quarta-feira, 6 de outubro de 2010

As diferenças substanciais entre os governos Serra e Dilma no relacionamento com os movimentos sociais

Gilmar Mauro, dirigente do MST, em entrevista ao Correio da Cidadania

Correio da Cidadania: Haveria, de fato, diferenças substanciais entre os governos Serra e Dilma na consecução da reforma agrária e no relacionamento com os movimentos sociais?

Gilmar Mauro: Acho que nesse caso sim. Com o Serra, nós nunca conseguimos fazer uma reunião. A única reunião que fizemos aqui foi com o chefe da Casa Civil, o Aloysio Nunes, e à boca pequena se dizia que ele não queria mesmo falar conosco. Por outro lado, tivemos vários despejos violentos (na Cutrale, por exemplo), com articulação entre o governo estadual, Rede Globo e os fazendeiros da região, buscando criminalizar o nosso movimento.

As investidas do Serra contra os professores, a Polícia Civil, os moradores do Jardim Pantanal, nós, sem terra, são mostras de um processo de dificuldade de diálogo do governo Serra com o movimento social. Aliás, até alguns prefeitos do PSDB com quem temos contato estão apoiando a Dilma, pois dizem que têm muita dificuldade de se reunir com o Serra. Dessa forma, parece ser da índole dele tamanha dificuldade em se relacionar, não só com o movimento social, como também com outras pessoas.

Não acho que, do ponto de vista do projeto político, exista tanta diferença entre os dois. Mas, pelo lado dos movimentos sociais, há sim diferença entre Serra e Dilma, principalmente no sentido de criminalizar os movimentos e pela dificuldade de ver o movimento social como parte do processo de construção e de lutas.

Correio da Cidadania: Ainda que existam estas diferenças entre eventuais governos Dilma ou Serra, o posicionamento mais favorável do movimento com relação à vitória petista não seria, de todo modo, um salvo-conduto à permanência de um certo imobilismo e perda de autonomia dos movimentos sociais, tão destacados pelo próprio MST ao longo dos últimos anos, nos quais Lula presidiu o Brasil?

Gilmar Mauro: Não, muito pelo contrário. E outra, o Movimento Sem Terra tem por princípio manter sua autonomia política. Não acredito nisso e não tenho nenhuma dúvida de que o movimento não será refém do próximo governo. Aposto todas as minhas fichas nisso, porque o movimento terá de continuar lutando pela reforma agrária. Embora a conjuntura seja adversa, a esquerda tenha pouca força, o movimento social idem, é tempo de remar contra a maré. E o MST vai continuar organizando sua base.

Acho que duas coisas são fundamentais: primeiramente, uma organização que não coloca como defesa principal as necessidades de sua base social é uma organização que não tem sentido, por isso muitas deixaram de existir. As pessoas se organizam a partir de suas necessidades. Portanto, o MST tem de continuar dando respostas às suas bases, com lutas, marchas, que são as necessidades corporativas da base real do MST.

O segundo aspecto, e quem não o entende terá dificuldade de compreender a própria luta de classes: as pessoas se organizam a partir de suas necessidades, sejam econômicas ou físicas, sejam ideológicas ou espirituais. O sujeito vai à igreja porque sente alguma necessidade. Se a organização perde isso de vista, perde o sentido, vira uma casta. E creio que o MST nunca será assim.

Outra coisa, a marca do MST: o movimento nunca foi conhecido internacionalmente por um bom programa, por um bom discurso, belas elaborações. Ficou conhecido internacionalmente por uma coisa: planejava e fazia. Às vezes com erros, e como movimento social cometemos muitos, mas foi isso que deu moral ao movimento diante das pessoas. O que projetou nosso movimento foi planejar e executar.

Evidentemente, queremos avançar também do ponto de vista teórico, de elaboração de programas, porque não basta só uma prática política relevante. É preciso ter uma teoria condizente com o processo e anseio das lutas que planejamos continuar levando adiante.

Veja a íntegra da entrevista clicando no link abaixo:

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