terça-feira, 21 de setembro de 2010

O holocausto cigano: ontem e hoje - I


Por José Steinsleger


Em 1496: auge do pensamento humanista. Os povos rom (ciganos) da Alemanha são declarados traidores dos países cristãos, espiões a soldo dos turcos, transmissores da peste, bruxos, bandidos e sequestradores de crianças.

1710: século das luzes e da razão. Um decreto ordena que os ciganos adultos de Praga sejam enforcados sem julgamento. Os jovens e as mulheres são mutilados. Na Bohemia, se lhes corta a orelha esquerda. Na Morávia, a orelha direita.


1899: clímax da modernidade e do progresso. A polícia da Baviera cria a Seção Especial de Assuntos Ciganos. Em 1929, a seção foi promovida à categoria de Central Nacional e deslocada para Munique. Em 1937, instala-se em Berlim. Quatro anos depois, meio milhão de ciganos morrem nos campos de concentração da Europa Central e do Leste.

2010: fim das grandes narrativas e das ideologias (sic). Na Itália (onde nasceu a razão de Estado) e na França (sede mundial da tagarelice intelectual) os gabinetes em exercício de ambos os governos (com forte apoio popular, ou seja, democráticos), ficham milhares de ciganos e os deportam para a Bulgaria e para a Romênia.


A tragédia dos rom começou nos Balcãs. Que drama europeu não começou nos Balcãs? Em meados do século XV, o príncipe Vlad Dracul (o Demônio, um dos heróis nacionais da resistência contra os turcos), regressou de uma batalha travada na Bulgária com 12 mil escravos ciganos. Por certo... não era cigano o misterioso cocheiro do conde Drácula?

O doutor Hans Globke, um dos redatores das leis de Nuremberg sobre a classificação da população alemã (1935), declarou: os ciganos são de sangue estrangeiro. Estrangeiros de onde? Sem poder negar que cientificamente eram de origem ária, o professor Hans F. Guenther os classificou numa categoria à parte: Rassengemische (mestiçagem indeterminada).

Em sua tese de doutorado, Eva Justin (assistente do doutor Robert Ritter, da seção de investigações raciais do Ministério da Saúde alemã) afirmava que o sangue cigano era sobremaneira perigoso para a pureza da raça alemã. E um tal doutor Portschy enviou um memorando a Hitler sugerindo-lhe que se os submetesse a trabalhos forçados e à esterilização em massa, porque punham em perigo o sangue puro do campesinato alemão.

Qualificados de criminosos inveterados, os ciganos começaram a ser detidos em massa e, a partir de 1938, se os internou em blocos especiais nos campos de Buchenwald, Mauthausen, Gusen, Dautmergen, Natzweiler e Flossenburg.

Num campo de sua propriedade em Ravensbruck, Heinrich Himmler, chefe da Gestapo (SS), criou um espaço para sacrificar as mulheres ciganas que eram submetidas a experimentos médicos. Esterilizaram-se 120 meninas zíngaras. No hospital de Dusseldorf-Lierenfeld, esterilizou-se ciganas casadas com não ciganos.

Milhares de outros ciganos foram deportados da Bélgica, da Holanda e da França para o campo polaco de Auschwitz. Em suas Memórias, Rudolf Hoess (comandante de Auschwitz), conta que entre os deportados ciganos havia velhos quase centenários, mulheres grávidas e grande número de crianças.

No gueto de Lodz (Polônia), as condições tornaram-se tão extremas que nenhum dos 5 mil ciganos sobreviveu. Outros trinta mil morreram nos campos polacos de Belzec, Treblinka, Sobibor e Maidaneck.

Durante a invasão alemã à União Soviética (Ucrânia, Criméia e países bálticos) os nazis fuzilaram em Simvirpol (Ucrânia) 800 homens, mulheres e crianças na noite de Natal de 1941. Na Iugoslávia, executava-se indistintamente ciganos e judeus no bosque de Jajnice. Os camponeses recordam ainda os gritos das crianças ciganas levadas aos lugares de execução.

Segundo consta nos arquivos dos Einsatzgruppen (patrulhas móveis de extermínio do exército alemão), se haveria assassinado a 300 mil ciganos na URSS e a 28 mil na Iugoslávia. O historiador austríaco Raoul Hilberg estima que antes da guerra viviam na Alemanha 34 mil ciganos. Ignora-se o número de sobreviventes.

Nos campos de extermínio, só o amor dos ciganos pela música foi às vezes um consolo. Em Auschwitz, famintos e cheios de piolhos, juntavam-se para tocar e estimulavam as crianças a dançar. Mas também era legendária a coragem dos guerrilheiros ciganos que militavam na resistência polaca, na região de Nieswiez.

"Também eu tinha / uma grande família / foi assassinada pela Legião Negra / homens e mulheres foram esquartejados / entre eles também crianças pequenas" [versos do hino rom, Gelem, gelem (andei, andei)].

As exigências de assimilação, expulsão ou eliminação (não necessariamente nesta ordem) justificariam a afeição dos povos rom pelos talismãs. Os ciganos levam três nomes: um para os documentos de identidade do país onde vivem, outro para a comunidade e um terceiro que a mãe sussurra durante meses no ouvido do recém-nascido.

Esse nome, secreto, servirá como talismã para protegê-lo contra todo mal.

Fonte: La Jornada
Tradução: Sergio Granja
Revisão: Silvia Mundstock

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