terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Peão de Fábrica

Operário, de Cândido Portinari

PEÃO
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Eu sou peão
Peão de fábrica
De mão calejada
E de sapatão

Eu sou peão
Peão da máquina
Que suja de graxa
A produção

Eu sou peão
Peão que rala
Por horas diárias
Batendo cartão
Mas antes de nada
Eu sou peão

Peão da fábrica
Que a peãozada
Fez ocupação

Eu sou peão
Peão que fala
E que acha graça
Do fim do patrão

Eu sou peão
Peão que marca
O fim da desgraça
Da exploração

Eu sou peão
E antes de nada
Sou filho das massas
Da revolução

De bem intencionados, o inferno está cheio!!!


domingo, 26 de dezembro de 2010

Coleção História Geral da África

Em 1964, a UNESCO dava início a uma tarefa sem precedentes: contar a história da África a partir da perspectiva dos próprios africanos. Mostrar ao mundo, por exemplo, que diversas técnicas e tecnologias hoje utilizadas são originárias do continente, bem como provar que a região era constituída por sociedades organizadas, e não por tribos, como se costuma pensar.

Quase 30 anos depois, 350 cientistas coordenados por um comitê formado por 39 especialistas, dois terços deles africanos, completaram o desafio de reconstruir a historiografia africana livre de estereótipos e do olhar estrangeiro. Estavam completas as quase dez mil páginas dos oito volumes da Coleção História Geral da África, editada em inglês, francês e árabe entres as décadas de 1980 e 1990.

Além de apresentar uma visão de dentro do continente, a obra cumpre a função de mostrar à sociedade que a história africana não se resume ao tráfico de escravos e à pobreza. Para disseminar entre a população brasileira esse novo olhar sobre o continente, a UNESCO no Brasil, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), viabilizaram a edição completa em português da Coleção, considerada até hoje a principal obra de referência sobre o assunto.

O objetivo da iniciativa é preencher uma lacuna na formação brasileira a respeito do legado do continente para a própria identidade nacional.

Preocupados com o verde

O capitalismo é um sistema injusto e irreformável, que coloca a humanidade à beira de sua própria destruição.
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sábado, 25 de dezembro de 2010

Painéis "Guerra' e "Paz", de Cândido Portinari, voltam ao Teatro Municipal do Rio

Os painéis “Guerra” e “Paz”, de Candido Portinari, estão sendo exibidos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro entre os dias 22 e 30 de dezembro, com entrada franca. Após a exposição, as obras seguirão para o Palácio Gustavo Capanema, também no Rio de Janeiro, onde serão submetidas a um processo de restauração.

Durante a visitação, o público terá a oportunidade de assistir a um filme sobre o artista e o processo de construção dos painéis, além de uma projeção com a seleção de 180 estudos preparatórios que o artista realizou durante a realização da obra. Em seguida, poderá ver, no palco do Teatro Municipal, os murais originais que medem, aproximadamente, 14 metros de altura por 10 metros de largura e pesam 2,8 toneladas.

Dias 22, 23, 27, 28, 29 e 30
Horários para visitação 10h, 12h, 14h, 16h, 18h, 20h
EXPOSIÇÃO
PAINÉIS GUERRA E PAZ, DE CÂNDIDO PORTINARI
Os painéis GUERRA E PAZ, de Cândido Portinari, que desde 1957 encontram-se na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, de volta ao Brasil para restauro, serão expostos no palco do Theatro Municipal onde foram inaugurados, em 24 de fevereiro de 1956, com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Entrada Franca mediante retirada de senha na bilheteria do Theatro.
As senhas serão distribuídas 30 minutos antes do início de cada sessão.

O MST deseja boas festas e um feliz ano novo!


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ho!Ho!Ho!


Os telegramas do Wikileaks, a mídia e o MST

Por Igor Fuser - Jornalista e professor*
Especial para a Página do MST

Os jornais brasileiros divulgaram na semana passada referências ao MST feitas em telegramas sigilosos enviados nos últimos anos por diplomatas estadunidenses no Brasil aos seus superiores em Washington e revelados pela rede Wikileaks. Algumas reflexões podem ser feitas a partir da leitura desse material.

1. A imprensa empresarial brasileira manteve nesse episódio sua habitual postura de hostilidade sistemática ao MST, apresentado sempre por um viés negativo, e sem direito a apresentar o seu ponto de vista.

Para os jornais das grandes famílias que controlam a informação no país, como os Marinho e os Frias, o acesso a vazamentos da correspondência diplomática representou a chance de lançar um novo ataque à imagem do MST, sob o disfarce da objetividade jornalística. Afinal, para todos os efeitos, não seriam eles, os jornalistas, os responsáveis pelo conteúdo veiculado, e sim os autores dos telegramas.

Desrespeitou-se assim, mais uma vez, um princípio elementar da ética jornalística, que obriga os veículos de comunicação a conceder espaço a todas as partes envolvidas sempre que estão em jogo acusações ou temas controvertidos. Uma postura jornalística honesta, voltada para a busca da verdade, exigiria que O Globo, a Folha e o Estadão mobilizassem seus repórteres para investigar as acusações que diplomatas dos EUA no Brasil transmitiram aos seus superiores.

Em certos casos, nem seria necessário deslocar um repórter até o local dos fatos. Nem mesmo dar um telefonema ou sequer pesquisar os arquivos. Qualquer jornalista minimamente informado sobre os conflitos agrários está careca de saber que os assentados no Pontal do Paranapanema mencionados em um dos telegramas não possuem qualquer vínculo com o MST.

Ou seja, os jornais que escreveram sobre o assunto estão perfeitamente informados de que o grupo ao qual um diplomata estadunidense atribui o aluguel de lotes de assentamento para o agronegócio não é o MST. O diplomata está enganado ou agiu de má fé. E os jornais foram desonestos ao omitirem essa informação essencial.

Esse é apenas um exemplo, revelador da postura antiética da imprensa em todo o episódio. Se os vazamentos do Wikileaks mencionassem algum grande empresário brasileiro, ele seria, evidentemente, consultado pela imprensa, antes da publicação, e sua versão ganharia grande destaque. Já com o MST os jornais deixam de lado qualquer consideração ética.

2. A cobertura da mídia ignora o que os telegramas revelam de mais relevante: a preocupação das autoridades estadunidenses com os movimentos sociais no Brasil (e, por extensão, na América Latina como um todo). Os diplomatas gringos se comportam, no Brasil do século 21, do mesmo modo que os agentes coloniais do finado Império Britânico, sempre alertas perante o menor sinal de rebeldia dos “nativos” nos territórios sob o seu domínio.

Nas referidas mensagens, os funcionários se mostram muitos incomodados com a força dos movimentos sociais, e tratam de avaliar seus avanços e recuos, ainda que, muitas vezes, de forma equivocada. O “abril vermelho”, em especial, provoca uma reação de medo entre os agentes de Washington. Talvez por causa da cor... A pergunta é: por que tanta preocupação do império estadunidense com questões que, supostamente, deveriam interessar apenas aos brasileiros?

3. O fato é que o imperialismo estadunidense é, sim, uma parte envolvida nos conflitos agrários no Brasil. Essa constatação emerge, irrefutável, no telegrama que trata da ocupação de uma fazenda registrada em nome de proprietários estadunidenses em Unaí, Minas Gerais, em 2005. Pouco importa o tamanho da propriedade (70 mil hectares, segundo o embaixador, ou 44 mil, segundo o Incra).

O fundamental é que está em curso uma ocupação silenciosa do território rural brasileiro por empresas estrangeiras. Milhões de hectares de terra fértil – segundo alguns cálculos, 3% do território nacional – já estão em mãos de estrangeiros. O empenho do embaixador John Danilovich no caso de Unaí sinaliza a importância desse tema.

4. Em todas as referências a atores sociais brasileiros, os telegramas deixam muito claro o alinhamento dos EUA com os interesses mais conservadores – os grandes fazendeiros, os grandes empresários dos municípios onde se instalam assentamentos, os juízes mais predispostos a assinarem as ordens de reintegração de posse.

5. Por fim, o material veiculado pelo Wikileaks fornece pistas sobre o alcance da atuação da embaixada e dos órgãos consulares dos EUA como órgãos de coleta de informações políticas. Evidentemente, essas informações fazem parte do dia-a-dia da atividade diplomática em qualquer lugar no mundo. Mas a história do século 20 mostra que, quando se trata dos EUA, a diplomacia muitas vezes funciona apenas como uma fachada para a espionagem e a interferência em assuntos internos de outros países.

Aqui mesmo, no Brasil, fomos vítimas dessa postura com o envolvimento de agentes dos EUA (inclusive diplomatas) nos preparativos do golpe militar de 1964. À luz desses antecedentes, notícias como a de que o consulado estadunidense em São Paulo enviou um “assessor econômico” ao interior paulista para investigar a situação dos assentamentos de sem-terra constituem motivos de preocupação. Será essa a conduta correta de um diplomata estrangeiro em um país soberano?

*Igor Fuser é professor da Faculdade Cásper Líbero, doutorando em Ciência Política na USP e membro do conselho editorial do Brasil de Fato.

FONTE: http://www.mst.org.br/Os-telegramas-do-Wikileaks-a-midia-e-o-MST-igor-fuser

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"Venezuela entra em fase de radicalização", diz vice-presidente


Claudia Jardim
De Caracas para a BBC Brasil

A aprovação da lei habilitante que concede plenos poderes ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para governar por decreto até meados de 2012, representa uma "nova etapa" que determina a "radicalização" da revolução bolivariana, de acordo com vice-presidente da Venezuela, Elias Jaua.


Em entrevista à BBC Brasil, Jaua - que é visto como o representante do núcleo de esquerda do chavismo - defende os "super-poderes" concedidos à Chávez como um instrumento para corrigir as falhas do governo, há 11 anos no poder.
O sociólogo passou a ser o único vice-presidente que Chávez permitiu exercer maior protagonismo na cena política venezuelana e se converteu em um de seus homens de confiança.
O ex-ministro de Agricultura e de Economia Popular advertiu que a radicalização da revolução prevê uma aceleração na expropriação de terras e no combate aos monopólios no país. " Os recursos estratégicos devem ser controlados pelo Estado".

Leia a entrevista na íntegra:


BBC Brasil - A oposição afirma que a lei habilitante, recém aprovada, anula a atividade legislativa da próxima Assembleia e representa um desrespeito ao voto popular. Como o senhor responde à essas críticas?
Jaua
- A atual Assembleia Nacional, também eleita pelo povo, decidiu conceder a lei habilitante ao presidente da República devido a situação de emergência que estamos enfrentando. Mais de 40% do país foi afetado e a oposição tenta minimizar este fato e capitalizar a situação a seu favor. É a oposição quem deve aprender a respeitar a Constituição. Os deputados que estarão na Assembleia até a meia-noite do dia 4 de janeiro têm o direito legal de conceder a habilitante ao presidente e o presidente tem o direito de solicitá-la. Isso está previsto na Constituição.


BBC Brasil - Chávez ganhou poderes para legislar também na economia. A lei fala do combate aos monopólios e latifúndios. Haverá novas nacionalizações?
Jaua
- Sim. Há uma política contínua de desenvolvimento que inclui as nacionalizações e o governo está na obrigação de cumprir com isso. Não temos nenhuma intenção de estatizar toda a economia, como nos acusa a oposição. Defendemos um modelo econômico misto, no qual os recursos estratégicos, como petróleo, telecomunicações, siderúrgica, eletricidade, alimentação, água, bancos, devem ter o controle do Estado. O restante deve estar sob controle privado. Não queremos e não podemos assumir o controle de toda a economia.


BBC Brasil - A revolução bolivariana entra em uma nova etapa, de radicalização?
Jaua
- Sem dúvida. A resposta que obtivemos das urnas nas eleições legislativas é de que é preciso radicalizar o processo, corrigir os erros, melhorar a gestão. As chuvas se encarregaram de colocar em evidência que tínhamos que acelerar o passo na construção de moradias (o déficit é de 2 milhões de casas). Por isso a urgência de elaborar leis que permitam isso.


BBC Brasil- Em que consiste essa radicalização?
Jaua
- Significa aplicar a Constituição. Ir à raiz da democracia. Radicalizar significa restituir o poder ao povo, tanto no plano econômico como no social. Significa colocar na prática o poder popular, que deve exigir do Estado maior eficiência para combater as causas da desigualdade social.


BBC Brasil- A oposição afirma que Chávez pretende centralizar o poder por meio das comunas socialistas, cuja legislação foi recém aprovada, e reduzir o papel dos governos e prefeituras. Isso vai acontecer?
Jaua
- Não é o objetivo eliminar prefeituras e governos, isso não está colocado. Está prevista na Constituição a ideia de a população exercer o autogoverno. Para restituir os direitos à saúde e educação não há que fazer uma revolução socialista. Isso a democracia burguesa pode fazer. Agora, uma revolução socialista é a autêntica democracia e nela os meios de produção têm de ser coletivizados, assim como o exercício da política não pode ser controlado por uma só pessoa, deve ser de todos.


BBC Brasil- As comunas serão financiadas diretamente pelo Executivo. Não há risco de se transformarem em corrente de transmissão do governo?
Jaua
- Sempre será o Executivo quem transferirá os recursos. O autogoverno não se trata do desmantelamento do Estado nacional. Mas a legislação agora prevê que a transferência de recursos aos conselhos comunais já não depende da vontade do governo e sim de um mandado da Constituição. A autonomia dependerá da conscientização das comunidades.


BBC Brasil- O presidente governará por decreto até cinco meses antes das eleições presidenciais. Há preocupação quanto à reeleição de Chávez?
Jaua
- Mais do que a preocupação com a reeleição, há um problema ético. Temos 133 mil pessoas desabrigadas em consequência das chuvas, além dos outros problemas já existentes antes da emergência. O governo tem que ser submetido aos três erres que o presidente Chávez fala. Retificação, revisão e reimpulso ao quadrado. Em um governo neoliberal, no qual impera a lógica do Estado mínimo, seria impossível solucionar esses problemas.


BBC Brasil - Chávez fala da construção de um projeto hegemônico, porém, mais de 5 milhões de pessoas não votaram a favor do chavismo nas eleições legislativas. A polarização não impede a construção dessa hegemonia?
Jaua
- A polarização é um instrumento de avanço da democracia. Qual é a armadilha da burguesia? Fazer ver que o sistema democrático tem que ser consensual. Para nós, as ditaduras é que são consensuais. As democracias são o espaço para a divergência, para a batalha das ideias. Isso é o que fazemos todos os dias. A polarização e a confrontação são necessárias para alcançar a real unidade. Unidade não é que governo e elite façam parte do mesmo pacto e não digamos coisas duras um para o outro.

BBC Brasil - Então nessa lógica é positivo para o governo que a oposição tenha voltado à Assembléia Nacional?
Jaua
- É o que tem que ser. Há uma parte da população que se opõe ao projeto da revolução bolivariana e deve ter uma representação na Assembleia Nacional. É bom que a tenha. É bom que usem esse espaço para o debate e que defendam ali seus projetos de privatização do país. Nós já tivemos a esses parlamentares ali e não precisamente apresentaram um debate de ideias. Queimaram as leis. Chegaram a levar porcos em uma sessão na Assembleia. Tomara que venham de verdade defender o projeto neoliberal que eles acreditam e nós responderemos, a partir de uma visão socialista, o projeto de país que queremos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

“Na ENFF o conhecimento liberta consciências” - Revista Sem Terra - dez 2010


por Beatriz Pasqualino e Maíra Kubík Mano

Entre os pilares do MST sempre estiveram a educação e a formação política. Por isso, a construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), que completou cinco anos em 2010, foi comemorada como uma conquista histórica da classe trabalhadora. A história da ENFF começou nos idos de 1996, quando surgiu no MST a necessidade de se ter um espaço de formação da militância, de troca de experiências e de debate sobre a necessidade de transformação social. Localizada em Guararema (SP), a escola tem o objetivo de ser um espaço de formação superior plural nas mais diversas áreas do conhecimento não só para os militantes do MST, como também de outros movimentos sociais rurais e urbanos, do Brasil e de outros países da América Latina. Por ela, já passaram já mais de 16 mil educandos, cerca de 500 professores voluntários e quase 2 mil visitantes de todo o mundo. Para contar um pouco dessa história da ENFF, a Revista Sem Terra conversou com Adelar João Pizetta, integrante da coordenação pedagógica da escola e dirigente do MST. Confira a seguir.

Revista Sem Terra: Quais são as principais conquistas da ENFF?

Adelar Pizetta: O funcionamento da Escola – de forma ininterrupta e com a quantidade de educandos que tiveram possibilidade de estudar e professores que nela passaram – se transforma numa importante conquista dada a situação econômica e política que estamos vivendo. Não é fácil, nessas condições de refluxo dos movimentos e das lutas sociais, de crise econômica mundial que atinge a todos, de crise ideológica que afetou e afeta boa parte dos partidos e movimentos de esquerda, manter uma Escola com essa envergadura. Dessa maneira, as conquistas não são méritos da ENFF em si, mas do conjunto da classe trabalhadora, de amigos, apoiadores, militantes que participam desse importante processo de educação da classe, em especial dos camponeses. A conquista dos movimentos sociais é tornar a Escola em uma ferramenta transformadora para além dela.

Além disso, a ENFF tem a tarefa de contribuir com a reflexão, com a qualificação da práxis de dirigentes e militantes de diversos movimentos sociais do Brasil e de outros países, com o intuito de manter viva a chama da transformação social. Ou seja, não podemos continuar com essa lógica de desenvolvimento capitalista que está destruindo o planeta, as pessoas, a natureza. Por meio do estudo e das lutas, vamos entendendo que continua válida a ideia e a necessidade de transformar a sociedade e construir uma nova civilização. Por isso, outra conquista é a de ser um espaço onde se alimentam sonhos, se aspira liberdade e vincula teoria com a prática numa perspectiva emancipatória, com base nos valores socialistas e nas premissas políticas de uma sociedade de fato, democrática, fraterna e igual, como sustentava Florestan Fernandes.

RST: Ela vem cumprindo o papel para que foi pensada? Em que medida?

AP: De uma maneira geral, sim, ela cumpre um papel importante no processo de formação de lideranças e dirigentes de diversos movimentos sociais do Brasil e da América Latina. É por meio dela que muitos trabalhadores, camponeses conseguem ter acesso a elementos que os permitem entender como, historicamente, vem funcionando a sociedade e que medidas devem ser adotadas, de acordo com cada contexto, para superar as amarras que nos prendem e consolidar um processo, de fato, transformador. Já aprendemos na história que sem conhecimento sobre a realidade, a história, a economia, a organização, os processos de libertação e as perspectivas de futuro, é difícil construir novas alternativas. Assim também Florestan nos ensina que, em um país como o Brasil, se a gente não conseguir criar um senso crítico generalizado das possibilidades de mudança (e, para tanto, o estudo – com intencionalidade política – é fundamental), os trabalhadores não serão capazes de construir instrumentos organizativos, de coletividade e de lutas capazes de implementar essas mudanças na sociedade.

Então, na medida em que os trabalhadores economicamente pobres na perspectiva do capital vêm para a Escola, passam a ver o mundo de uma forma diferente e se colocam diante dele como sujeitos capazes de transformar essa realidade de opressão e injustiça no qual estão vivendo.

Desde o seu início da conformação dos trabalhos da Escola, tínhamos claro que essa estrutura física não seria uma propriedade do MST, mas, sim, estaria a serviço da classe trabalhadora.

RST: Como a ENFF ajuda a luta pela Reforma Agrária e pelas outras bandeiras de movimentos sociais?

AP: A Escola é um espaço aberto para a reflexão, para o estudo, para a elaboração de novas ideias. É um espaço onde se busca compreender com mais profundidade as contradições da nossa sociedade, dos processos em curso na América Latina. Hoje, como tem sido na história de maneira geral, organizar a força transformadora da sociedade e construir a unidade na diversidade são grandes desafios. A Escola busca ser esse espaço de construção da unidade na interpretação da realidade e fortalecer as iniciativas, as bandeiras de lutas comuns por sua transformação social. Por exemplo, nesse novo contexto da luta de classes, em que continuamos no processo de acúmulo de forças, tendo em vista a luta pela Reforma Agrária, a articulação com outros setores da sociedade, com a Via Campesina, com os movimentos urbanos é fundamental. Compreendemos que sozinhos (os Sem Terra) não teremos força suficiente para enfrentar o agronegócio, as transnacionais, o capital como um todo. Essa leitura e esse sentimento se concretizam nas iniciativas de formação que se desenvolvem na Escola Nacional. Assim, a luta pela Reforma Agrária ganha outro sentido e requer a participação dos trabalhadores urbanos, dos intelectuais progressistas, da juventude que almeja outras perspectivas que não a marginalidade e o desemprego. Por isso, continuamos defendendo que a Reforma Agrária deve ser uma luta de todos.

RST: Qual a diferença, na prática, da ENFF com relação a uma escola/universidade tradicional?

AP: Procuramos na Escola, trabalhar com sujeitos, não com indivíduos. Aqui, todos e todas possuem nome, não números. Possuem aptidões, que devem se transformar em compromissos coletivos, na construção do ambiente educativo da vida cotidiana. Esses sujeitos assumem tarefas de manutenção da escola, limpeza, lavação de louças, trabalho na produção, enfim, uma série de ações com as quais os estudantes das universidades não precisam se preocupar. Aqui, o funcionamento da Escola exige a contribuição dos educandos, pois não existem funcionários para deixar tudo limpo e organizado. Logo, a coletividade é responsável pela sua existência, manutenção e continuidade. Portanto, o trabalho é uma dimensão pedagógica, educativa fundamental na ENFF.

Outro diferencial está relacionado à forma organizativa dos educandos. Todos participam dos Núcleos de Base, com divisão de tarefas e responsabilidades internamente, como forma de garantir o cumprimento das atividades práticas, de estudo, cultura. Enfim, essa organicidade é fundamental e também passa a ser uma dimensão pedagógica da ENFF.

Na sua grande maioria, os estudantes que comparecem aos cursos na Escola (camponeses e filhos de trabalhadores pobres) vêm com intencionalidades e integram a parcela da classe que entende a real necessidade de qualificação na efetivação de uma práxis emancipadora. Portanto, as questões disciplinares, de dedicação ao estudo, à pesquisa e a própria elaboração se desenvolvem de forma consciente, sem necessidade de mecanismos como provas, lista de presença, professores autoritários etc.

RST: E no projeto político-pedagógico?

AP: Ainda do ponto de vista metodológico do plano político-pedagógico, a ENFF se diferencia em vários aspectos de uma escola convencional. Primeiro porque todos os cursos são intensivos, isto é, os educandos vivem por um determinado período na Escola. Isso faz com que a convivência seja mais intensa, as relações sociais mais presentes e, ao serem desenvolvidas ao longo do dia, evidenciam uma distribuição politicamente planejada entre tempo de estudo, tempo de manutenção de uma práxis transformadora que cuida do ambiente ao mesmo tempo que potencializa o ir além dos sujeitos na formação. Segundo: todos os professores são militantes, isto é, nenhum professor recebe para dar aulas na Escola. Esta composição de uma escola centrada na unidade da esquerda, aliada à concepção do intelectual orgânica, nos tem permitido, na pedagogia do exemplo, contar com um grupo de sujeitos políticos que ao se comprometerem com o processo de produção do novo, nos ajudam a romper com uma das cercas da exclusão: o conhecimento formal universitário do país.

Terceiro: o processo de aprendizagem não se restringe às aulas expositivas, mas os estudantes são desafiados a pesquisar, a apresentar seminários, debates, sínteses, que os fortaleçam nos processos de aprendizagem. Quarto: utiliza-se com frequência outros recursos pedagógicos, principalmente os audiovisuais e as visitas de estudo, como forma de auxiliar na aprendizagem e na elaboração de novos conhecimentos.

Por último e, não menos importante, aqui, tanto a produção como a socialização de conhecimentos, os conteúdos estudados, visam atender ao crescimento cultural individual e coletivo (organização), mais do que se preocupar com um canudo, com um diploma que os habilitam a trabalhar para o capital. Aqui, o conhecimento serve para libertar as consciências e auxiliar no processo de transformação da realidade.

RST: Para promover os cursos, a ENFF faz parcerias com universidades. Como isso se dá na prática na sala de aula?

AP: Atualmente, existem aproximadamente 25 cursos de graduação em andamento, em diferentes Estados, com mais de 20 universidades públicas do país. E, quase uma dezena de cursos de Especialização (Pós-Graduação) e Extensão Universitária, possibilitando que filhos e filhas de camponeses que vivem do seu trabalho entrem na universidade de forma coletiva, organizada e com o propósito de continuarem vinculados às suas comunidades de origem, no campo.

Os cursos se desenvolvem por meio da distribuição do tempo na Alternância, isto é, de forma modular contemplando um período intensivo de aula e outro período de estudo, pesquisa e elaboração (vinculando o conteúdo estudado e realidade social), quando o educando convive em sua comunidade. Esses períodos formam parte de um mesmo processo pedagógico, isto é, o curso, a capacitação se realiza durante o tempo todo, normalmente são quatro anos de estudo.

Nos processos de negociação desses cursos, buscamos dialogar com a universidade no sentido de potencializar nossa experiência educativa. Discutimos a necessidade e importância de ir além do que é estabelecido pela universidade no currículo formal do curso. Esses conhecimentos são importantes e garantidos durante o curso, mas acreditamos serem insuficientes para a capacitação que almejamos. Por isso, a Escola complementa com uma série de saberes em diferentes áreas do conhecimento, cujo acesso é importante para os estudantes. Com isso, reforça sua intencionalidade política de ter como fio condutor em todos os cursos a herança dos clássicos brasileiros, latinos e internacionais, como referências históricas de um processo de luta que não começou agora, nem pretende se encerrar no imediatismo da lógica atual de não priorizar a história, os sujeitos, e a luta de classes como motor daquilo que se tem e do que se quer.

RST: A ideia de se ter Sem Terra na universidade, em cursos superiores, não é bem acolhida por setores conservadores da sociedade, que tentam barrar novos cursos e chegam a dizer que a escola é doutrinária etc. Como vocês respondem a esse discurso?

AP: A classe dominante não aceita que pobres, Sem Terra, possam frequentar a escola. No máximo as séries iniciais, mas, quando essa coletividade luta para ultrapassar as barreiras e romper as cercas que os impedem de ter acesso ao ensino superior, aí, a coisa complica, pois se trata também de manter a propriedade privada do conhecimento.

Na nossa proposta, o acesso ao conhecimento é uma maneira que os camponeses pobres – que se entendem como integrantes da classe que vive do trabalho – conquistaram para buscarem alternativas de libertação. É uma maneira de ver melhor a realidade, de se perceberem como sujeitos com potencialidades e capacidades para sair da opressão, por meio da construção de caminhos alternativos, construídos por suas próprias mãos e reflexões.

Esse é o temor da classe dominante, que trabalhadores pobres possam ser arquitetos de seus próprios destinos e passem a exigir participação nos rumos políticos e econômicos do país. Por isso, a discriminação por ser Sem Terra e por ser pobre. Mais que tudo, por tentar entrar nas universidades de forma coletiva, organizada, exigindo que de fato a universidade seja para todos, numa sociedade em que apenas uma minoria insignificante de jovens tem acesso a ela e, essa minoria na sua grande maioria é juventude de classe média. Mas a teimosia, a persistência do MST faz que uma parcela importante da juventude que mora nos assentamentos tenha acesso à universidade, de uma forma diferente. Defendemos e lutamos pelo direito à educação em todos os níveis. Quando parcelas significativas de trabalhadores exigirem esse direito sagrado que é o estudo, então poderemos romper barreiras, derrubar muros e pintar as universidades com as cores do povo.

RST: A construção da estrutura física ENFF foi diferenciada, feita pelas mãos dos próprios Sem Terra e todos estudando “ao mesmo tempo”. Como foi esse processo?

AP: Recordar esse processo, depois de praticamente dez anos desde o início da construção, é um exercício ímpar. É sabido que iniciamos esse processo sem que nenhuma experiência desse porte tivesse acontecido antes. Já tínhamos muitas experiências do trabalho em mutirão, tanto nos assentamentos como também em processos de construção habitacional no meio urbano. Mas esse da ENFF se diferenciava de todos eles. Por isso, o grande desafio foi articular essa nova experiência, sem experiência. Mas é assim que os processos inovadores se constituem, os trabalhadores sendo sujeitos de sua própria história, de seus próprios projetos, lateralmente: de construção!

Foram mais de mil camponeses, acampados e assentados, na grande maioria jovens, que participaram desse processo. As 25 brigadas de trabalho voluntário, organizadas por estados, possibilitaram esse processo em que vinculou aprendizagem prática com os elementos teóricos, concretizando um dos nossos princípios pedagógicos dos processos educativos.

Durante o período de construção, a Escola proporcionava também espaços e tempos para os processos de formação como: alfabetização (essas aulas eram ministradas por companheiros das próprias brigadas de construção que tinham mais conhecimento escolar, durante as noites). Os demais companheiros/as que integravam as brigadas tinham aulas nas noites, para o estudo de temas organizativos, da história, política com a finalidade de conhecer a realidade, a sociedade que vivemos e entender por que precisamos nos organizar e lutar para transformá-la.

Além desses espaços mais formais de educação, o processo de construção também se constituiu num importante instrumento educativo. Aqui, os trabalhadores eram organizados em frentes de trabalho que abrangiam: fabricação de tijolos, alvenaria, hidráulica, elétrica, madeira etc. Nelas os companheiros recebiam orientações e explicações técnicas e pedagógicas de como e por que fazer dessa forma. Isso possibilitava que os trabalhadores ao retornarem para seus assentamentos conseguissem construir suas casas e de seus vizinhos e assentados. O efeito multiplicador foi imenso.

RST: Como a ENFF se relaciona com a comunidade ao seu redor, em Guararema?

AP: A ENFF é parte da comunidade, não é uma ilha isolada. É claro que essa relação é uma construção, por isso, leva tempo e exige estratégias de aproximação, de conhecimento da realidade e de ações conjuntas que podem ser desenvolvidas. Nesse sentido, temos uma relação com a Escola Emilia Leite (Escola Estadual) que funciona no bairro, cujos alunos podem acessar o acervo da nossa biblioteca. Existe também um programa no qual os alunos podem frequentar a Escola, todas as sextas-feiras à noite, para assistirem filmes. Imaginem que no município de Guararema o único espaço de projeção é o da ENFF. Ainda, estamos construindo juntamente com a Escola, a realização de cursos de línguas (espanhol e inglês); palestras sobre a África e América Latina, aproveitando os próprios estudantes latinos que vêm para os cursos, onde os estudantes e trabalhadores da comunidade possam frequentar. Além dessas iniciativas, há a contribuição com doações de livros para a escola do bairro, que até o ano passado não tinha biblioteca para seus alunos. Ainda, a ENFF dispõe de espaços de capacitação na área da informática e espaços de lazer, principalmente o campo de futebol, onde jovens do bairro participam.

RST: A ENFF está vivendo uma fase de dificuldades financeiras e pedindo apoio à sociedade. Quais são as formas de ajudar a Escola?

AP: Manter o funcionamento permanente de uma estrutura coma a ENFF não é tarefa fácil. Os estudantes não pagam nada para estudar, ter alimentação, material didático, acesso à internet etc. No entanto, contribuem na manutenção da Escola por meio do trabalho diário, tanto nos serviços domésticos, como também na parte produtiva (horta, pomar, suínos, aves, coelhos, vacas de leite). Uma parte do que consumimos na Escola é produzido aqui mesmo e outra parte da alimentação vem dos próprios assentamentos. Alguns produtos ainda dependemos de comprar no mercado. Mas temos muitos gastos com água, energia, impostos, telefone, gás, manutenção permanente, pois, uma estrutura com mais de cinco anos de uso já requer reparos. Além disso, está posta a necessidade de ampliação da Escola, por meio da construção de novos alojamentos.

Porém o mais importante é a continuidade dos cursos. Para tanto, contamos com a contribuição militante e voluntária dos professores e agora, recentemente, criou-se – por iniciativa de amigos professores, estudantes e militantes sociais de outras áreas – a Associação dos Amigos da ENFF. Portanto, se alguém quiser mais informação e estiver disposto a contribuir e a se somar nessa causa, deve entrar em contato com ela (associacao@amigosenff.org.br).



ENFF em vídeo

Para conhecer um pouco mais da construção e trajetória da Escola Nacional Florestan Fernandes, há um documentário disponível na internet, produzido pelo Ponto de Cultura da ENFF, em parceria com o Pontão de Cultura Rede Cultural da Terra. O vídeo, de 15 minutos, chama-se “ENFF: um sonho em construção” e pode ser assistido no link www.mst.org.br/node/9047.

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Associação dos Amigos da ENFF
http://www.amigosenff.org.br/
associacao@amigosenff.org.br
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Rua da Abolição, 167, Bela Vista, São Paulo, SP

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Biblioteca Digital Fernando Pessoa


A Casa Fernando Pessoa possui um tesouro único no mundo: a biblioteca particular desta figura maior da literatura. É muito raro conseguir-se encontrar a biblioteca inteira de um escritor com a dimensão universal de Pessoa. Os livros tendem a mover-se muito depressa: emprestam-se, perdem-se, vendem-se. Pessoa também vendeu alguns – mas deixou-nos 1142 volumes, de todos os gêneros e em vários idiomas, densamente anotados e manuscritos.



Toda a biblioteca foi digitalizada. Assim, tornou-se possível consultar online cada uma das páginas digitalizadas, em que se destacam as páginas que incluem manuscritos do próprio Pessoa – ensaios e poemas escritos nas páginas de guarda dos livros.


A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa agora é um patrimônio da humanidade e não apenas dos que podem deslocar-se a esta Casa onde Fernando Pessoa viveu os últimos quinze anos da sua vida.

Usufrua clicando no link abaixo:
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt

domingo, 12 de dezembro de 2010

Áreas rurais concentram 75% da pobreza mundial


Em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Relator especial da ONU sobre direito à alimentação diz que camponeses de países pobres estão capturados por um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza.

Cléo Fatoorehchi - IPS

Nova York (IPS) – Por todo o mundo, camponeses estão sendo apanhados em um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza. Isso só dificulta os esforços para aliviar o problema da desnutrição: em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados divulgados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

Olivier de Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direito à alimentação, assinalou que a solução mais sustentável é incrementar os investimentos agrícolas nos países em desenvolvimento do Sul para melhorar a renda dos camponeses e dar-lhes uma maior estabilidade no setor. De Schutter, que trabalha de forma independente, foi designado em maio de 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra. Desde então, visitou a Nicarágua, Guatemala, Brasil, Benin e Síria. Segue a entrevista que ele concedeu a IPS:

IPS: Qual a importância da agricultura nas economias dos países em desenvolvimento?

Vários países em desenvolvimento dependem demasiadamente de um punhado de matérias primas, como o algodão, o café, o tabaco e o açúcar. Isso os torna muito vulneráveis a mudanças dos preços desses produtos e também significa que têm uma tendência a investir muito nestes cultivos para sua exportação e menos para o consumo local. Esse é o caso de quase todos os países da África Subsaariana. Neste contexto, eu estou sugerindo a esses países que façam duas coisas: primeiro, investir na agricultura para produzir alimentos internamente e, assim, tornar-se menos vulnerável no futuro aos aumentos de preços no mercado de alimentos, uma medida fundamental para a sua segurança alimentar.

Segundo, que diversifiquem suas economias para ter um setor secundário (a indústria) e outro terciário (os serviços) que possam absorver a mão de obra excedente e diminuir a dependência de um pacote limitado de cultivos de exportação como fonte de renda.

IPS: Uma maior produtividade agrícola impulsionaria as economias de alguns dos países mais pobres na África e Ásia?

Os investimentos na produtividade agrícola podem ser fundamentais se beneficiarem os camponeses, que são os mais pobres. Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Melhorar a renda dessas pessoas fará com que comprem mais de produtores e provedores de serviços locais, com um importante efeito multiplicador nas economias, beneficiando também os setores da indústria e de serviços em seus respectivos países.

IPS: Que tipo de investimento está recomendando?

São necessários investimentos públicos e privados. Os países simplesmente não tem o orçamento necessário, muitos carecem de recursos. Certos investimentos provavelmente devem ser feitos pelo Estado, já que não existem incentivos ou são débeis para o setor privado. Por exemplo, os estados deveriam desenvolver serviços de extensão rural, infraestrutura e pesquisa agrícola. Deveriam criar escolas agrárias e apoiar organizações e cooperativas de camponeses.

Os investimentos do setor privado também são importantes e podem complementar os do setor público. Mas não devem tomar a forma de aquisições ou de compra de terra em grande escola, pois isso pode causar enormes perturbações sociais e políticas, constituindo um retrocesso nos esforços para melhorar o acesso a terras por parte dos pobres que, em geral, já tem pouco para cultivar. Então, qual é a alternativa? Creio que certas formas de contratos agrícolas podem garantir importantes benefícios para os camponeses, possibilitando que sejam apoiados por investimento e garantam o acesso à terra.

IPS: De quanto exatamente necessita a agricultura e quanto está sendo investido hoje? Qual é o déficit?

Estima-se que, para relançar a agricultura na África Subsaariana e cobrir 30 anos de esquecimento, são necessários entre 35 e 45 bilhões de dólares anuais durante um período de cinco anos (2010-2015). Isso é mais do que se prometeu até agora e, de fato, pouco dinheiro foi prometido para essa finalidade.

IPS: Quais são algumas das soluções para esta falta de responsabilidade?

A participação dos parlamentos nacionais e de organizações da sociedade civil, incluindo grupos de camponeses, pode ser muito importante para garantir que os governos tomem decisões bem informadas na base de uma adequada compreensão sobre o que os pobres necessitam. Eu recomendo a adoção de estratégias que sejam desenvolvidas em marcos participativos, por meio dos quais os governos estabeleçam pontos de referência para eles mesmos dentro de um prazo determinado e atribuam responsabilidades em diversos departamentos para a adição das medidas necessárias para atingir tais metas. Isso aumenta a responsabilidade do governo, já que terá que justificar a ausência de ações e explicar por que não cumpriu as metas que fixou para si mesmo.

IPS: O alimento pode ser usado como arma de guerra?

Pode sim. Interromper o transporte de ajuda alimentar a zonas afetadas pela guerra sob o pretexto de que a ajuda poderia terminar em mãos de guerrilheiros, matar de fome uma população para castigá-la por ser hostil ao governo central ou destruir cultivos para privar as pessoas de alimentos são graves violações aos direitos humanos. Em alguns casos podem constituir crimes de guerra ou contra a humanidade. No entanto, o mais frequente é o uso de alimentos como ferramenta política, para recompensar partidários e castigar adversários.

Tradução: Katarina Peixoto

FONTE: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17253

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Direitos Humanos da Hipocrisia


O tema dos direitos humanos sempre é utilizado para desestabilizar os países incômodos aos interesses dos dominadores do mundo.

Leia o artigo publicado no site "Cubadebate" clicando no link abaixo:
http://www.cubadebate.cu/especiales/2010/12/10/derechos-humanos-de-la-hipocresia/

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Até amanhã, camaradas

LANÇAMENTO DA EDITORA EXPRESSÃO POPULAR

TITULO DO LIVRO: Até amanhã, camaradas
ISBN: 9788577431663
AUTOR: Manuel Tiago
Número de Páginas: 511
Editora: Expressão Popular

SINOPSE DO LIVRO
O gráfico geral da ação desenha-se com grande clareza: há uma enchente, uma preia-mar, a vazante e o reagrupamento que precede a maré seguinte. Numa região com algumas unidades fabris de certa importância, com várias oficinas mais dispersas e rodeada de uma zona rural largamente proletarizada, assiste-se à preparação clandestina de uma greve geral e de uma manifestação, ao desenrolar do grande movimento (com o rápido acudir militante a imprevistos e deficiências), à repressão, e por fim à reconstituição dos organismos desfalcados, conseguida em grande parte com homens e mulheres (quase todos jovens) que entretanto se revelaram. Estão em jogo reivindicações salariais, resistências à dizimação arbitrária e ruinosa dos pinhais mais modestos, e a generalização de uma nova táctica quanto às praças e comissões de jorna.
A tensão extrema do esforço, das privações e da rígida disciplina defensiva a que os clandestinos têm de sujeitar-se intensifica sentimentos e problemas, define dramas e caracteres em linhas incisivas e palpitantes. Há uma enorme necessidade de compensação afectiva que percorre os contactos internos e externos dos clandestinos e recorta com nitidez os seus sete ou oito principais perfis humanos, através daquilo que fazem, daquilo que dizem e, sobretudo, através daquilo que pouco a pouco transparece em pequenas surpresas de reação.
Daí a intensa afectividade de todo o livro. Nem todos os leitores a podem partilhar na sua expressão verbal, a de tantos diminutivos e formas carinhosas como “querido” e “amiguinho”, porque quem não tenha a experiência da fraternidade clandestina espontaneamente insere tais expressões num contexto folhetinesco completamente diverso. Apenas esta imensa compreensão, aliás inseparável da mais intransigente firmeza e dureza quanto ao essencial, explica o “milagre” daquela “máquina” que a polícia política anunciava de vez em quando ter desmantelado, mas que logo ressurgia das cinzas como a Fénix mitológica.

Óscar Lopes

Dominado?


Aline Durães


A ofensiva do governo do Estado do Rio de Janeiro contra a criminalidade e o tráfico de drogas, ocorrida nas últimas duas semanas e simbolizada, principalmente, pela ação policial que culminou com a ocupação do Complexo do Alemão, continua rendendo debates e reflexões. Uma delas aconteceu na última quinta-feira (2), na Associação Scholem Aleichem Cultura e Recreação (ASA), em Botafogo, e contou com a participação de Chico Alencar, professor licenciado do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ e deputado federal pelo estado (PSOL).

Em exposição curta e direta, o professor de História comentou a cobertura dos conflitos pela imprensa e enumerou alguns pontos indispensáveis para a solução dos problemas de segurança pública enfrentados pelos fluminenses.

Chico criticou o uso da palavra “guerra” recorrente em jornais, revistas e programas de TV durante a cobertura do episódio da invasão da favela carioca. “Guerra exige confronto, projeto de nação, choque de ideologias. O que houve ali não foi nada disso”, observou o parlamentar.

Vocábulos como esse, na opinião de Chico Alencar, ajudaram a criar no espectador a impressão de que há uma polarização concreta que divide policiais e bandidos. “Essa polarização deixou de existir. Esse discurso triunfalista e ufanista da primeira página de jornais e revistas já aconteceu antes. Em 2007, por exemplo, a revista Veja trouxe na capa o Capitão Trovão, que invadiu o Alemão e capturou 19 traficantes. Todos disseram, na época, ‘agora a bandidagem vai perder’, mas nada aconteceu”, lembrou.

O professor defendeu que o público precisa ver além do que os veículos de Comunicação tentam propagar. “Dizer que o Rio de Janeiro deu um novo passo depois da ocupação do Alemão, quando grupos como as milícias estão prosperando, é algo temerário. Para além da espetacularização midiática, o que pode estar acontecendo é um reconfiguração do crime no estado”, afirmou, sugerindo a possibilidade de existirem articulações futuras entre grupos de milicianos e traficantes.

A imprensa internacional também foi alvo de críticas por parte de Chico Alencar. Ele destacou que alguns jornais estrangeiros elogiaram as incursões policiais em morros cariocas por associá-las aos preparativos da cidade para recepcionar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. “Temos que combater a violência não pensando nos megaeventos esportivos, mas no nosso cotidiano, que deve ser de paz.”

Durante a palestra, o professor licenciado da UFRJ elogiou, entretanto, o caráter denunciativo da imprensa, no que diz respeito às acusações de abusos perpetrados por policiais aos moradores das comunidades ocupadas nas últimas semanas. “Com o pobre, é pé na porta. Para a classe média, não existe policiais arrombando casas e revirando móveis. Aí, existe, sim, um viés de classe. Uma nova concepção de segurança pública envolve, então, uma mudança de concepção da sociedade. Enquanto não houver reformas radicais na polícia e na política, estaremos apenas enxugando gelo”, finalizou.

Fidel

Fidel, óleo del artista ecuatoriano Oswaldo Guayasamín

sábado, 4 de dezembro de 2010

Anita Prestes, em debate sobre experiências da ENFF: "revolução acontecerá com trabalho, luta e estudo"


A historiadora e professora universitária Anita Prestes participou na última quinta, dia 2, do debate "A Experiência de Formação da Escola Nacional Florestan Fernandes", no campus da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O evento foi uma oportunidade para divulgar o projeto da escola localizada em Guararema (SP), uma conquista dos movimentos sociais, em especial o MST, que já se aproxima do 6º aniversário e refletir sobre a importância de formar quadros para promover a mudança do atual modelo político-econômico. "Para uma mudança profunda na sociedade é preciso um projeto revolucionário composto desta tríade: trabalho, luta e estudo."

Antes do debate, foi exibido o DVD "A Escola Nacional Florestan Fernandes - ENFF, uma escola em construção". Em seguida, a professora começou sua explanação comentando que sem uma mudança profunda na sociedade brasileira não será possível promover saúde pública e escola de qualidade. "As desigualdades sociais não serão resolvidas no modelo capitalista vigente. Podem dar uma melhorada, mas mudar só com o comunismo", afirmou Anita, enfatizando as ideias de Marx. A mesa do debate teve, além de Prestes, o engenheiro Victor Ferreira, da Associação dos Amigos da ENFF e Anita Handfas, professora da Faculdade de Educação da UFRJ, esta última como mediadora.

Para a historiadora, esse processo exige disciplina e formação de quadros. "E é justamente o que a Escola Florestan Fernandes já está oferecendo." A filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário explicou como o capitalismo usa a mídia para manter o modelo, primando pela combinação de violência, convencimento e aceitação dos valores das classes dominantes. E completou dizendo que a escola, de modo geral, tem reforçado esse modelo.

"A importância da Escola Florestan Fernandes é desconstruir esse modelo, além de formar quadros bem preparados para atender as camadas da população que não tem acesso a educacão de qualidade, principalmente no campo", reforçou Anita - a ENFF recebe todos os anos estudantes do campo e da cidade, principalmente latino-americanos e africanos. "Conheço bem as experiências de formação do MST. Tive a satisfação de conhecer em agosto o Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário (na zona rural de Várzea Grande, Mato Grosso), convidada para o ato político do 15º aniversário do MST naquele estado".

Após a explanação, foi aberto o microfone à participação do auditório. Fizeram comentários e perguntas ativistas e intelectuais. Dentre os que pudemos registrar, estão Ademílson "Cigano", aluno da ENFF e o professor de matemática da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Márcio Rolo.



Não esqueça de fazer sua parte. Apóie a Escola Nacional Florestan Fernandes e entre para a Associação dos Amigos da ENFF.

AAENFF: Rua Abolição, 167, Bela Vista, São Paulo-SP, Cep 01319-030, Brasil. Telefones: (11)3105-0918/9454-9030

Pelo site: http://www.amigosenff.org.br/

email: associacao@amigosenff.org.br

Relatório aponta MST como entrave para EUA

Os últimos documentos apresentados pelo portal WikiLeaks sobre detalhes da política externa dos Estados Unidos apontam os movimentos sociais brasileiros, em especial o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), como obstáculos para a criação de uma lei antiterrorista no país.

O documento teria sido elaborado em novembro de 2008 pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil na época, Clifford Sobel. O texto menciona o analista de inteligência estratégica na Escola Superior de Guerra André Luis Woloszyn (citado no documento como "Soloszyn").

Em conversa com Sobel, o analista disse que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "repleto de militantes esquerdistas que tinham sido alvos de leis da era da ditadura militar criadas para reprimir a violência politicamente motivada", dificilmente promulgaria uma lei que poderia enquadrar atos de grupos com os quais simpatiza, pois "não existe maneira de redigir uma legislação antiterrorismo que exclua as ações do MST".

Controle

Para o integrante da coordenação nacional do MST João Pedro Stedile, o relatório “revela, infelizmente, como o governo dos Estados Unidos continua tratando os países da América Latina, como meras colônias, que devem obedecer e serem orientados”.

Na avaliação do dirigente, ficou claro ainda que o alvo das leis antiterroristas que tentam ser impostas em vários países são as ações dos movimentos sociais que possam prejudicar interesses estadunidenses na América Latina.

“No passado eles criaram a paranoia da União Soviética, depois dos inimigos internos e, agora, querem transformar toda luta social em luta terrorista”, afirma.

Dilma

Os documentos também citam a presidenta eleita, Dilma Rousseff, que foi responsabilizada pelos Estados Unidos de "obstruir", quando era ministra, a aprovação de uma lei antiterrorista que havia sido recomendada por Washington.

Segundo os Estados Unidos, o governo brasileiro chegou a questionar os diplomatas estadunidenses e sua suposta política de luta contra o terrorismo. Além disso, um integrante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão dependente da Presidência brasileira, "manifestou seu rechaço à posição estadunidense sobre o combate ao terrorismo no Brasil", afirmou um dos documentos publicados pelo WikiLeaks.

Algumas mensagens da embaixada estadunidense no Brasil indicaram, ainda, que a Polícia Federal brasileira "deteve terroristas islâmicos", mas que o governo brasileiro "procurou ocultar ou desvirtuar essa informação".

Desde domingo (28), o portal WikiLeaks já divulgou cerca de 250 mil documentos confidenciais do Departamento de Estado dos Estados Unidos que revelam detalhes de políticas estadunidenses entre 1966 e fevereiro deste ano. De acordo com o WikiLeaks, esse é "o maior conjunto de documentos confidenciais a ser levado a público na história".

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5183

Violência contra homossexuais


POR DRAUZIO VARELLA

A HOMOSSEXUALIDADE é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.
Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.
Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).
Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?
Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.
Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.
Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.
A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.
Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.
Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.
Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.
Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.
A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.
Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.
Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.
Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.
Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.
Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?
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FONTE: Folha de São Paulo, 4 de dezembro de 2010.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O historiador comprometido com as lutas populares perante a história oficial


Aos intelectuais comprometidos cabe a missão de contribuir para a formação tanto de militantes combativos quanto de lideranças
Anita Leocádia Prestes

Não existe História neutra ou História que seja uma mera reprodução dos fatos ocorridos em determinado momento histórico. O fato histórico é sempre uma escolha do historiador, um recorte feito por ele e que reflete sua subjetividade, seu posicionamento diante do mundo e daquela realidade que está sendo por ele descrita. Não há duas narrativas de um mesmo acontecimento que sejam iguais ou coincidentes. A História é uma construção, construção esta que pode ter maior ou menor compromisso com a evidência, mas na qual existe sempre uma carga indiscutível de subjetividade.

Numa sociedade atravessada, e movida, por conflitos sociais, ou seja, numa sociedade onde há explorados e exploradores, onde há, portanto, classes antagônicas, a História é sempre uma construção que reflete os interesses dos grupos sociais dominantes, que controlam os meios de comunicação. Em outras palavras, a História é uma construção das classes sociais que detém o poder e os meios de comunicação. E isso é verdade, mesmo quando tal situação é mascarada, não estando explicitada, quando não é evidente.

Por isso mesmo, o historiador, aquele que se propõe a compreender e explicar os fenômenos que têm lugar nas sociedades humanas, precisa ser um questionador, uma vez que ele, sendo um personagem do seu tempo, inserido em determinada sociedade de uma determinada época, não é nem pode ser neutro. No máximo, conseguirá manter uma neutralidade aparente.

Nos dias de hoje, a luta ideológica é a principal forma da luta de classes, que não deixará de existir enquanto perdurarem o capitalismo e a exploração do homem pelo homem. As classes dominantes buscam a hegemonia através do consenso. Mas, quando necessário, apelam para a coerção.

Eis a razão por que a elaboração da História Oficial adquire uma importância crescente nas sociedades contemporâneas. Trata-se de proclamar e difundir as vitórias e os sucessos alcançados pelos donos do poder, de hoje e do passado, nos permanentes conflitos sociais presentes na história mundial. Trata-se de consagrar o capitalismo. Em contrapartida, os ideais e as lutas dos setores, que não obtiveram êxito em seus propósitos revolucionários e transformadores e, muitas vezes, sofreram duras derrotas, são, segundo a lógica da História Oficial, esquecidos, silenciados, deturpados e combatidos. Em nossas sociedades contemporâneas, são os intelectuais comprometidos com a burguesia que cumprem a função de produzir tal História Oficial. Dessa forma, são consagradas inúmeras deformações históricas, inúmeras inverdades históricas e silenciados numerosos acontecimentos que não são do interesse dos setores dominantes que sejam do conhecimento da grande maioria das pessoas e, em particular, das novas gerações.

Entretanto, a hegemonia das classes dominantes nunca é absoluta, pois a exploração capitalista e o agravamento dos conflitos sociais levam ao surgimento de intelectuais comprometidos com os interesses dos trabalhadores, dos explorados e dos oprimidos. Observação fundamental para quem, como nós, quer contribuir para a construção de uma outra História, uma História comprometida com a evidência, uma História que possa, portanto, ajudar na elaboração de propostas libertadoras e de emancipação da grande maioria dos homens e mulheres explorados, oprimidos e subordinados na sociedade capitalista em que vivemos. O historiador comprometido com tal proposta – e também o professor de História, responsável pela formação das novas gerações – poderá transformar-se num intelectual a serviço dos interesses populares, dos interesses da maioria do povo brasileiro, se estiver atento para a postura militante que deve assumir diante da História Oficial, produzida pelos intelectuais comprometidos com a burguesia.

Nesse esforço, parece-me importante resgatar a memória daqueles que lutaram por justiça social, mas não conseguiram alcançar a vitória, deixando, entretanto um legado importante para as gerações subsequentes. A respeito, gostaria de citar dois autores – o poeta francês e resistente durante a ocupação nazista da França, Paul Eluard e o intelectual inglês do final do séc. 19, William Morris :

Paul Eluard: “Ainda que não tivesse tido, em toda minha vida, mais do que um único momento de esperança, teria travado este combate. Inclusive, se hei de perdê-lo, outros o ganharão. Todos os outros.”

William Morris: “A Comuna de Paris não é senão um elo na luta que teve lugar ao longo da história dos oprimidos contra os opressores; e, sem todas as derrotas do passado, não teríamos a esperança de uma vitória final.”

Finalmente, gostaria de destacar o papel dos intelectuais – e, em particular, dos historiadores e professores de História - junto aos movimentos populares, mas principalmente nas escolas, nas salas de aula e no trabalho de pesquisa histórica, no sentido de formar jovens questionadores, cidadãos que não aceitem o consenso dominante, que estejam dispostos a se contrapor à hegemonia dos setores dominantes. Aos intelectuais comprometidos com as lutas populares cabe a missão de contribuir para a formação tanto de militantes combativos quanto de lideranças orientadas para uma perspectiva de elaboração de uma alternativa de emancipação social para nosso povo, perspectiva que, a meu ver, só poderá ser socialista. Mas um socialismo que não seja “nem cópia nem decalque, mas sim criação heroica” do nosso povo, nas palavras de um grande revolucionário latino-americano - José Carlos Mariátegui.

Anita Leocádia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada de UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5205

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A memória histórica como campo da luta de classes


A memória histórica como campo da luta de classes (I)

Por Augusto Buonicore

Publicado originalmente no site da Fundação Maurício Grabois

Se perguntássemos para qualquer pessoa comum o que é história, elarapidamente nos diria: É algo que trata de fatos e personagens que existiram num passado mais ou menos distante. Estes três elementos (fatos, personagens e passado), sem dúvida, entrariam em duas de cada três definições do que seria História. E, ao referir-se ao passado, pensavam-na como uma coisa morta, que nada poderia nos dizer e, muito menos, nos ensinar sobre o presente.

Não é sem razão que no interior das salas de aula a história muitas vezes foi tida como uma disciplina chata. Isto se deu especialmente devido a pouca relação estabelecida entre o que era ministrado e os problemas concretos vividos pelos alunos. Não existia qualquer convicção de que o aprendizado da história pudesse ajudá-los desvendar e, principalmente, transformar o mundo em que viviam.

O problema é que o passado do historiador não deveria ser – e não é - algo morto, como o fóssil de um dinossauro encravado numa rocha ou exposto num museu. Os fatos, como uma espécie de matéria-prima da história, não são coisas mortas que apenas devem ser coletados e colocados numa seqüência rigorosamente cronológica.

Repito, não é possível estudar uma comunidade humana e seu desenvolvimento histórico como se fosse uma colméia ou um conglomerado de rochas. Estranhamente, este passado continua vivendo e produzindo seus efeitos sobre nós e é, justamente, por isso que deve ser estudado e melhor compreendido.

No caso das ciências humanas – ao contrário das ciências naturais e exatas – não há uma muralha da China separando o objeto a ser estudado (as sociedades) e o sujeito que o estuda (o historiador, o sociólogo etc.), mesmo tratando-se do estudo de agrupamentos que viveram há milhares de anos.

Para os antigos historiadores, de tendência positivista, os fatos eram como coisas brutas. Eles estavam permanentemente atrás dos fatos puros, duros e irretorquíveis.

Contra os fatos não há argumentos, gostavam de dizer. Contudo, os fatos não falam por si mesmos, como afirma o senso comum positivista. Segundo o historiador inglês Edward Carr, “os fatos falam apenas quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vem à cena e em que ordem e em que contexto”. E conclui: “A convicção num núcleo sólido de fatos históricos que existem objetiva e independentemente da interpretação do historiador é uma falácia absurda, mas que é muito difícil de ser erradicada”.

No entanto, o historiador que se propõe fazer perguntas ao passado não é um ser desencarnado, separado do mundo. Ele é membro de uma determinada sociedade, de uma determinada época, de uma determinada classe social. Ele se encaixa no interior de determinadas ideologias e perspectivas teórico-metodológicas, que, na maioria das vezes, têm um forte sentido classista. Portanto, o historiador não é neutro diante dos conflitos e dos problemas que aparecem à sua frente durante a pesquisa que realiza.

É sua situação no mundo que determina as perguntas e as escolhas cotidianas que faz. Isto, é claro, vai direcionar as respostas que ele procura encontrar. Um historiador liberal-burguês, por exemplo, jamais colocaria a questão: De onde vem a exploração do trabalho? Para ele, o conceito exploração nada teria de científico, não passaria de uma excrescência ideológica - invenção de alguns socialistas inconformados.

A história não é a simples catalogação neutra de fatos ocorridos no passado. A missão dos historiadores é relacioná-los numa totalidade concreta (processo histórico) e, principalmente, interpretá-los. E a interpretação sempre tem por base determinada teoria ou ideologia. A partir dos mesmos fatos podemos construir várias e contraditórias interpretações.

O historiador marxista tem como objetivo fornecer uma explicação coerente das origens e desenvolvimento das sociedades humanas em suas diversas dimensões. Compreender as inúmeras transformações por que elas passaram. As mudanças sociais devem ser, em última instância, os verdadeiros objetos da história.

As sociedades humanas – como tudo no universo - estão num constante movimento. Elas nascem, desenvolvem-se - conhecem várias fases – e depois fenecessem. Estas transformações podem se dar lentamente – quase imperceptíveis - ou de maneira abrupta, como ocorre nas guerras e nas explosões revolucionárias.

Mas, qual é o motor dessas permanentes mudanças? São as contradições existentes no seio de cada sociedade, que se traduzem naquilo que os marxistas chamaram de lutas de classes.

Por que os trabalhadores devem conhecer a história?

Em todas as comunidades humanas existe um combate surdo pela memória. Este combate faz parte de uma luta ainda maior que é a travada pela conquista da hegemonia. Em outras palavras, a história é um espaço no qual grupos sociais se enfrentam para decidir qual deles dirigirá os rumos da nação e mesmo do planeta.

Por isso, as classes dominantes sempre procuraram reconstruir o passado para, no presente, justificar sua própria dominação. Os líderes das nações imperialistas também buscaram se utilizar da chamada história universal para justificar a dominação e a exploração que exerciam sobre outros povos, considerados inferiores.

Vejamos alguns exemplos extremos destas tentativas: os faraós do Egito foram transformados em filhos diletos do Deus Rá, alguns governantes gregos e romanos também foram transformados em descendentes de deuses e heróis olímpicos. Para justificar a escravidão africana, os negros foram considerados descendentes de Cam, o filho amaldiçoado de Noé. Deveriam pagar, através da servidão, pelos pecados de seus antepassados. Estes são apenas exemplos mais descarados da reconstrução mítica da história feita pelos membros das classes proprietárias no poder e seus escribas. Existem outros exemplos mais sutis, menos perceptíveis, mas, nem por isso, menos perversos.

Os deserdados da terra, os povos explorados, escravizados - ou mesmo eliminados - deixaram poucos rastros na história. Os escravos do Egito, Roma e Grécia não nos deixaram nenhuma obra escrita, apresentando seu ponto de vista sobre a situação na qual viviam. Quem escreveu a história dessas sociedades antigas foram homens livres e, na sua quase totalidade, proprietários de terras e de escravos. Alguns imperadores, também, aventuraram-se no oficio de escrever história. É claro que para enaltecer os seus próprios feitos e dos seus antepassados.

No Brasil, as coisas não podiam ser diferentes. Aqui, também, não foram os índios e negros escravizados que escreveram a história do país. Afinal, a quase totalidade deles não sabia ler e escrever – era lhes proibido freqüentar escolas. O que sabemos deles, num primeiro momento, nos foram contados por viajantes estrangeiros e jesuítas. Relatos que muitas vezes descreviam o martírio desses povos, mas, em geral, vinham carregados de inúmeros preconceitos e graves incompreensões.

Somente na segunda metade do século XIX, ao começar ser questionada a escravidão, surgiu pela pena dos abolicionistas uma outra história, mais crítica ao passado escravista. Mesmo assim, apesar de sua boa vontade, os abolicionistas não poderiam expressar adequadamente as opiniões dos explorados. E aqui não vai nenhum demérito a eles. Pois, foi através dos óculos desses escritores que começamos conhecer um pouco mais da evolução e vicissitudes de nossa sociedade.

Não quero dizer com isto que se os índios e os negros escravizados soubessem ler e escrever produziriam uma interpretação exata da sociedade na qual viviam. Eles ainda não tinham o instrumental teórico necessários para isso. Mas, com certeza, seus depoimentos nos permitiram ver a realidade por outros ângulos e acabar de montar o quebra-cabeça do que foi a nossa sociedade colonial e escravista. O olhar da senzala jamais será o mesmo da Casa Grande, mesmo que por ela pudesse ser fortemente influenciado. Este, inclusive, o erro daqueles que pretendem generalizar as conclusões de Gilberto Freyre na sua obra magna.

Podemos dizer que somente com o advento do capitalismo e a formação de uma classe operária moderna, que sabia ler e escrever – podendo, assim, produzir seus próprios intelectuais orgânicos -, é que foi possível construir uma história mais coerente das classes exploradas. Apesar disso, por um bom tempo, esta nova história (socialista) tendeu a ser marginal, fora dos grandes circuitos, como as academias e o mercado editorial. Afinal, as idéias dominantes são sempre – ou quase sempre – as idéias das classes dominantes.

Somente tendo a consciência que a história é um espaço de luta de classes, os trabalhadores poderão se dedicar com mais afinco ao seu estudo e elaboração. O domínio da história e da dinâmica das sociedades em que vivem – como das experiências de resistência desenvolvidas por seus antepassados - os ajudará travar, de maneira mais conseqüente, as lutas do presente, avançando rumo ao socialismo.

Saber que as sociedades se transformam – que nada é imutável -, e que o principal instrumento dessas mudanças é a ação consciente dos homens, tem um efeito decisivo no processo de constituição da classe dos trabalhadores, como agente ativo de sua própria história.

Bibliografia

BORGES, Vavy Pacheco, O que é história, Ed. Brasiliense, SP, 1980
CARR, E. H., Que é História, Ed. Paz e Terra, RJ, 1978
CHESNEAUX, Jean, Hacemos tabla rasa del pasado? Ed. Siglo Veintiuno, México, 1991
HOBSBAWM, Eric, Sobre História, Ed. Companhia das Letras, SP, 1998
MICELI, Paulo, O Mito do Herói Nacional, Ed. Contexto, SP, 1988
PINSKY, Jaime (org), O Ensino de História e a Criação do Fato, Ed. Contexto, SP, 1988
PLEKHANOV, A Concepção Materialista da História, Ed. Paz e Terra, RJ, 1980
RODRIGUES, José Honório, Filosofia e História, Ed. Nova Fronteira, RJ, 1981
SCHAFF, Adam, História e Verdade, Martins Fontes, SP, 1983

(*) Esta é a primeira parte do texto que foi apresentado na mesa "A importância da história na formação do ser social" que compôs a programação do XX Encontro Nacional de Educadores, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Paulínia (SP)entre 26 e 28 de julho de 2010.


A memória histórica como campo da luta de classes (II)

Augusto Buonicore

D. Pedro I: um grito parado no ar

Vejamos agora como se constroem socialmente os fatos e personagens históricos, tendo como referência a história Brasil. Comecemos pelo processo de nossa independência política, que teve como um de seus momentos mais comemorados a proclamação ocorrida em 7 de setembro de 1822. É incontestável que esta data se constitui um típico fato histórico. Acredito que ninguém, atualmente, negaria isto ou proporia eliminá-lo do calendário cívico nacional.

É claro, as coisas não ocorreram como estão descritas na clássica pintura de Pedro Américo, que se encontra num lugar de honra no Museu do Ipiranga. A referida tela foi produzida muitas décadas depois do famoso grito de Dom Pedro. Seu objetivo, não declarado, era enaltecer os feitos do membro fundador da família real brasileira. Os Bragança, naquele momento, passavam por graves dificuldade. Estávamos em 1888, às vésperas da proclamação da República.

O jovem príncipe não estava montado num garboso cavalo e sim numa simples mula, ainda que real. A sua comitiva e os soldados não trajavam vistosas roupas de gala, mas vestes surradas e empoeiradas da longa viagem pelo interior do país. Contudo, foi aquela cena deixada pelo pintor paraibano que prevaleceu no imaginário da Nação. Para que isso ocorresse, foi preciso reproduzi-la nos livros didáticos, nos selos comemorativos e nos filmes apologéticos, como “Independência ou morte”. Na época, o trabalho de Pedro Américo custou uma pequena fortuna aos cofres públicos — cerca de 30 contos de réis.

Isto pouco importa, pois sabemos que a Independência do Brasil não se reduziu ao grito de D. Pedro dado às margens plácidas do Ipiranga. Ela foi um processo longo, que conheceu vários episódios desde a revolta de Bequimão (1684), a revolta de Felipe dos Santos (1720), a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1799) e a Insurreição Pernambucana (1817).

No 7 de setembro de 1822, proclamou-se a Independência, preservando a monarquia, a supremacia da Casa de Bragança e os interesses econômicos e sociais fundamentais das classes dominantes brasileiras: a escravidão, o latifúndio e o predomínio da agroexportação do açúcar e do café. O Brasil ficou sendo o único Estado monárquico da América Latina.

Mesmo assim, não se pode chamar o final do processo de independência de incruento. Isto significaria ficar apenas nas aparências e nos curvarmos perante uma visão liberal-conservadora da nossa história. A independência incruenta (ou moderadamente cruenta) se deu no eixo Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, no qual a corte brasileira tinha influência e maior controle. Nas regiões Norte e Nordeste havia uma situação bem diferente. Historicamente, suas relações econômicas e políticas se davam mais com a Metrópole portuguesa do que com o Rio de Janeiro. Ali eram maiores as influências metropolitanas e existiam fortes laços de fidelidade das tropas e do comércio, em geral compostos de portugueses, em relação às cortes do além mar.

Em fevereiro de 1822, eclodiu a Guerra da Independência na Bahia. Ela se iniciou quando os baianos se recusaram a aceitar a indicação do novo governador de armas, o coronel lusitano Madeira de Melo. As tropas portuguesas atacaram os patriotas brasileiros e os derrotaram. A guerra somente foi vencida no dia 2 de julho de 1823. No Maranhão, a junta lusitana só seria derrotada mais de um ano após a Independência. Mais de oito mil brasileiros combateram o domínio português naquele estado. A mesma coisa aconteceu no Piauí. As mobilizações de tropas nesses episódios não ficaram aquém das ocorridas na guerra de independência da América espanhola.

Mesmo assim, a nossa independência não estava plenamente assegurada. Vários perigos pairavam sobre ela. A maioria deles vinculados à permanência de um príncipe português no trono brasileiro. Um monarca que vez ou outra exprimia sua fidelidade mais ao pai e a Portugal do que ao Brasil. Em 1831, depois de acirrados conflitos políticos e choques de ruas, D. Pedro renunciou ao trono. Para alguns historiadores, somente a partir deste momento a nossa independência política estaria concluída.

Como podemos ver, nosso processo de independência conheceu inúmeras datas e personagens. Contudo, poucos deles foram selecionados para compor a história oficial. Por longos anos, o título de herói da Independência acabou recaindo na polêmica figura de D. Pedro I. E o fato histórico determinante, o grito dado às margens do riacho do Ipiranga. Estas escolhas, decerto, nada tiveram de casual. Elas se enquadravam perfeitamente dentro dos interesses das classes dominantes brasileiras, que procuravam símbolos que melhor expressassem e servissem à sua dominação.

Os historiadores socialistas sabem que a nossa independência não foi obra de D. Pedro, nem aconteceu num único dia. Ela foi o resultado de inúmeras contradições, que se acumularam por séculos, entre os interesses da colônia e da metrópole. Ela não teria sido possível sem as inconfidências mineira e baiana; sem as guerras de libertação na Bahia, Maranhão e Piauí; sem os levantes populares em várias cidades, como os ocorridos no Rio de Janeiro, em 1831. Não se realizaria sem o pensamento e ação dos setores populares e radicais do movimento de independência, representados nas figuras de Frei Caneca e Cipriano Barata.

Tiradentes e a Inconfidência Mineira: obras republicanas


Vejamos um outro herói e outro fato histórico incontestáveis. Refiro-me ao Tiradentes e à Inconfidência Mineira. Neste caso, ao contrário do exemplo anterior, ninguém tem dúvidas sobre o heroísmo de Joaquim José da Silva Xavier. Ele é, incontestavelmente, o principal herói brasileiro. É o seu rosto, por exemplo, que consta da exposição do bi-centenário da independência da Argentina, na Casa Rosada – ao lado de Bolívar e San Martin.

Mas nem sempre foi assim e, talvez, nunca tivesse sido se não fosse pela decisão de alguns homens. Digo homens, pois as mulheres apitavam pouco naquele momento. O próprio termo inconfidência, literalmente, significa “ato de deslealdade, traição”. Portanto, era uma palavra com forte sentido pejorativo e que hoje soa quase como um elogio à rebelião.

Pelo menos até 1889 – ou seja, 100 anos depois da sua morte – o nome de Tiradentes não era digno de nenhuma menção governamental especial e muito menos objeto de comemorações cívicas. Era considerado mais louco do que herói. Afinal, eram os filhos e netos da rainha “Maria Louca” – que o mandou enforcá-lo e esquartejá-lo - que se encontravam no poder. Somente após a Proclamação da República Tiradentes passou a compor o panteão dos heróis nacionais e a data de sua morte – o 21 de abril – virou feriado nacional.

Mas por qual razão foi escolhida a Inconfidência Mineira e a figura de Tiradentes como símbolos da luta pela liberdade da Pátria? Em primeiro lugar, por este movimento ter sido liderado por uma elite ilustrada – poetas, oficiais do exército, padres, funcionários públicos, empresários etc. Todos senhores brancos e respeitáveis membros da sociedade colonial. A favor de Tiradentes, o mais pobres deles, pesava o fato de ser republicano e, principalmente, alferes (equivalente ao posto de segundo-tenente). Sabemos que a República foi, em parte, obra de militares — como Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Benjamim Constant. Assim, eles puderam traçar um fio de continuidade entre suas idéias (e posição social) e as de Tiradentes.

A escolha, contudo, poderia ter recaído sobre outros movimentos, outros mártires. Dez anos depois da Inconfidência Mineira eclodiu uma tentativa de conjuração na Bahia – também chamada de Revolta dos Alfaiates. Como o próprio nome já indica, ela foi mais popular que a primeira. Por isso mesmo, causou maior impacto na colônia – colocando em alerta a própria metrópole. As bandeiras dos conjurados baianos eram: independência, República e Abolição da Escravidão. Ao contrário do que aconteceu em Minas Gerais, da Conjuração Baiana participaram muitos escravos e ex-escravos. Se a Inconfidência Mineira foi muito influenciada pela Revolução Americana, a Conjuração Baiana o foi pela Revolução Francesa, muito mais radical.

Quatro de seus líderes foram enforcados no dia 8 de novembro de 1799. Como Tiradentes, todos tiveram seus corpos esquartejados e seus membros decepados colocados em praça pública para que a população visse e não tentasse seguir o seu exemplo. Dos mortos, dois eram soldados rasos e dois alfaiates. Seus nomes: Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luiz Gonzaga das Virgens e João de Deus Nascimento. Nomes que quase desapareceram da história.

Zumbi e Palmares: arrombando a festa oficial


Por fim, vejamos um último herói e uma última data histórica. Refiro-me à Zumbi de Palmares e ao 20 de novembro, data provável de sua morte. Se hoje fizéssemos uma pesquisa sobre qual seria o principal herói brasileiro, sem dúvida o nome deste líder negro estaria disputando palmo a palmo os primeiros lugares com o alferes Tiradentes e com o imperador D. Pedro I. Nada mais justo.

Não precisamos dizer que este é um fenômeno novo. Era inconcebível que isto pudesse ocorrer durante o Império escravista (1822-1889) ou mesmo durante os primeiros anos da chamada República Oligárquica (1889-1930), quando ainda predominavam ideologias assentadas no “racismo científico”. Onde o ideal para o Brasil era de uma sociedade composta por uma população exclusivamente branca, sem mestiços ou negros. Numa sociedade elitista e racista, decerto não haveria lugar para heróis negros desta natureza.

Zumbi começou aparecer na história durante a campanha abolicionista – incorporado pelo seu setor mais radicalizado. Era uma das referências de um determinado movimento cívico, ao lado de outros personagens, como legendário líder dos escravos de Roma, Spartacus.

Seria preciso transcorrer quase cem anos da abolição da escravidão para que o nosso herói negro começasse a galgar os íngremes degraus do panteão da pátria. Coisa que só foi possível devido à crise da ditadura militar e a democratização do país, fortemente impulsionados pelos movimentos de contestação popular, no qual se incluía as organizações negras. A data provável da morte de Zumbi, atualmente, é feriado em vários estados e caminha para se tornar feriado nacional. É claro que o racismo difuso, ainda existente entre nós, buscará criar algumas dificuldades para que isso aconteça.

O “caso Zumbi” demonstra que a história continua aberta para a criação de novos heróis e fatos. Conforme novas forças sociais entram em cena, a história vai se ampliando, se democratizando. Operários, camponeses, negros, mulheres, homossexuais e idosos, corretamente, continuam tentando emplacar os seus heróis. Hoje são apenas deles, amanhã poderão ser de todos – ou, pelo menos, de quase todos.

Heróis regionais, de movimentos específicos, podem, em determinadas conjunturas, se tornarem heróis nacionais. Por outro lado, heróis nacionais podem decair na escala de prestígio social e entrar em recesso – ou mesmo se aposentarem definitivamente. Cito apenas os casos dos bandeirantes paulistas, da Princesa Isabel (a “redentora dos escravos”) e do Duque de Caxias – este último foi atingido em cheio pelo desgaste sofrido pelas Forças Armadas durante a Ditadura Militar, que imperou no país por 20 anos.

Diga-se, de passagem, que o nosso bom Duque só atingiu o status de grande herói durante outra ditadura, a do Estado Novo. Vargas estava em luta acirrada para reforçar os aspectos unitários da Nação contra o federalismo das elites regionais. O ato solene da queima das bandeiras estaduais e a ascensão do Duque fazem parte de um único e mesmo processo, e serviam aos mesmos interesses econômicos e sociais.

Quem e como se faz a história
Não são indiferentes para a sociedade os personagens e acontecimentos que escolhemos para compor a história. Estas escolhas não são neutras. São carregadas de significados e produzem efeitos na consciência do povo. Podem reforçar visões e práticas conservadoras ou progressistas. Nada mais falso que encarar a história como coleção de fatos puros (objetivos), distribuídos cronologicamente.

Por fim – e isso é o mais importante – devemos acentuar que mesmo os grandes personagens somente são grandes porque expressaram, em algum momento, determinados movimentos mais amplos da própria história – não são propriamente eles que fazem a história e sim são produzidos por ela. O que seria do imperador Napoleão Bonaparte sem a revolução francesa, que convulsionou o solo nacional? Sem ela, ele possivelmente não ultrapassaria a modesta condição de pequeno oficial em alguma província distante de Paris.

As mesmas questões servem para o Brasil. Será que sem Tiradentes ou D. Pedro I não teríamos conquistado a Independência? Sem Isabel, ou mesmo Zumbi, não haveríamos tido a Abolição? Sem Deodoro não existiria a República? É claro que mesmo sem estes personagens o Brasil ainda seria uma República independente e sem escravidão. No máximo, os ritmos e as formas das mudanças teriam sido diferentes, mas não seu sentido geral.

Portanto, mais importante do que escolhermos nossos fatos e heróis é definirmos como encaramos o próprio fazer histórico. A história pode ser vista como obra de “grandes personagens” – indivíduos sobre-humanos - ou como construção coletiva. Pode ser encarada como o resultado de dádivas - e acordos por cima - das elites (econômicas e políticas) ou como o fruto de lutas sociais abrangentes, que têm por base interesses materiais concretos. A história pode ser vista como grandes momentos – únicos e irrepetíveis – ou como processos contraditórios de variadas durações, que conhecem momentos de rupturas revolucionárias.

Bibliografia[/b}

BORGES, Vavy Pacheco, O que é história, Ed. Brasiliense, SP, 1980.
BUONICORE, Augusto, Marxismo, história e revolução brasileira, Ed. Anita Garibaldi, SP, 2009
CARR, E. H., Que é História, Ed. Paz e Terra, RJ, 1978.
CHESNEAUX, Jean, Hacemos tabla rasa del pasado? Ed. Siglo Veintiuno, México, 1991.
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RODRIGUES, José Honório, Filosofia e História, Ed. Nova Fronteira, RJ, 1981.
SCHAFF, Adam, História e Verdade, Martins Fontes, SP, 1983.

* Este texto foi apresentado na mesa "A importância da história na formação do ser social" que compôs a programação do XX Encontro Nacional de Educadores, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Paulínia (SP) ) entre 26 e 28 de julho de 2010.