tem onde morar. Mas esses “planos” não são solução para o frio. A solução é construir habitações dignas. É uma vergonha, é desumano e não é cristão deixar que centenas de pessoas morram de frio nas calçadas e ruas da França.

Como disse o escritor Victor Hugo: “Fazemos caridade quando não conseguimos impor a justiça”. Porque não é de caridade que necessitamos. A justiça vai às causas; a caridade, aos efeitos. Eu não estou dizendo que não se deve ajudar com um prato de sopa ou um abrigo a quem está nas ruas. Existem urgências. Eu faço isso, mas minha consciência não fica tranquila, porque penso que devemos lutar contra as causas estruturais que prendem essas pessoas na injustiça. O mais triste é que as pessoas vão se acostumando com a injustiça. E eu digo: Despertem! Tenham vergonha! Vamos nos indignar contra a injustiça!

Hoje, a injustiça está presente por toda a França. Existem oásis de riqueza, de luxo exorbitante, e extensos guetos de miséria. Na França, há uma violação flagrante dos Direitos Humanos. Por isso devemos combater, para que os direitos das pessoas sejam respeitados.

No ano passado, ocorreram manifestações massivas de protesto contra diferentes projetos do governo, que se fez de surdo para o barulho das ruas.

Eu acredito que, quando não se respeita o povo que se expressa nas ruas, não se tem em conta o futuro. Na França, ficou um sentimento de raiva. Isso não pode seguir assim. Não se pode seguir metendo a polícia por todas as partes para conter a inconformidade do povo. Isso está nos levando na direção de um regime policial. A injustiça não traz paz. É exatamente o contrário. Existe fogo sob uma panela que querem manter fechada. Ela pode explodir.

 
- As suas lutas pela justiça não se dão só na França. Sua palavra e ação se manifestam em outros lugares também. Poderia dar alguns exemplos?

Seguimos lutando pelos direitos do povo palestino. Israel é um Estado colonialista que rouba terra palestina e exclui esse povo pela força. Há mais de 60 anos que a Palestina vive sob a ocupação israelense e a injustiça. E a chamada “comunidade internacional” faz bem pouco ou nada. Por isso estamos nos mobilizando em todas as partes para exercer uma pressão sobre o governo israelense. E uma das ações é boicotar os produtos vindos de Israel, principalmente aqueles que são produzidos nos territórios ocupados. Cerca de 50 produtos agrícolas são produzidos na Palestina para benefício israelense. Enquanto os palestinos viverem na injustiça, não haverá paz.

Cuba. Este é um país que tem futuro. Eu pude constatar que é um povo digno, corajoso e solidário. Em Cuba pode haver pobreza, mas não existe a miséria que se vê em qualquer país da América Latina, ou na França, ou nos Estados Unidos. Apesar do bloqueio imposto pelos EUA, todos têm saúde e educação gratuita, e ninguém dorme nas ruas. É incrível!

Eu faço parte do Comitê Internacional pela Libertação dos Cinco Cubanos presos nos EUA. Eles lutaram contra as ações terroristas que estavam sendo preparadas em Miami. Resolvi participar do Comitê porque me dei conta da injustiça cometida contra eles e que não pode ser tolerada.

- Qual a sua avaliação sobre a maneira pela qual a imprensa francesa trata os processos sociais e políticos alternativos que se desenrolam na América Latina? Por que essa imprensa tem a tendência a ridicularizar presidentes como Evo Morales e Hugo Chávez?

Esse comportamento da imprensa deve-se ao fato de que, regularmente, a França apóia a quem não deveria apoiar. É uma questão de interesses. Estes presidentes não fazem o que os ricos querem, assim a França se coloca ao lado dos ricos. É como faz na África também.

Agora, a participação das mulheres latino-americanas na política é sensacional. Uma mulher na presidência do Brasil é algo extraordinário! Na França, não fomos capazes nem de ter uma primeira ministra: somos tão machos! Ah, sim, uma vez tivemos a senhora Edith Cresson, mas ela não pode ficar por muito tempo já que tentaram massacrá-la em função de sua condição de mulher. Somos machos e vulgares como não se pode imaginar! Hoje, não é a velha Europa que dá o exemplo, é a América Latina. Devemos olhar para lá.

- Duas últimas perguntas: o que outros altos membros da Igreja Católica pensam do senhor? E, como cidadão e ser humano, vê alguma alternativa para a situação social da França?

Em geral, minhas relações com os outros bispos são cordiais, ainda que alguns prefiram me ignorar. Não me enviam nenhum documento da Conferência Episcopal, não me convidam para a assembleia anual em Lourdes. Tampouco dizem o porquê, e eu também não perguntei, embora outros sacerdotes tenham perguntado, sem receberem uma resposta até hoje. Às vezes, isso não é confortável, mas o que me conforta é que estou em paz com minha consciência, por dizer o que penso, por denunciar a injustiça.

Quanto à segunda pergunta, tenho confiança e esperança nos homens e mulheres. Vamos seguir avançando. Existem movimentos cidadãos que estão criando um tecido associativo alternativo. Vejo muitas lutas que nascem e se desenvolvem pouco a pouco. É formidável! Cada um deve encontrar o caminho onde outros lutam. A unidade: é isso que pode ajudar a salvar a democracia e os direitos das pessoas. Eu tenho esperança.

Notas:
1) http://www.partenia.com/
2) Foi arcebispo de Olinda e Recife. Morreu em 27 de agosto de 1999.
3) Chamado de « Bispo dos Índios », e também de « O bispo vermelho». Exercia seu trabalho pastoral na cidade de Riobamba. Morreu em 31 de agosto de 1988.
4) Vários sacerdotes e freiras somaram-se às guerrilhas. O precursor foi Camilo Torres, na Colômbia, que morreu em combate em 15 de fevereiro de 1966. Na Nicarágua, durante a guerra contra a ditadura de Somoza, muitos seguiram seu exemplo, sendo Ernesto Cardenal o mais famoso.


(*) Hernando Calvo Ospina, jornalista colombiano residente na Europa, autor de vários livros, entre os quais: Salsa, Don Pablo Escobar, Perú: los senderos posibles y Bacardí: la guerra oculta
Tradução: Katarina Peixoto

FONTE: Agência Carta Maior

Estados Unidos avançam para a guerra da informação na Internet

Por Miriam Elizalde*

A lenta mas firme decadência do império norte-americano não lhe diminui a perigosidade nem lhe retira o espírito belicista e de intervenção por todos os meios em qualquer parte do mundo.


Veja este texto em PDF:
http://www.odiario.info/b2-img/COMANDO_SUL.pdf

Negócio Rentável

O mito do agronegócio empresarial

Da Comissão Pastoral da Terra

A Comissão Pastoral da Terra-Regional Mato Grosso do Sul (CPT/MS), em mais uma análise que resgata o estudo da doutora Rosemeire Aparecida de Almeida, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), apresenta a análise comparativa das transformações na agropecuária entre a região Leste do MS e Norte Central Paranaense.

A pesquisa teve como referência os censos agropecuários do IBGE de 1995/96 e 2006. A primeira parte da matéria resgatou que, comparativamente, os pequenos estabelecimentos tiveram mais eficiência produtiva que as grandes unidades de produção. Nesta parte fica demonstrada que, comparando os dados de posse e uso da terra entre as duas regiões, a concentração fundiária na região Leste bloqueia a geração de trabalho, renda e riqueza.

A segunda metodologia da pesquisa, que é a comparação das amostras regionais, evidencia uma estrutura fundiária menos concentrada no Paraná e, portanto, a divisão mais equânime da terra. Por outro lado, estes dados confrontados com os dados da produção (área colhida, volume da produção e valor da produção), explicitam a relação destes modelos de estrutura fundiária com o uso da terra. Um dos apontamentos fundamentais é que a desconcentração fundiária e, portanto, a pequena unidade tem papel preponderante na pujante produção agropecuária da região do Norte Central paranaense.

Posse e propriedade da terra

Na região Leste os dados do IBGE revelam que os estabelecimentos de até menos de 50 ha (6.023) ocupam 1,55% da área total, por outro lado na região do Norte Central o número de estabelecimentos de até menos 50 ha (45.724) ocupa 21,81% da área total. Já os estabelecimentos acima de 1000 ha representam 14,24% na região Leste do MS, detendo 73,45% da área. No Norte Central do PR são 0,25% ocupando 13,5% da área.

Uso da terra

A pesquisa destaca que apesar do rebanho bovino da região Leste de Mato Grosso ser mais de quatro vezes superior em relação à região Norte Central paranaense, a quantidade produzida de leite é superior nesta última, situação a indicar a finalidade distinta da produção pecuária. Sendo que, esta distinção se materializa em classes de área e uma simetria permanece, qual seja: nas duas regiões é a pequena unidade quem responde pela maior produção de leite. Na região Leste, 42,68% do leite produzido provém dos estabelecimentos de menos de 100 ha e 76,93%, na região Norte Central.

Geração de emprego

Nos dados acerca do pessoal ocupado, a realidade diverge no tocante ao desempenho dos extratos abaixo de 50 ha, situação que guarda estreita relação com o modelo da estrutura fundiária de cada região estudada. Assim, na região Leste, que tem uma estrutura fundiária extremamente concentrada, os estabelecimentos com menos de 50 ha, que detém apenas 1,55% da área, vão ocupar 31,29% do pessoal, enquanto que os estabelecimentos acima de 1000 hectares, que possuem 73,45% da área, vão ocupar 33,02% da mão de obra. Já a região do Norte Central, que se encontra mais fragmentada, as classes de área de menos de 50 hectares ocupam 70,44% da mão de obra e as classes com mais de 1000 hectares tão somente 3,65%. Realidade que reforça a premissa de que a terra fracionada é sinônimo de geração de emprego.

Em relação aos valores da produção, verifica-se que na região Leste as classes de área de menos de 50 hectares foram responsáveis por 5,89% do valor total produzido e a classe de área com mais de 1000 hectares por 71,98%.

Valor da produção e financiamento

Cruzando estes dados com o valor dos financiamentos obtidos observa-se que a eficiência da pequena unidade é maior, pois a classe de área de mais de 1000 hectares obteve financiamento de mais de 1 bilhão de reais e gerou um valor de produção total de 524 milhões; a pequena unidade de produção de menos de 50 ha acessou 2,4 milhões (0,21% do valor total dos financiamentos obtidos) e gerou um valor de produção total de 42,9 milhões.

Ou seja, a classe de área de menos de 50 hectares multiplicou por quase 20 o valor do financiamento e a grande dividiu por dois o valor do financiamento. Portanto, a grande unidade de produção produziu metade do valor que tomou de recursos públicos. Na região Norte Central a classe de menos de 50 ha multiplicou por 10 o valor do financiamento, enquanto que a classe acima de 1000 não chegou a multiplicar por cinco o valor do financiamento.

Quando comparamos os valores totais da produção agropecuária entre as duas regiões a diferença fica ainda mais gritante. O valor da produção do Norte Central é de R$ 2.905.481.000,00 e da região Leste de apenas R$ 728.201.000,00. Já os valores de financiamentos são da seguinte ordem: R$ 445.201.000,00 no Norte Central e de R$ 1.154.191.000,00 na região Leste. Considerando que a área total da região Leste é mais que três vezes superior à região do Norte Central, podemos afirmar que a concentração fundiária da região Leste bloqueia a geração de trabalho, renda e riqueza.

FONTE: http://www.mst.org.br/node/11171

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Plano de Metas da Educação do Rio de Janeiro: do economicismo ao cinismo


Gaudêncio Frigotto, Vânia da Motta, Zacarias Gama e Eveline Algebaile[1]

Em entrevista ao Globo News, o Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Risolia, na sexta-feira, dia 07.01.2011, anunciou as cinco frentes de trabalho para a educação pública ao longo dos próximos quatro anos. Em extensa matéria, sob o título Choque na Educação, o jornal O Globo (08.10.2011, p. 14) detalha estas medidas. Confessamos que ficamos estarrecidos pelo caráter economicista e tecnocrático, e pela superficialidade das medidas propostas.

As cinco frentes de trabalho apresentadas teriam como objetivo atacar as questões pedagógicas, o remanejamento de gastos, a rede física, o diagnóstico de problemas e os cuidados com os alunos. As medidas mais destacadas, porém, foram a implantação de um regime meritocrático para a seleção de gestores; a realização de avaliações periódicas; o estabelecimento de metas de desempenho para balizar a concessão diferenciada de gratificações aos docentes; e a revisão das licenças dos 8 mil professores em tratamento de saúde. Ou seja, medidas que reforçam a ideia de que, no fim das contas, os profissionais da educação são os responsáveis pelos problemas educacionais, resumidos, por sua vez, aos baixos índices obtidos pela rede estadual no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Um exemplo da lógica de suspeição aí implicada é a contratação de uma empresa privada para passar um pente fino nas licenças médicas, sinalizando um duplo pré-julgamento: aos profissionais de saúde que concederam a licença e aos próprios professores que buscaram atendimento. Por certo, há implícita uma meta de quantos destes não podem passar no pente fino e deverão, agora saudáveis e motivados, voltar às salas de aula.

Trata-se, portanto, de uma proposta que não vai ao fundamental e pega o pior atalho: premiar quem chega às metas, metas imediatistas, de lógica produtivista, que não incorporam medidas efetivas voltadas para uma educação pública de qualidade. A lógica subjacente à proposta, que já está sendo chamada de choque de gestão de administração, apenas trabalha com dois conceitos fundamentais: forçar o professorado a produzir um IDEB elevado, sem efetivamente melhorar as suas condições de trabalho, e baratear o custo da educação adotando, de imediato, a meta conservadora de economizar R$ 111 milhões dos gastos. Uma lógica tecnocrata que reconhece somente cálculos de custos e de benefícios, que vê as pessoas apenas como dados, destituídos de vontade e voz, indo de encontro às próprias bases ideológicas liberais e neoliberais que ainda consideravam o homem dotado de livre iniciativa, mesmo em sua forma de indivíduo, homo economicus.

O espantoso é que a Secretaria de Estado do Rio, com essa proposta, caminha visceralmente na contramão dos encaminhamentos concluídos nas reuniões da Conferência Nacional de Educação de 2010, do que foi acordado no novo Plano Nacional de Educação e do que vem sendo discutido no Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública, há poucos dias instalado por dezenas de entidades ligadas à educação, à cultura, aos movimentos sociais e às instituições de ensino e científicas do estado do Rio de Janeiro. Mais que isso, em total dissonância com a indicação que a Presidente da República, Dilma Rousseff, fez em seu discurso de posse, para enfrentar o problema da educação: reconhecer o professor como a autoridade pedagógica de fato e de direito.


Mas só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido compromisso com a educação das crianças e jovens. (Dilma Rousseff, Discurso de posse, 01.01.2011).


Os debates e proposições aí implicados vêm afirmando insistentemente que não se fará educação de qualidade sem restituir às instituições plenas condições de funcionamento, tornando-as atrativas e adequadas ao bom aprendizado dos alunos; sem garantir, aos profissionais da educação, as condições de trabalho que favoreçam o efetivo exercício da autoria pedagógica e da atuação coletiva na construção do processo educativo escolar; sem dar sustentação a cada escola para que ela se torne o lugar de uma experiência participativa efetivamente capaz de ampliar seus sentidos como instituição pública.

Ignorando os acúmulos desse debate, a Secretaria aposta exatamente no seu contrário, impulsionando a estandardização da rede estadual, por meio da subordinação de sua organização e gestão pedagógica a critérios mercantis, e da sujeição de suas instituições e profissionais a relações de disputa e concorrência.

A estandardização da educação, dura e seriamente questionada hoje por vários setores da sociedade, camufla-se, comumente, por meio do discurso do mérito, do desempenho, da competência e da eficiência, omitindo a grave responsabilidade das próprias elites e do Estado, no Brasil, na longa história de produção reiterada de uma escola precária para a grande maioria da população. Caracteriza-se principalmente, no entanto, pelo estabelecimento de mecanismos padronizados capazes de operar o posicionamento diferenciado dos profissionais e das instituições, reiterando a produção desigual da escola por meio da sua suposta “modernização”.

A instituição de premiações, a contratação de empresas gestoras de processos, o estabelecimento de mecanismos de avaliação orientados para a produção de rankings, a instauração de regimes de trabalho que associam a concessão de gratificações diferenciadas à atuação de profissionais e instituições em processos concorrenciais semelhantes a gincanas são exemplos dos mecanismos que operam essa crescente diferenciação. Seus resultados são já bem conhecidos: a intensificação do estabelecimento de regimes e estatutos profissionais diferenciados; a desagregação do professorado em decorrência da instauração de relações concorrenciais entre professores e entre escolas; o não reconhecimento do professor como profissional capaz de dispor sobre o próprio trabalho; a subordinação da gestão educacional e da ação escolar a agentes externos não coadunados com os fins e a função pública da educação; a consolidação de padrões desiguais de formação escolar.

Sem situar o professorado no coração do processo de resgate da qualidade da educação fluminense, melhorando significativamente o seu salário, carreira docente e condições objetivas de trabalho, não há perspectiva real de alterar de fato o atual quadro da educação básica, como sublinhou, também, o ex-Ministro de Assuntos Estratégico, Samuel Pinheiro Guimarães, no Seminário organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ – Qual desenvolvimento e Educação e para que Sociedade? – e do qual o atual Secretário de Educação do Estado participou na abertura.

Recentemente, os Senadores Pedro Simon e Cristovam Buarque apresentaram Projeto de Lei pelo qual se estenderia o mesmo reajuste salarial aprovado para os Senadores, de 61,78%, para os professores da educação básica das escolas públicas. Os Senadores tomaram como referência a menor base do piso (não reconhecida pelas entidades que representam os professores, que era de R$ 1.024,00). Esse percentual de aumento representa, de fato, uma novidade, se considerarmos que os reajustes dos profissionais do campo das políticas públicas raramente se aproximaram das nababescas auto-concessões do legislativo e do judiciário. Deve-se, porém, observar que, aplicando aquele reajuste, o piso seria de R$ 1.656,62, 16,13 vezes menor que o salário pago aos parlamentares a cada mês: R$ 26.723,13; o equivalente a 3 salários mínimos. Cabe lembrar aqui que os professores não tem o acréscimo de verba de representação para a compra de roupa, livros, correio, transporte, vale alimentação, etc. E, com certeza, o nível de escolaridade médio dos deputados e senadores não é diferente, talvez menor do que dos professores.

Perguntas de quem não quer calar-se perante o cinismo: Por que não colocar o mesmo piso de 1.656,62 aos ministros, governadores, deputados, senadores, prefeitos, vereadores, judiciário, professores universitários, juízes, desembargadores, delegados, generais, etc. e estabelecer uma espécie de IDEB de cada função, com metas quantitativas, oferecendo ao final de cada ano mais três destes salários-base por produtividade? Quem se candidataria a tão nobres funções por essa mixaria e com tal pressão e controle? Por que não, também, estipular este valor como margem máxima de lucro para os banqueiros e empresários? Já imaginaram? Pois, senhores, estão oferecendo esta mixaria aos que cuidam da educação básica da maioria do povo brasileiro (a escola pública no segmento da educação básica – do ensino fundamental ao médio – atende mais de 80%dos estudantes), menos, certamente, dos filhos das profissões ou atividades, entre outras, listadas acima.

Os milhares de professores que atuam na educação pública brasileira podem ser tudo, menos idiotas. O que se está propondo no Estado do Rio de Janeiro e em muitos outros estados e municípios (entre os quais do Rio de Janeiro que se antecipou ao estado) resulta de opções tecnocratas, apoiadas na ideia de que a educação não é um direito social e subjetivo, mas um serviço, uma mercadoria e, por isso, como a define o Secretário, um “negócio falido” como qualquer outro. Nesse quadro, os docentes são tidos como meros entregadores dos pacotes de conteúdos previamente preparados por economistas, administradores, empresários... que se assumem como “autoridades em educação”.

Professores, pais, responsáveis, jovens e estudantes, unamo-nos às dezenas de entidades que instalaram em dezembro de 2010 o Fórum Estadual em Defesa da Educação Pública no estado do Rio de Janeiro, no dia 23 de fevereiro próximo, na UERJ, para dizer alto e em bom som: não queremos ser idiotizados. Não reconhecemos essas medidas como legítimas, porque ignoram a história de luta da sociedade brasileira de quase um século pelo direito efetivo à educação pública de qualidade.
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[1] . Professores do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vânia da Motta é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

FONTE: Folha Dirigida

Galeria virtual com as obras de Guayasamín

"Cabeza de niña india"
No site da Ocean Sur uma seleção de obras de Oswaldo Guayasamín (1919-1999), reproduzidas no livro América, mi hermano, mi sangre (Ocean Sur, 2006). Dereitos © 2010 Fundación Guayasamín y Ocean Sur.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Por uma política de Estado para a Educação

Entrevista com Dermeval Saviani

FOLHA DIRIGIDA — Com relação à política educacional implantada no Brasil na última década, quais os principais avanços que podem ser observados?

Dermeval Saviani - Se considerarmos como última década o período que vai de 2001 até 2010, vale dizer, a primeira década do século XXI, constatamos que ela se inicia com a aprovação do Plano Nacional de Educação, em 9 de janeiro de 2001, e se encerra com o encaminhamento pelo MEC dos projetos do novo PNE e da lei de responsabilidade educacional ao Congresso Nacional em dezembro de 2010. Quanto ao PNE em vigor, embora o projeto do MEC elaborado em 1997 não admitisse ultrapassar o índice de 6% do PIB como referência do montante de investimentos em educação a ser atingido pelo país; e embora tenha ficado aquém dos 10% referidos no projeto da sociedade brasileira elaborado, também em 1997, pelas entidades reunidas no Congresso Nacional de Educação (Coned), o índice aprovado de 7% não deixou de representar um avanço em relação à proposta do governo FHC. No entanto, tendo sido esse dispositivo vetado pelo Presidente da República, o avanço acabou sendo anulado. Nesse aspecto a atual proposta de PNE avança e não avança. Avança porque se propõe a restabelecer o índice de 7% então aprovado pelo Congresso Nacional.
E não avança porque se detém no mesmo patamar estabelecido dez anos antes. Ao longo dessa década eu destacaria como avanços na educação básica a instituição do Fundeb em substituição ao Fundef em dezembro de 2006 e o lançamento do PDE em abril de 2007. Com o Fundeb, ao estender o âmbito do Fundo de Financiamento constituído com recursos orçamentários de estados e municípios vinculados à educação pela Constituição de 1988 a todos os níveis e modalidades da educação básica, deu-se importante passo para equacionar de forma mais satisfatória a questão do financiamento da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio em todo o território nacional. O PDE, por sua vez, sinalizou para um mais efetivo envolvimento da União na responsabilidade pelo desenvolvimento da Educação Básica. A singularidade do PDE se manifesta naquilo que ele traz de novo, isto é, a preocupação em atacar o problema qualitativo da educação básica brasileira, o que se revela em três programas lançados no dia 24 de abril de 2007: o "Índice de Desenvolvimento da Educação Básica" (Ideb), o "Provinha Brasil" e o "Piso do Magistério". No âmbito da Educação Superior um avanço importante foi a retomada da responsabilidade da União no que se refere ao reequipamento e à expansão das instituições federais de ensino superior, setor que havia ficado estagnado no governo FHC.
Ainda com relação à política educacional, em que pontos o Brasil não conseguiu avançar de forma satisfatória?

Inegavelmente, o ponto em que o Brasil não conseguiu avançar diz respeito à qualidade da educação em todos os níveis. Também não conseguiu avançar no atendimento quantitativo às necessidades educacionais da faixa etária correspondente ao ensino médio. Penso que há dois pontos de estrangulamento que impedem o desenvolvimento efetivo da educação brasileira. O primeiro se refere ao financiamento. Sem aumentar significativamente e de forma imediata o montante de recursos destinados à educação, os problemas de quantidade e, principalmente, de qualidade da educação brasileira não poderão se resolver. O outro ponto de estrangulamento diz respeito à questão dos profissionais da educação tanto no aspecto das condições de exercício que envolve a definição da carreira do magistério e os níveis salariais, como no aspecto da formação docente. Sem que se tomem medidas capazes de atrair os jovens mais dedicados e talentosos para a carreira docente, os problemas de qualidade da nossa educação permanecerão insolúveis.
O Brasil conseguiu manter altas taxas de acesso ao ensino fundamental (o índice está perto de 98%), mas não consegue avançar em termos de qualidade. O que falta para que nossos alunos consigam, realmente, aprender nas escolas?

Como disse anteriormente, acredito que, com professores bem formados atuando em condições dignas de trabalho e de salário, nós conseguiríamos equacionar os outros aspectos que dificultam a aprendizagem dos alunos como teorias pedagógicas que valorizam o conhecimento espontâneo e cotidiano em detrimento do conhecimento científico e sistematizado, decorrendo, daí, currículos inadequados assim como métodos e procedimentos didático-pedagógicos equivocados.
O que deveria ser prioritário, no campo da Educação, para a presidente eleita Dilma Rousseff?

Dois pontos deveriam ser prioritários na política educacional do governo federal que agora se inicia. O primeiro configura uma condição preliminar indispensável, embora não suficiente. Trata-se da questão do financiamento da educação. Seria necessário aumentar significativamente e de forma imediata os recursos destinados à educação. Ampliar significativamente implica em elevar em pelo menos três pontos o percentual do PIB investido em educação. De forma imediata, significa que se deve evitar a prática usual de diluir a meta de elevação dos gastos ao longo do tempo, geralmente definido em dez anos. Nesse aspecto cabe constatar que, infelizmente, não estamos começando bem. Isso porque a proposta do PNE enviada pelo MEC ao Congresso Nacional prevê atingir, ao longo dos dez anos da vigência do Plano, o índice de 7% do PIB. Ora, essa meta fora fixada no atual PNE aprovado em 2001 para ser atingida em 2010. Vetada pelo então presidente FHC ela agora retorna, porém postergada para 2020. O segundo ponto diz respeito aos profissionais da educação, com ênfase na questão do magistério. Para dar efetividade ao enunciado de que os professores serão as verdadeiras autoridades da educação, conforme a afirmação da presidenta Dilma em seu discurso de posse, é necessário instituir a carreira dos profissionais da educação aumentando significativamente o valor do piso salarial dos professores e estabelecendo a jornada de tempo integral em uma única escola. Paralelamente será preciso criar uma rede pública consistente de formação de professores ancorada nas universidades públicas.
Isso é indispensável para corrigir uma grande distorção do processo de formação docente no Brasil que se constitui num verdadeiro ponto de estrangulamento de todo o sistema educacional. A referida distorção é a seguinte: a grande maioria dos docentes que atuam nas redes públicas de educação básica do país é formada em instituições particulares de ensino superior de duvidosa qualidade. Com isso a educação básica pública fica refém do ensino privado mercantilizado, sem possibilidade de resolver seus problemas de qualidade, o que aprofunda a situação iníqua de um cruzamento perverso entre as redes públicas e privadas, nos seguintes termos: os membros das camadas populares têm acesso a um ensino público básico de qualidade insatisfatória, o que faz com que, se quiserem ter acesso ao Ensino Superior, terão de pagar por um ensino privado igualmente de qualidade insatisfatória. Em contrapartida, os membros das elites têm acesso a um ensino privado básico de boa qualidade, o que lhes permite ocupar as reduzidas vagas das universidades públicas igualmente de boa qualidade. É preciso, pois, criar uma rede publica de formação docente em regime de colaboração entre a União e os estados para assegurar o preparo adequado dos professores que irão atuar nas escolas públicas de Educação Básica. Ao mesmo tempo será necessário instituir mecanismos destinados a atrair os jovens mais talentosos e dedicados para a carreira do magistério. Não vejo outro caminho para se resolver o problema da qualidade do ensino em nossas escolas de educação básica.
Na sua avaliação, qual o papel do Estado na condução da política educacional?

Política educacional, como se depreende da própria terminologia, é tarefa específica do Estado entendido em sua acepção ampla de Poder Público. Por isso é que se utiliza, também, a expressão políticas públicas para se referir às ações do Estado, o que é, na verdade, um pleonasmo porque o termo "política" já se refere à esfera pública. Assim, embora hoje em dia, no contexto da chamada concepção neoliberal que advoga o Estado mínimo haja uma tendência do Estado de abdicar de sua função propriamente pública transferindo à iniciativa privada boa parte de suas responsabilidades, entendo que essa é uma orientação que deve ser combatida. Em lugar disso cabe defender, de modo especial no caso da educação, a centralidade do Estado na elaboração e efetivação das políticas sociais.
Vários educadores defendem a federalização da Educação Básica, uma vez que estados e, principalmente, os municípios, não teriam condições de arcar com o investimento necessário para uma educação de qualidade. O senhor é favorável a esta centralização?

Compartilho da avaliação de que os estados e notadamente os municípios não têm condições de assegurar um padrão comum de qualidade aceitável para o país como um todo. Contudo, o que tenho defendido não é propriamente a federalização da Educação Básica, mas a implantação de um verdadeiro Sistema Nacional de Educação organizado, mantido e administrado em regime de colaboração pela União, estados e municípios. Nessa construção a responsabilidade e competências dos entes federativos deverão ser distribuídas levando em conta as capacidades de cada um reveladas pela experiência e confirmadas pelo ordenamento jurídico.
Uma alternativa que várias secretarias estaduais e municipais de educação colocam em prática é a realização de parcerias com o setor privado, principalmente com o uso de sistemas de ensino pré-moldados. Como o senhor vê este tipo de associação?

Vejo com absoluta preocupação esse tipo de iniciativa. Na verdade ela configura uma verdadeira inversão do papel do Poder Público. É o Estado que deve definir a concepção, as diretrizes, os parâmetros e a organização dos conteúdos curriculares a serem trabalhados em todas as escolas tanto públicas como privadas. Além do mais, como esses "sistemas" se originaram dos pacotes de apostilas confeccionados para uso dos cursinhos pré-vestibular, algo amplamente criticado pelos educadores em várias oportunidades, essa iniciativa acaba por converter aquilo que já foi percebido como uma verdadeira excrescência do ensino em nosso país, em filosofia de ensino seguida não apenas pelas escolas particulares, mas pelas próprias redes públicas. Cabe procurar entender por que isso está acontecendo. Seria algo decorrente da crença nas virtudes da iniciativa privada? Ou seria decorrente de certo comodismo ou de uma espécie de neotecnicismo que vê nos pacotes adrede preparados uma maneira fácil de se resolver o problema da organização curricular e da prática de ensino nas escolas? Ou, já que vários governos dispensam os livros didáticos selecionados pelo MEC e enviados gratuitamente, para investir recursos de seus orçamentos nesses pacotes privados, emerge uma indagação que não quer calar: seria essa iniciativa motivada por malversação de recursos públicos em favor de grupos privados com eventual partilha entre os participantes dos referidos governos?
Vários governos municipais, pelo país, têm adotado a criação de bonificações como estratégia de valorização de seus professores. O que o senhor acha deste tipo de política? Que vantagens ou problemas ela traz?

Entendo que a criação de bonificações é uma pseudo-solução. A verdadeira solução se encontra na efetiva valorização dos profissionais da educação na forma como explicitei anteriormente. Fora disso as bonificações apenas concorrerão para acirrar a competição e enfraquecer o espírito de equipe e de colaboração entre os docentes e entre as escolas.
No plano federal, há mais de dois anos, o governo federal criou um piso nacional para professores da Educação Básica, cujo valor, hoje, gira em torno de R$1.024.. Isto é suficiente para valorizar o magistério? Como o senhor vê a posição de alguns governos que se recusam a pagar este valor?

Decididamente, esse valor não pode ser considerado suficiente. E é lamentável haver ainda governos estaduais contestando juridicamente o estabelecimento desse piso.
Na maior parte dos indicadores educacionais, fica evidente a distância, em termos de acesso à educação de qualidade, entre brancos e negros no país. Por que há tanta desigualdade e o que é fundamental para reduzi-la?

A desigualdade no Brasil é antes uma questão sócio-econômica do que educacional. Portanto, a efetiva solução desse problema deve partir da correção da injusta distribuição de renda que vigora no país. Claro que a educação pode contribuir para esse processo evitando reproduzir mecanicamente em seu interior as desigualdades que se produzem na estrutura social. Mas seria uma ilusão própria das pedagogias não-críticas acreditar que a educação, por si só, tem força para corrigir as desigualdades sociais. Por isso é fundamental articular as iniciativas no campo da educação com a mobilização vigorosa pela superação das desigualdades nos campos político, social, econômico e cultural.

Fonte: Folha Dirigida/Apeoesp